ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

Previous Article Next Article

Supplement Symposium Miner of Intercurrences 13th SYMPOSIUM - 2019 - Year2019 - Volume34 - (Suppl.2)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0115

RESUMO

Atualmente, o culto excessivo à beleza e sua associação com o sucesso pessoal, pela mídia, são fatores determinantes na crescente busca por procedimentos estéticos. Entretanto, ocasionalmente, o desejo de ter a aparência modificada pode relacionar-se a transtorno de personalidade, sendo o tipo borderline de difícil identificação e entendimento por profissionais sem conhecimento específico. Este artigo relata caso de paciente com transtorno de personalidade borderline, inicialmente não percebido pelo cirurgião plástico, que gerou grande sofrimento e grandes conflitos no relacionamento entre paciente e equipe. A avaliação psicológica pré-operatória permite identificar transtornos que contraindiquem o procedimento, visando a evitar problemas e frustações futuras. No acompanhamento pós-operatório, o psicólogo oferece apoio ao paciente e aos seus familiares. Portanto, é de fundamental importância que o psicólogo integre a equipe interdisciplinar de atendimento ao solicitante de cirurgia estética.

Palavras-chave: Autoimagem; Personalidade; Transtorno de personalidade Borderline; Relações interpessoais; Cirurgia; Psicologia; Práticas interdisciplinares


INTRODUÇÃO

Atualmente, o culto excessivo à beleza e sua associação com o sucesso pessoal, pela mídia, são fatores determinantes na crescente busca por procedimentos estéticos. Consultórios médicos enchem-se de pacientes com o mesmo sonho, mas há indicações e limites. É preciso investigar além do significante físico, aprofundar-se na angústia daquele sujeito para se evitar a realização de uma cirurgia plástica inoportuna.

A personalidade de um indivíduo pode ser brevemente definida como uma construção mental que reflete a estabilidade das dimensões cognitivas (crenças, valores e representação de si), afetivas (emoções e motivações) e comportamentais (condutas). Essas dimensões formam um conjunto de padrões que tendem a se manter ao longo do tempo, permitindo, portanto, que reconheçamos a nós mesmos e às outras pessoas. O transtorno de personalidade é um conjunto de padrões estáveis mal adaptados, desenvolvidos ao longo do ciclo da vida, que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, o que leva ao sofrimento subjetivo, e do seu meio social1. Há transtorno de personalidade cuja identificação é mais complexa, especialmente por profissional pouco experiente; portanto, ocasionalmente, o médico opera paciente inapto, podendo gerar-lhe sofrimento, bem como ao próprio profissional, que poderá perder o controle sobre a condução pós-operatória.

Um transtorno de personalidade pouco conhecido e de difícil detecção, pois seus sintomas são comuns a outros transtornos, é o transtorno de personalidade borderline (TPB). Segundo a Associação Psiquiátrica Americana2, sua condição-chave é a variação imprevisível do humor, com acentuadas instabilidades afetiva e emocional. Suas principais características são:

    -       Distorção dos padrões de pensamento ou da percepção de si, com perturbação da identidade e da autoimagem, como estimativas equivocadas do tamanho corporal e do peso;

    -       Comportamento impulsivo;

    -       Relacionamentos intensos ou instáveis;

    -       Sentimentos duradouros de raiva, mágoa, de vazio e solidão, que provocam tentativas exageradas de prevenção de possível abandono por relacionamento sufocante, e ameaças de automutilação.

O paciente com TPB tem grande dificuldade em se compreender e causa prejuízos significativos a si próprio e a relacionamentos interpessoais. Atinge baixo grau de satisfação com resultados de procedimentos estéticos, solicita correções por impulsividade e para evitar o abandono. Profissionais da saúde, principalmente cirurgiões plásticos, acabam adoecendo quando se deparam com este tipo de paciente3. Nesse momento, o médico precisa aceitar suas limitações e suas manifestações psíquicas4. O objetivo deste relato é registrar a importância fundamental da avaliação e acompanhamento psicológicos antes e após uma cirurgia estética.

CASO CLÍNICO

Paciente do sexo feminino, de 29 anos, procurou cirurgião plástico porque estava insatisfeita com seu queixo pequeno. Percebia que faltava algo em seu rosto que chamasse atenção quando fotografada como modelo, e ao postar suas fotos nas redes sociais. O cirurgião forneceu informações pré-operatórias e não detectou qualquer alteração psicopatológica na paciente.

