INTRODUÇÃO
A epidermólise bolhosa consiste em uma patologia rara de desordem genética, que tem
como características o desenvolvimento de bolhas ou vesículas ao menor trauma
mecânico ou ainda separação tecidual ao atrito. Os pacientes apresentam alterações
nas estruturas cutâneas e extra-cutâneas, variando sua profundidade. O acometimento
das mucosas ocorre em 10 a 35% dos casos1.
As alterações fisiopatológicas que determinam o aparecimento de bolhas são devido
às
anormalidades estruturais, bioquímicas da queratina, hemidesmossomos, placas e
fibras de ancoragem, e alterações no colágeno da pele2.
A epidermólise bolhosa classifica-se em três grupos principais: epidermólise bolhosa
simples, epidermólise bolhosa juncional e epidermólise bolhosa distrófica. A
importância da classificação é para determinar o risco de comprometimento mucoso,
de
desenvolvimento de neoplasias e de morte prematura. Verifica-se que as altas taxas
de mortalidade estão diretamente proporcionais ao comprometimento mucoso. É também
importante o aconselhamento genético, devido o gene autossômico dominante em algumas
formas1,3.
Nas formas distróficas, o defeito genético deve-se à mutação no gene COL7A1,
responsável pela codificação do colágeno VII, principal constituinte das fibrilas
de
ancoragem, que participam na aderência da lâmina densa à derme4.
A epidermólise bolhosa distrófica acomete geralmente os recém-nascidos, manifestando
o quadro nos primeiros dias de vida. O quadro varia de um fenótipo mais leve,
expresso por bolhas localizadas em pontos de trauma, até o mais grave, em que
ocorrem bolhas generalizadas e subsequentemente cicatrização5.
OBJETIVO
Descrever três casos de epidermólise bolhosa no Hospital de Base Ary Pinheiro e
demonstrar a aplicabilidade do tratamento realizado pelo Serviço de Residência
de
Cirurgia Plástica do Hospital de Base Ary Pinheiro, Porto Velho, Rondônia.
MÉTODO
Durante os anos de 2017 e 2018 foram identificados três casos de recém-nascidos no
Hospital de Base Ary Pinheiro com quadro clínico de epidermólise bolhosa. Os
diagnósticos foram feitos entre o 8º e 12º dia de vida, intervalo no qual os
sintomas foram relatados, sendo iniciado o tratamento logo após o diagnóstico
com o
exame dermatológico. Todos os três casos foram observados em crianças do sexo
feminino. Não houve alterações durante o pré-natal. As crianças nasceram com idade
gestacional variando entre 39 a 40 semanas e de parto normal.
Na história patológica pregressa e familiar não havia nada digno de nota. Os três
casos apresentaram características iniciais clínicas semelhantes, mas evoluções
clínicas distintas.
Ao exame dermatológico observou-se bolhas flácidas, algumas já em involução, nos
joelhos, dorso dos pés e entre os pododáctilos; máculas hipercrômicas e atróficas
nos membros inferiores. Após o exame dermatológico da bolha associado aos dados
clínicos, permitiu-se a classificação como epidermólise bolhosa distrófica (Figuras 1, 2, 3, 4 e 5).
Figura 1 - Caso 1 - Bolhas flácidas, algumas já em involução nos joelhos, dorso
dos pés e entre os pododáctilos.
Figura 1 - Caso 1 - Bolhas flácidas, algumas já em involução nos joelhos, dorso
dos pés e entre os pododáctilos.
Figura 2 - Caso 2 - Comprometimento do trato gastrointestinal como mucosa oral e
desprendimento da epiderme da pele na região do antebraço.
Figura 2 - Caso 2 - Comprometimento do trato gastrointestinal como mucosa oral e
desprendimento da epiderme da pele na região do antebraço.
Figura 3 - Caso 2 - Comprometimento do trato gastrointestinal como mucosa anal.
Figura 3 - Caso 2 - Comprometimento do trato gastrointestinal como mucosa anal.
Figura 4 - Caso 3 - Comprometimento da região perioral após início da
amamentação.
Figura 4 - Caso 3 - Comprometimento da região perioral após início da
amamentação.
Figura 5 - Caso 3 - Curativos com silicone realizados em face e medidas de
contenção e restrição aos movimentos com o objetivo de evitar trauma e
atrito.
Figura 5 - Caso 3 - Curativos com silicone realizados em face e medidas de
contenção e restrição aos movimentos com o objetivo de evitar trauma e
atrito.
Após diagnóstico clínico, os três pacientes foram acompanhados pela equipe da
Cirurgia Plástica do Hospital de Base Ary Pinheiro. O tratamento consistiu em
medidas preventivas, curativos, uso de corticoide tópico e vitamina E.
