INTRODUÇÃO
Para o Brasil, estimam-se 59.700 casos novos de câncer de mama, para cada ano do
biênio 2018-2019, com um risco estimado de 56,33 casos a cada 100 mil mulheres1.
Sem considerar os tumores de pele não melanoma, esse tipo de câncer também é o
primeiro mais frequente nas mulheres das Regiões Sul (73,07/100 mil), Sudeste
(69,50/100 mil), Centro-Oeste (51,96/100 mil) e Nordeste (40,36/100 mil). Na Região
Norte, é o segundo tumor mais incidente (19,21/100 mil)1.
A mastectomia total, principalmente em alguns países subdesenvolvidos e nos centros
mais afastados, ainda é um tratamento bastante empregado para o tratamento do câncer
da mama. Essa cirurgia e as terapias adjuvantes podem contribuir para o
desenvolvimento de complicações físicas e transtornos psicológicos, que podem
influenciar negativamente a qualidade de vida2-4.
Após a mastectomia, a ausência da mama altera a imagem corporal da mulher, produz
uma
sensação de mutilação e perda da feminilidade e sensualidade5,6.
Sua perda vem a diminuir a autoestima, com sofrimento psíquico, sinais de ansiedade,
sentimentos de pena e vem a alterar sua vida pessoal, social e profissional. A
reconstrução mamária tem por objetivo restabelecer a estética corporal e melhorar
a
autoimagem da paciente, restaurando o volume perdido e assegurando simetria com a
mama contralateral7.
A Lei n. 12.802/2013 garante a paciente que o Sistema Único de Saúde (SUS) forneça
a
cirurgia de reconstrução mamária logo em seguida à mastectomia, quando houver
condições clínicas. Porém, muitas vezes não há estrutura nos hospitais públicos para
realizar o que orienta a lei. As deficiências vão da falta de centro cirúrgico, à
ausência de médicos qualificados e material adequado. Assim, muitas vezes a
reconstrução fica para um segundo tempo. Devido à alta demanda do SUS, muitas dessas
pacientes ficam esperando pela reconstrução em filas, as quais muitas vezes parecem
intermináveis8.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) estima que o tempo médio de espera
para a reconstrução é de dez anos, sendo que em 2015 apenas 1.100 cirurgias de
reconstrução de mama foram feitas pelo SUS8.
O Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Walter Cantídio (SHUWC),
em
Fortaleza, CE, colaborou com os mutirões nacionais de reconstrução de mama nos anos
de 2016 e 2018, com a realização de 24 cirurgias de reconstrução mamária, com
participação de grupo heterogêneo de cirurgiões plásticos.
OBJETIVO
Analisar os resultados da participação do Serviço de Cirurgia Plástica do HUWC nos
Mutirões Nacionais de Reconstrução Mamária (MNRC), realizados em 2016 e 2018.
MÉTODO
Estudo retrospectivo e descritivo através da revisão de prontuários de pacientes
submetidas à reconstrução mamária durante o período dos mutirões.
RESULTADOS
Ao total, 24 pacientes, do sexo feminino, foram submetidas à reconstrução mamária
pós-mastectomia, sendo 16 em 2016 e 8 em 2018. Todas as pacientes passaram por
avaliação cardiovascular e de risco cirúrgico, estando aptas para a
reconstrução.
Nenhuma paciente encontrava-se sob tratamento de quimioterapia (QMT) ou radioterapia
(RTX). Ou seja, todos os casos se tratavam de reconstrução tardia, todos com mais
de
1 ano de pós-operatórios de mastectomia e mais de 1 ano livre de procedimento
adjuvante (QMT e RTX).
Em 2016, a idade das pacientes variou entre 39 e 72 anos, com média de 49 anos no
momento da reconstrução. Em 2018, a variação da idade foi 36 a 66 anos, com média
de
51 anos (Figura 1).
Figura 1 - Variação da idade das pacientes nos 02 mutirões.
Figura 1 - Variação da idade das pacientes nos 02 mutirões.
Quanto ao tipo de reconstrução, em 2016 foram realizadas uma (6%) com retalho
miocutâneo do músculo reto abdominal (TRAM), nove (56%) com retalho miocutâneo do
músculo grande dorsal (RGD), cinco com próteses [três (19%) com troca de expansor
com prótese unilateral, duas (12,5%) com prótese direita unilateral] e seis (37,5%)
de simetrização. Em 2018, 2 procedimentos de troca de expansor por prótese mamária
(15,38%), 8 de simetrização (61,54%), 2 lipoenxertias (15,38%) e 1 reconstrução de
papila (7,69%) (Figura 2).
Figura 2 - Tipos de procedimentos realizados nos 02 mutirões.
Figura 2 - Tipos de procedimentos realizados nos 02 mutirões.
Analisando o tempo de internação, observou-se que o período variou de 1 a 5 dias,
sendo que 82% delas passaram 4 dias ou menos em 2016. Em 2018, o período de
internação foi de 3 dias para todas as pacientes.
As complicações foram divididas em precoces (aquelas que ocorreram em até 30 dias
de
pós-operatório) e tardias (após 30 dias). Em 2016, as precoces foram observadas
casos de seroma em região dorsal (13%), necrose parcial da pele da mastectomia (6%),
deiscência parcial da ferida operatória (13%) e necrose do retalho de grande dorsal
(6%). Em 2018, as complicações foram epidermólise (12,5%) e cicatriz hipertrófica
(12,5%) (Figura 3).