Logo após a mentoplastia de aumento com prótese, já na sala de recuperação pós-anestésica, passou a ter comportamento agressivo e agitação, ofendendo toda a equipe multidisciplinar presente. No final de semana que se seguiu, passou mensagens telefônicas insistentemente, inclusive por toda a madrugada, queixando-se do “desastre em seu rosto” à representante comercial da prótese e ao cirurgião, que tentou acalmá-la, reafirmando que seria preciso aguardar o tempo previamente orientado para a região operada desinchar e cicatrizar. Foi reavaliada no primeiro dia útil seguinte e, diante de aparente desespero, foi submetida a novo procedimento cirúrgico um dia após, para diminuição do tamanho da prótese à metade. Manteve a queixa, e o cirurgião propôs, então, remover a prótese, o que foi terminantemente descartado pela paciente, pois alegou tratar-se do seu sonho. Foi medicada com ansiolítico leve e encaminhada a psicólogo, a que se opôs, e fisioterapeuta. Na terceira cirurgia, a prótese foi desbastada à metade do tamanho da menor prótese disponível no mercado, mas a paciente manteve-se insatisfeita, alegando que seu queixo aparentava-se gigantesco. A cada dia seu comportamento tornou-se mais agressivo, obsessivo pelo cirurgião plástico, a quem passou a ameaçar, bem como à administração da clínica onde havia se submetida ao procedimento. Após três procedimentos, havia surgido pequena aderência no sulco labial que precisava ser desfeita. Incapaz de manter qualquer comunicação produtiva com a paciente, o profissional a encaminhou ao seu amigo mais experiente, também cirurgião plástico, que tentaria dar continuidade aos cuidados com equipe interdisciplinar, incluindo psicóloga.

Inicialmente, desconfiada nos atendimentos psicológicos, expressava-se com extrema ansiedade, gesticulando muito, com taquilalia. Informou que, logo após a cirurgia, ainda sedada, já notou algo estranho, pois a equipe de enfermagem da clínica estava indiferente, frios e impacientes. Quanto ao cirurgião plástico, declarou:

    -       “Eu não duvido que ele queria me deixar feia, por ter inveja de ser uma pessoa bonita” (narcisismo).

Acreditava que seu rosto ficara deformado, que sua boca não tinha o mesmo formato de antes, e que seus colegas de trabalho comentavam negativamente. Alegou que passou a perder várias oportunidades de trabalho como modelo fotográfica desde então. Acreditava que sua vida havia chegado ao fim, pois tornara-se um monstro após a cirurgia (distorção da imagem). Questionava se o novo cirurgião plástico poderia causar-lhe maior dano, privando-a de falar ou de reclamar (vitimização). Questionava se seu rosto ficaria perfeito, mas logo em seguida expressava desejo em readquirir, segundo seu entendimento, seu rosto angelical original. Foi orientada sobre a amplidão e relatividade do conceito de perfeição. Instabilizava-se emocionalmente com frequência, impedindo a fala do médico e da psicóloga, mas parecia ter entendido o propósito do tratamento complementar do sulco labial. Confessou que alguns acreditavam que ela tinha algum transtorno mental, mas temia que essa suspeita chegasse à sua empregadora no centro de saúde.

Após a nova intervenção, intercalava períodos de felicidade e gratidão com períodos de explosão e ameaças de morte a toda a equipe (instabilidade de humor). Afirmava constantemente que a psicóloga estava feliz com sua infelicidade, por ter inveja da sua beleza.

Antes da alta do consultório, o cirurgião solicitou que se submetesse a exame de imagem do mento (ressonância nuclear magnética ), com finalidade de mostrar-lhe que, após as intervenções, o tamanho da prótese tornara-se insignificante, e que nada mais havia a ser feito. Foi orientada sobre o resultado do exame e a necessidade de acompanhamentos psicológico e psiquiátrico. Reagiu agressivamente, arremessando objetos e proferindo palavras ofensivas. Impedia o contato da equipe com qualquer familiar. Atingia-se o limite da possibilidade de tratamento pelos médicos e pela psicóloga da equipe.

