INTRODUÇÃO
Lesões de extremidades são comuns em traumatismos corto-contusos e colocam em risco
a
integridade muscular, vascular e também nervosa dos membros, podendo levar a déficit
motor. Ferimentos a nível do septo intermuscular, que divide a loja extensora
da
flexora no antebraço, podem atingir o principal ramo extensor do nervo radial,
o
nervo interósseo posterior (NIP). O reparo de nervos e músculos lesados deve ser
realizado para proporcionar melhor resultado funcional ao paciente1,2.
OBJETIVO
Demostrar a técnica cirúrgica para a abordagem da lesão do nervo interósseo posterior
com enxerto do nervo cutâneo lateral do antebraço.
MÉTODO
RES, 35 anos, vítima de ferimento corto-contuso na superfície dorsal do antebraço
esquerdo, foi tratado na emergência com rafias musculares múltiplas. No
pós-operatório percebeu-se que a mão não respondia a comandos voluntários e foi
levantada a hipótese de lesão do NIP, a qual foi confirmada por eletroneuromiografia
cerca de 60 dias após o trauma. O procedimento cirúrgico consistiu de abordagem
sob
a cicatriz prévia, com dissecção ampla dos músculos extensores do polegar, comum
dos
dedos, próprio do indicador e próprio do dedo mínimo, além da loja extensora do
punho. Os cotos nervosos distavam cerca de 12cm, e percebia-se já a ramificação
para
os diversos músculos da loja posterolateral do antebraço. (Figura 1) Procedeu-se, então, a reparação nervosa sob luz de
microscopia óptica 200X, onde realizou-se a neurorrafia perineural dos cotos (Figura 2) com o enxerto obtido do nervo cutâneo
lateral do antebraço ipsilateral (Figura 3). O
resultado obtido foi avaliado pelo retorno do movimento dos músculos previamente
desnervados.
Figura 1 - Lesão de nervo interósseo posterior.
Figura 1 - Lesão de nervo interósseo posterior.
Figura 2 - Pós-enxertia do nervo autólogo.
Figura 2 - Pós-enxertia do nervo autólogo.
Figura 3 - Enxerto de nervo cutâneo lateral do antebraço ipsilateral.
Figura 3 - Enxerto de nervo cutâneo lateral do antebraço ipsilateral.
RESULTADOS
Após a remoção da tala gessada em 3 semanas, o punho mantinha-se em posição neutra.
Após estimulação por meio de fisioterapia de reabilitação, o paciente começou
a
obter controle da extensão forçada dos dedos das mãos em 10 semanas, do polegar
em
14 semanas e, após cerca de 18 semanas, dos movimentos voluntários do punho. Após
cerca de 5 meses, o paciente pode retornar à sua atividade laboral como motorista
de
caminhão. Até o período de seguimento deste estudo, até então 10 meses, o paciente
ainda não havia conquistado força equivalente à mão contralateral na área
desnervada.
DISCUSSÃO
O nervo radial se bifurca em ramo superficial, que é exclusivamente sensitivo, e em
nervo interósseo posterior, ramo exclusivamente motor que inerva os extensores
do
punho e dedos, músculo supinador e abdutor longo do polegar. A lesão do NIP acarreta
a impossibilidade de extensão dos dedos e a diminuição da força de extensão do
punho1,2.
Para o tratamento de paralisia nervosa em traumatismos abertos é mandatório a
exploração cirúrgica para excluir neurotmese. Por outro lado, se o mesmo ocorrer
em
uma lesão fechada ou se for evidenciado apenas no pós-operatório, pode-se considerar
realizar tratamento conservador por aproximadamente 6 semanas, já que há
possibilidade de recuperação espontânea. Neste contexto, a eletroneuromiografia
é um
bom exame para avaliação do nervo1,2,3.
As principais alternativas de tratamento cirúrgico para paralisia nervosa são: sutura
direta, enxerto autólogo e, em casos refratários, transferência tendinosa2,3. A transferência tendinosa foi historicamente a cirurgia padrão para
lesão de nervo radial. Hoje em dia, os enxertos nervosos têm ganhado popularidade,
pois restauram a biomecânica muscular natural com menor morbidade, menor dissecção,
e menor necessidade de múltiplos procedimentos4. Além disso, existe a possibilidade de reconstrução nervosa com
criação de condutos venosos ou musculares e, atualmente, com o advento da engenharia
biológica existem outras alternativas promissoras surgindo, como a confecção de
condutos siliconados e de politetrafluoretileno (PTFE)5.