Nos três casos relatados, o tratamento proposto foi medidas de contenção e restrição
aos movimentos com o objetivo de evitar trauma e atrito entre as demais partes
do
corpo, e curativos com silicone não adesivo para evitar ou promover qualquer tipo
de
resposta que determine a formação de bolhas. As trocas foram realizadas em dias
alternados, compatível com o que se observa na literatura.
RESULTADOS
Somente dois casos evoluíram para aumento das lesões e disseminação para outras
partes do corpo como tronco, dorso, membros superiores, face e trato
gastrointestinal como mucosa oral. Esses dois pacientes evoluíram para o óbito
com
intervalo de 30 a 45 dias após início do tratamento.
No caso das lesões que ficaram restritas somente aos membros inferiores, não
atingindo mucosa, foi o único com sobrevida da paciente. A criança recebeu alta
com
75 dias com remissão do quadro, sendo atualmente acompanhada ambulatorialmente.
Duas das crianças que apresentaram lesões do sistema digestivo e evoluíram para o
óbito, possivelmente aconteceu o que se descreve na literatura, devido a uma piora
do estado nutricional com déficit calórico e proteico, e uma piora clínica
acentuada.
Em relação aos dados hematológicos, todas as crianças apresentaram quadro associado
de anemia. Isto traduz a gravidade da doença, que tem um caráter consumptivo.
Os
dados são compatíveis com aqueles referidos na literatura. A anemia é causada
pela
diminuição da absorção intestinal de ferro e de nutrientes, pela perda de sangue
das
lesões de pele, das mucosas e aquele decorrente das trocas de curativos.
DISCUSSÃO
A epidermólise bolhosa faz parte de um grupo heterogêneo de doenças bolhosas que
podem potencialmente representar um risco de morte a recém-nascidos e crianças,
além
de promover cuidados ao longo da vida. O diagnóstico em recém-nascidos pode ser
difícil e depende, principalmente, da manifestação dos sintomas nos primeiros
dias
de vida e do exame dermatológico. O diagnóstico definitivo é feito por uma
combinação de características clínicas, histológicas, por meio de biópsia e teste
genético para análise moleculares2,5.
O tipo mais frequente é a epidermólise bolhosa distrófica, geralmente acomete os
recém-nascidos. A ausência de outros membros da família afetados nos casos relatados
não estabelece, por si só, o modo de transmissão como autossômico recessivo, porque
a identificação de pessoas acometidas pode também ser o resultado de uma mutação
espontânea ou de penetrância incompleta de uma característica autossômica
dominante6,7.
As lesões cutâneas aparecem, em geral, logo ao nascimento, decorrentes do trauma
mecânico do parto; menos frequentemente nos primeiros meses de vida6.
O que se preconiza no tratamento da epidermólise bolhosa é o uso de corticoides
tópicos como dexametasona, desonida, furoato de mometasona. A pulsoterapia
endovenosa com corticoide e a gamaglobulina endovenosa são reservadas para os
casos
mais graves e refratários. Alguns autores defendem o uso de vitamina E, 800mg/dia,
para uma melhor cicatrização da pele e das lesões das mucosas8,9.
As lesões orais costumam ser desencadeadas pelas primeiras mamadas, mas outros pontos
do tubo digestivo desenvolvem bolhas espontaneamente. As lesões do trato digestivo
são dolorosas, o que impede a manutenção do estado nutricional adequado.
Verificou-se através dos vários estudos que a taxa de mortalidade se encontra
proporcional ao comprometimento das mucosas10.
No momento, os pacientes com formas graves da epidermólise bolhosa dificilmente
alcançam a idade adulta; porém, a sobrevida está relacionada aos cuidados, que
devem
ter início logo ao nascimento11,12.
CONCLUSÃO
A partir da análise dos três casos, observou-se a necessidade do desenvolvimento de
protocolos, de métodos diagnósticos precoces, e da utilização de curativos que
previnam e tratem as lesões existentes decorrentes da epidermólise bolhosa. A
manutenção do estado nutricional adequado favorece à melhora das lesões, do quadro
sistêmico e controle do quadro. O acompanhamento multidisciplinar é necessário
para
a melhora da qualidade vida dessa criança.
Não há, até o momento, um tratamento curativo da epidermólise bolhosa. O suporte
clínico, a prevenção e tratamento de novas bolhas ajuda na prevenção das infecções;
retrações e sinéquias; e manutenção do estado nutricional adequado.
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1. Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro, Industrial,
Porto Velho, RO, Brasil.
2. Universidade Federal de Rondônia, Olaria, Porto
Velho, RO, Brasil.
Endereço Autor: Hugo Rogerio Nunes Filho, Avenida
Chiquilito Erse, 5064, Nova Esperança Porto Velho, Ro, Brasil. CEP 76821-510
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