DISCUSSÃO

O método utilizado no acompanhamento psicológico antes e após cirurgias plásticas estéticas é a Terapia do Esquema. Um indivíduo psicologicamente saudável é aquele que consegue satisfazer de forma adaptativa suas necessidades fundamentais e emocionais, uma vez que entende seus esquemas e seu estilo de enfrentamento. A Terapia do Esquema é um programa comportamental de duração variável, conforme o paciente. Combina exposição com prevenção de resposta e elimina, em grande parte, pensamentos obsessivos. A Terapia do Esquema já se mostrou útil no tratamento de depressão, ansiedade, transtornos alimentares e transtornos de personalidade.

O psicólogo alia-se ao paciente para lutar contra seus esquemas, usando estratégias cognitivas, afetivas, comportamentais e interpessoais. Quando o paciente repete padrões disfuncionais baseados em seus esquemas, o psicólogo confronta, empaticamente, com as razões para mudança. Assim, o paciente começa a exercer algum controle sobre suas respostas e aumenta o exercício do livre arbítrio. O objetivo é aumentar seu autocontrole com relação aos seus esquemas, trabalhando para enfraquecer as memórias, emoções e sensações negativas. É importante avaliar quais dos esquemas podem gerar expectativas falsas ao processo, ou exigir demais após a cirurgia plástica.

Na Terapia do Esquema de pacientes com TPB, o psicólogo estabelece vínculos e uma base estável e carinhosa. O primeiro passo é terapeuta e paciente formarem vínculo emocional seguro, onde será estimulada a expressão de necessidades e emoções, ensinando ao paciente formas de enfrentamento para controlar humores e desconfortos. As estratégias visam a facilitar ao paciente seu aprendizado no controle de seus sentimentos, e a pontuar seus limites, quando ultrapassados5.

Outro método utilizado em pacientes que se submeterão a procedimentos de cirurgia plástica é a aplicação do teste NEO FFI revisado, que examina cinco traços de personalidade do indivíduo: abertura a experiência, conscienciosidade, extroversão, agradabilidade e neuroticismo. Trata-se de avaliação psicométrica da personalidade. Utiliza princípios positivos empíricos e baseia-se no pressuposto de que os atributos humanos podem ser avaliados quantitativamente. Os pacientes são convidados a preencher questionários com base em como se percebem e como acreditam que normalmente se comportam em diversas situações. Os resultados são, então, examinados em busca de consistências nas características do indivíduo, com base no pressuposto de que os atributos humanos são caraterísticos, estáveis e consistentes, que se reúnem para compor a personalidade6.

Concluindo-se, o acompanhamento psicológico pré-operatório dos pacientes de cirurgia plástica é fundamental para avaliar se as motivações são realistas, e possibilitar intervenção, se houver algum desajustamento, ou mesmo impedimento. Após a cirurgia, oferece apoio contra ansiedade e amplia a capacidade de suportar sensações e emoções desconfortáveis e desconhecidas. O psicólogo é o articulador entre o paciente e o cirurgião plástico, e pode prevenir o adoecer de ambos. Deve sempre integrar a equipe interdisciplinar.

REFERÊNCIAS

1. Alvarenga M. Transtorno de personalidade borderline. In: Workshop Transtorno de Personalidade Borderline. Belo Horizonte, Brasil; 2018 Set.

2. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM 5. Porto Alegre: Artmed; 2014.

3. Scherer JN, Ornell F, Narvaez JCM, Nunes RC. Transtornos psiquiátricos na medicina estética: a importância doreconhecimento de sinais e sintomas. Rev Bras Cir Plást. 2017; 32(4):586-93.

4. Goulart GC. O corpo estranho na cirurgia plástica. Belo Horizonte: Coopmed; 2013.

5. Young JE. Terapia cognitiva para transtornos de personalidade: uma abordagem focada em esquemas. Porto Alegre: Artmed; 2003.

6. Mendoza CEF. NEO FFIR - inventário de personalidade NEO. São Paulo: Vetor Editora; 2007.











1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Minas Gerais, MG, Brasil.
2. Associação Brasileira de Cirurgia Craniomaxilofacial, São Paulo, SP, Brasil.
3. Centro de Tratamento e Reabilitação de Fissuras Labiopalatais e Deformidades Craniofaciais.
4. Hospital da Baleia, Belo Horizonte, MG, Brasil.
5. Clínica privada.
6. Hospital João XXIII, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Endereço Autor: Renato Rocha Lage Rua Domingos Vieira, 319/701 - Belo Horizonte, MG, Brasil CEP: 30150-240 E-mail: renatorochalage@hotmail.com

 

Previous Article Back to Top Next Article

Indexers

Licença Creative Commons All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license