A reconstruções do nervo interósseo posterior é geralmente bem-sucedida, restaurando
a extensão dos dedos e do polegar. Para realizar a reconstrução cirúrgica é
necessária exposição adequada do coto proximal e distal do nervo, assim lesões
nervosas muito proximais ou distais são de mais complexa reconstrução e de
resultados não tão satisfatórios. Outro ponto importante é que, em geral, quanto
maior o tempo até a reconstrução, pior é o prognóstico2. Em um estudo sobre lesões de nervos periféricos, 49% dos 77 nervos
reparados precocemente, em menos de 14 dias, obtiveram bom resultado funcional,
já
apenas 28% dos 169 tardios, com média de 190 dias, apresentaram o mesmo
resultado6.
Para uma boa evolução é importante que o reparo fique sem tensão e tenha boa
vascularização, dessa forma reconstruções com sutura direta de defeitos maiores
que
5cm e enxertos com defeitos maiores que 8cm apresentaram piores resultados2. Um grande problema nos enxertos de nervo de
grande comprimento, como o do presente relato de 12cm, seria a vascularização.
Existe a possibilidade de melhora do aporte circulatório para a região enxertada
através de pedículos vasculares transplantados junto ao nervo doador, porém esta
técnica é de difícil confecção, principalmente em pacientes reoperados como no
caso,
devido à grande quantidade de tecido cicatricial que torna difícil a visualização
das estruturas adjacentes.
Além do nervo cutâneo lateral do antebraço, existem outros nervos doadores possíveis
como o nervo sural, o nervo cutâneo medial do braço e o nervo cutâneo lateral
femoral. O nervo sural, ramo do nervo fibular comum, é mais frequentemente utilizado
quando se necessita obter enxertos longos. No presente caso, foi optado pelo nervo
cutâneo lateral do antebraço, ramo do nervo musculocutâneo, pela facilidade de
obtenção do mesmo através da incisão já presente, e também, pois a sua retirada
não
levaria a nenhuma perda funcional, tampouco anestesia da região que necessita
de
sensibilidade protetiva3.
CONCLUSÃO
A reparação do NIP com enxerto autólogo em traumatismos do antebraço exige
conhecimento anatômico detalhado. O tempo até a sua reconstrução, bem como a
possibilidade de lesão dentro da placa motora - unidade funcional - parecem
desempenhar papel importante na recuperação deste tipo de lesão. No presente relato,
obtivemos retorno do movimento de extensão de todos os músculos inervados pelo
NIP.
REFERÊNCIAS
1. Mokhtee DB, Brown JM, Mackinnon SE, Tung TH. Reconstruction of
posterior interosseous nerve injury following biceps tendon repair: case report
and cadaveric study. Hand (NY). 2008 Jun;4(2):134-9. DOI:
https://doi.org/10.1007/s11552-008-9135-x
2. Green D, Wolf S. Green’s Operative Hand Surgery. 7th ed.
Philadelphia: Elsevier; 2016.
3. Lowe JB, Sen SK, Mackinnon SE. Current approach to radial nerve
paralysis. Plast Reconstr Surg. 2002 Sep;110(4):1099-113. PMID: 12198425 DOI:
https://doi.org/10.1097/00006534-200209150-00016
4. Compton J, Owens J, Day M, Caldwell L. Systematic review of tendon
transfer versus nerve transfer for the restoration of wrist extension in
isolated traumatic radial nerve palsy. J Am Acad Orthop Surg Glob Res Rev. 2018
Apr;2(4):e001. DOI:
https://doi.org/10.5435/JAAOSGlobal-D-18-00001
5. Colen KL, Choi M, Chiu DT. Nerve grafts and conduits. Plast Reconstr
Surg. 2009 Dec;124(Suppl 6):e386-e94. DOI:
https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181bf8430
6. Birch R, Eardley WGP, Ramasamy A, Brown K, et al. Nerve injuries
sustained during warfare. J Bone Joint Surg Br. 2012 Apr;94-B(4):529-35. DOI:
https://doi.org/10.1302/0301-620X.94B4.28488
1. Hospital São Lucas da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Jardim Botânico, Porto Alegre,
RS, Brasil.
Endereço Autor: Felipe Ferreira Laranjeira, Av.
Ipiranga, 6681, Bairro Partenon, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP
90619-900. E-mail: felipelaranjeira@gmail.com