INTRODUÇÃO
Existem duas formas diferentes da síndrome do pterígio múltiplo, as quais são
diferenciadas pela sua gravidade clínica. A forma letal é tipicamente fatal no
segundo ou terceiro trimestre de gestação. Se a criança nascer, será natimorta ou
morrerá no período neonatal precoce. Hipoplasia pulmonar é considerada a principal
causa primária de mortalidade nesses casos3.
Neonatos com a forma letal da síndrome dos pterígios múltiplos, que é menos comum,
geralmente tem fendas labiopalatinas, grandes higromas císticos, edema fetal
progressivo (hidropisia fetal) ou hipoplasia pulmonar, e acabam falecendo na metade
da gestação4. Já a síndrome de Escobar é a
forma atenuada da síndrome do pterígio múltiplo. Nesses pacientes, contraturas
articulares geralmente afetam o pescoço, dedos, braços, cintura dorso e joelhos3. A síndrome dos pterígios múltiplos foi
descrita pela primeira vez por Matolcsy na década de 80 e, após, seu espectro
fenotípico foi discutido em vários relatos3
mas essa síndrome foi descrita mais precisamente em 1978 por Escobar, e então sua
forma não letal passou a ser conhecida como síndrome de Escobar. Sua prevalência é
desconhecida, mas sabe-se que é muito rara. A síndrome de escobar é uma entidade
muito rara, em meados dos anos 80 haviam sido descritos menos de 25 casos e em 2010
haviam sido descritos cerca de 100 casos a nível mundial5. A síndrome de Escobar é usualmente diagnosticada intraútero
no ultrassom fetal e após confirmada no período neonatal4. A transmissão genética dessa síndrome é geralmente
autossômica recessiva, embora herança autossômica dominante ligada ao X também já
tenha sido descrita1.
OBJETIVO
Revisão da literatura a respeito dessa síndrome rara e descrição de um caso clínico
em acompanhamento no Hospital Santo Antônio da Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre.
MÉTODO
A revisão bibliográfica foi realizada na base de dados PubMed, Scielo e Bireme. Foram
seguidas as normas de Atlanta para pesquisa com seres humanos e as normas do Comitê
de Ética da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Além disso,
foi aplicado um termo de consentimento, sendo a paciente e familiares cientes e de
acordo com o estudo.
RESULTADOS
Relato de caso
Paciente gerada por casal não consanguíneo, mãe com 35 anos na época, G2P2 e pai
com 36 anos. Fez pré-natal corretamente, nega comorbidades e exposição
teratogênica na gestação. Paciente nasceu de termo, pesando 2.550 g, no interior
do Rio Grande do Sul. Ao nascer, diagnosticadas bridas cervicais axilares e
cubitais, além de deformidades ortopédicas, sendo então encaminhada
imediatamente ao Hospital Nossa Senhora da Conceição de Porto Alegre para
investigação. Realizou cariótipo XX, sem alterações e diversos exames, sendo
avaliada pela genética desse hospital que diagnosticou síndrome de Escobar. A
paciente foi submetida a cirurgia torácica aos 4 meses e correção de pés e
retrações nas pernas ainda nos primeiros meses de vida. Em 2012 realizou a
primeira zetaplastia em axila D, apresentando melhora importante da mobilidade,
associada a tratamento com fisioterapia. Em 2017 foi submetida a correção da
escoliose com colocação de placas e 18 pinos na artrodese. Agora com 15 anos,
foi submetida a zetaplastias em axila e região cubital, a fim de permitir maior
amplitude de movimento e desse modo facilitar seu desenvolvimento
neuropsicomotor.
DISCUSSÃO
As características clínicas dessa síndrome incluem retardo do crescimento ou baixa
estatura, pterígio do pescoço, axila, antecubital, região poplítea e intercrural.