Figura 3 - Complicações pós-operatórias nos 02 mutirões.
Figura 3 - Complicações pós-operatórias nos 02 mutirões.
Nenhuma das 24 pacientes estudadas apresentou complicações tardias.
Não foi observado fatores de risco (hipertensão arterial sistêmica, diabetes
mellitus, tabagismo, índice de massa corporal elevado, idade) com significância
estatística para as complicações precoces (Figuras 4 e 5).
Figura 4 - Pré-operatório de paciente submetida à simetrização e reconstrução de
papila durante o mutirão de 2018.
Figura 4 - Pré-operatório de paciente submetida à simetrização e reconstrução de
papila durante o mutirão de 2018.
Figura 5 - Pós-operatório de paciente submetida à simetrização e reconstrução de
papila durante o mutirão de 2018.
Figura 5 - Pós-operatório de paciente submetida à simetrização e reconstrução de
papila durante o mutirão de 2018.
DISCUSSÃO
O grupo epidemiológico das pacientes do estudo está de acordo com a literatura
vigente. O câncer de mama é mais prevalente após os 50 anos, sendo raro antes dos
357.
Embora o grupo do presente estudo seja formado em sua totalidade por pacientes do
sexo feminino, o câncer de mama também é afecção masculina.
Muitas técnicas de reconstrução vêm sendo desenvolvidas ao longo dos anos. Os
procedimentos mais comumente empregados são:
Retalhos miocutâneos pediculados, como os do músculo grande dorsal;
Retalho transverso do músculo reto abdominal;
Uso de materiais aloplásticos, como expansores teciduais temporários ou
definitivos;
Implantes de silicone.
Dentro deste panorama, observou-se aumento das indicações de reconstruções mamárias
com retalhos locais, materiais aloplásticos e com o RGD, em detrimento do TRAM, que
apresenta maior morbidade local e sistêmica8.
Dentre as complicações precoces observadas nos mutirões, houve 1 caso (6%) de necrose
parcial da pele da mastectomia e 2 casos (13%) de deiscência parcial da ferida
operatória, 1 caso de epidermólise (12,5%). Estas intercorrências provavelmente
ocorreram devido à necessidade de eficácia oncológica local, acarretando retalhos
de
mastectomia delgada e hipoperfundidos. Observou-se 1 caso de necrose do retalho de
grande dorsal, mas nenhum caso com infecções, nem outras complicações clínicas.
O baixo índice de complicações nos procedimentos cirúrgicos realizados no mutirão
reflete a capacidade cirúrgica da equipe e o fato das pacientes possuírem baixo
índice de comorbidades.
CONCLUSÃO
Conclui-se que os mutirões de reconstrução mamária pós-mastectomia são, mesmo nos
casos tardios, uma alternativa viável em termos de saúde pública e contribuem para
a
garantia do direito à reconstrução mamária, diminuindo a fila de espera pelo
procedimento.
REFERÊNCIAS
1. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer José Alencar
Gomes da Silva (INCA). Estimativa 2018: Incidência de Câncer no Brasil. Rio de
Janeiro: INCA; 2018. Disponível em:
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//estimativa-incidencia-de-cancer-no-brasil-2018.pdf
2. Cheville AL, Tchou J. Barriers to rehabilitation following surgery
for primary breast cancer. J Surg Oncol. 2007 Apr;95(5):409-18. DOI:
http://dx.doi.org/10.1002/jso.20782 DOI:
https://doi.org/10.1002/jso.20782
3. Ribeiro RVE, Silva GB, Augusto FV. Prevalência do transtorno
dismórfico corporal em pacientes candidatos e/ou submetidos a procedimentos
estéticos na especialidade da cirurgia plástica: uma revisão sistemática com
meta-análise. Rev Bras Cir Plást. 2017;32(3):428-35.
4. Ching AW, Costa MP, Brasolin AG, Ferreira LM. Influência das
complicações pós-operatórias no insucesso da reconstrução de mama imediata com
implante de silicone. Rev Bras Cir Plást. 2015;30(2):182-9.
5. Alves VL, Sabino Neto M, Abla LEF, Oliveira CJR, Ferreira LM.
Avaliação precoce da qualidade de vida e autoestima de pacientes mastectomizadas
submetidas ou não à reconstrução mamária. Rev Bras Cir Plást.
2017;32(2):208-17.
6. Sheppard LA, Ely S. Breast cancer and sexuality. Breast J. 2008
Mar;14(2):176-81. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1524-4741.2007.00550.x DOI:
https://doi.org/10.1111/j.1524-4741.2007.00550.x
7. Garcia CP, Barazzetti DO, Rendón NB, Parente ELM, Vasconcellos ZAA,
Ely JB. Avaliação da qualidade de vida em pacientes submetidas à reconstrução
mamária no Mutirão Nacional da SBCP ano de 2016 em Santa Catarina. Rev Bras Cir
Plást. 2018;33(0):172-5.
8. Markovic A, Pessoa SGP. Análise da participação de hospital
universitário em um mutirão nacional de reconstrução mamária. Rev Bras Cir
Plást. 2018;33(3):305-11.
1. Hospital Universitário Walter Cantídio,
Fortaleza, CE, Brasil.
2. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE,
Brasil.
Endereço Autor: Eudemara Fernandes de Holanda, Rua
Isaías Domingos Silveira, 149, De Lourdes, Fortaleza, CE, Brasil. CEP 60177-180.
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