Múltiplas contraturas articulares (artrogriposes), sindactilia e campodactilia dos
dedos, escoliose e cifoescoliose, fusão de vértebras cervicais, deformidades dos
pés, anomalias genitais, defeitos cardíacos congênitos e redução da massa muscular
também já foram relatados1 (Figura 1). Defeitos cardíacos congênitos são
encontrados em aproximadamente 25% dos pacientes8, enquanto retardo mental não tem sido considerado parte dessa
desordem. Entretanto, 6,7% dos pacientes se apresentaram com essa complicação7. A intensa contração da pele e musculatura
causada pela inserção de pterígios do pescoço na base da mandíbula alteram o padrão
de crescimento facial na síndrome de Escobar e podem levar a alterações
craniofaciais severas, as quais limitam a abertura e mobilidade bucal. Como esses
pacientes necessitam de múltiplas cirurgias para reparo das deformidades
diagnosticadas, por exemplo fenda palatina, bridas e deformidades ortopédicas, uma
via aérea difícil deve ser investigada e prevista1 (Figura 3). Durante a avalição
pré-operatória, fatores que dificultam a via aérea como micrognatia, anquiloglossia,
restrição da abertura bucal, bridas cervicais e fenda palatina devem ser avaliadas
para decidir por um ótimo plano de manejo da via aérea. O manejo da via aérea desses
pacientes torna-se mais difícil à medida que a criança fica mais velha devido ao
aumento da deformidade da via aérea causada pelo pterígio e contraturas. Embora o
manejo da via aérea na maioria das síndromes congênitas se torna mais fácil a medida
que a criança cresce, ocorre o contrário na síndrome dos múltiplos pterígios3.
Figura 1 - Pterígios múltiplos em membros e cervical. Baixa estatura.
Figura 1 - Pterígios múltiplos em membros e cervical. Baixa estatura.
Figura 2 - Deformidades da coluna – cifoescoliose e artrogripose.
Figura 2 - Deformidades da coluna – cifoescoliose e artrogripose.
Figura 3 - Pterígios em membros. Pós-operatório recente de zetaplastias.
Figura 3 - Pterígios em membros. Pós-operatório recente de zetaplastias.
Apesar de Escobar, em 1978, ter afirmado suspeitar do padrão de herança autossômico
dominante, a maioria dos relatos concordam que possivelmente se trata de um padrão
de herança autossômico recessivo ou então ligado ao X. Além disso, na grande maioria
dos casos relatados, os pacientes apresentavam a mutação no gene CHRNG mas sem
alterações cromossômicas; os cariótipos desses pacientes eram normais. Entretanto,
um estudo descreve um caso de alteração cariotípica típica de Klinefelter, porém com
fenótipo característico de síndrome de Escobar8. A análise cromossômica revelou um cariótipo não mosaico XXY.
Interessante que o paciente não apresentava as principais características clínicas
de Klinefelter. As características tipicamente associadas em pacientes com
Klinefelter são alta estatura com proporções corporais eunucas, hipogenitálias,
déficits de aprendizagem e problemas de linguagem; enquanto uma baixa estatura é
frequentemente vista na síndrome do pterígio múltiplo, e apenas raramente vista em
pacientes com síndrome de Klinefelter8. A
mutação mais comum na síndrome do pterígio múltiplo neonatal está no gene CHRNG, que
está envolvido na formação da subunidade gama do receptor de acetilcolina. A forma
letal pode estar também associada com essa mutação genética. Esse receptor de
acetilcolina é essencial na sinalização entre as células musculares, que são
necessárias para o movimento. Essa mutação causa acinesia fetal, resultando na
formação de pterígio (bridas) e contraturas congênitas das articulações3. Mutação no gene CHRNG leva à redução do
movimento fetal em períodos sensíveis do desenvolvimento fetal geralmente por volta
de 33 semanas, quando esse gene é expresso. Mutação autossômica recessiva significa
que ambos, mãe e pai, carregam um dos genes mudados para síndrome do pterígio
múltiplo. Para gestações futuras, o feto tem 25% de chance de ser afetado, 50%
chance de ser carreador do gene mutado e 25% de chance de ser normal4.
No diagnóstico diferencial deve-se tomar cuidado para distinguir a síndorme do
pterígio múltiplo da hipoplasia femoral, síndromes faciais raras, síndrome de
Noonan, síndrome de Turner, síndrome de Leopard, displasia craniotarsocarpal e
sequência de acinesia fetal8. O manejo dessas
crianças é multidisciplinar e diretamente relacionado às deformidades
encontradas4. Mais comumente essas
crianças necessitam de pediatras, geneticistas e ortopedistas na abordagem das
deformidades articulares comumente presentes como pé torto congênito, escoliose e
artrogripose, eventualmente cirurgia torácica se presente pectus
excavatum; porém, comumente serão referenciadas ao cirurgião plástico
para abordagem das alterações cutâneas ou craniofaciais que são comumente
identificadas (Figura 2). O cirurgião plástico
destaca-se na abordagem desses pacientes no tratamento de fendas palatinas, se
presentes, e na abordagem das bridas articulares, por meio de zetaplastias, retalhos
de pele e expansores cutâneos, possibilitando alongamento da pele nessas regiões de
modo a permitir uma maior amplitude de movimento, a fim de possibilitar um maior
desenvolvimento motor e habilidades nesses pacientes (Figura 4). Associado ao tratamento cirúrgico, essas crianças precisarão
de fisioterapia intensa e terapia ocupacional para o manejo do maior desenvolvimento
motor4.
Figura 4 - Alterações faciais – pregas cervicais, implantação baixa das
orelhas.
Figura 4 - Alterações faciais – pregas cervicais, implantação baixa das
orelhas.
O aumento da preocupação com a síndrome do pterígio múltiplo pode levar ao
diagnóstico precoce, que permite um tratamento mais efetivo e aconselhamento
genético desses pacientes. Apesar da síndrome do pterígio múltiplo ser muito rara,
é
importante realizar uma análise cariotípica a fim de excluir anormalidades
cromossômicas8 e pesquisa da mutação do
gene CHRNG. Na abordagem cirúrgica desse paciente, a equipe cirúrgica assistente e
a
equipe de anestesia deverão estar preparada para prever e manejar via aérea difícil
comumente encontrada nesses pacientes.
CONCLUSÃO
Apesar da síndrome de Escobar ser rara e ainda pouco estudada na literatura, o
cirurgião plástico destaca-se no manejo cirúrgico desses pacientes, podendo, por
meio de seu arsenal terapêutico, propiciar um maior desenvolvimento físico e motor
desses pacientes. Além disso, pode auxiliar no diagnóstico das deformidades e
correto encaminhamento desses pacientes aos profissionais adequados, para que essas
crianças tenham todo suporte e possam tornar-se independentes e desenvolvidas.
REFERÊNCIAS
1. Marques FBC, de Morais LS, et al. Cleft Palate Craniofac J; 2019 jan
17.
2. Hasegawa A, Hanaoka M, et al. J Med Ultrason. 2017 jul;
44(3):271-3.
3. Sethi P, Bhatia PK, et al. Saudi J Anaesth. 2016 jul-set;
10(3):350-2. PMID: 27375397
4. Bissinger RL, Koch FR. Adv Neonat Care. 14(1):24-9.
5. Camarena CA, Vernis AM, et al. Rev Mex Ortop Ped. 2010;
12(1):59-62.
7. Escobar V, Weaver D. J Med Genet. 1978; 15:35-42.
8. Nur BG, Altiok-Clark O, et al. Turk J Pediatr. 2013;
55:559-63.
1. Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre,
Porto Alegre, RS, Brasil.
Endereço Autor: Caroline Battisti Rua Professor
Annes Dias,135 - Centro Histórico,Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90040-001 E-mail:
caroline.battisti@hotmail.com