INTRODUÇÃO
Os olhos e a região periorbitária têm papel fundamental na harmonia da face. Por esse
motivo, as alterações nessa região podem levar a modificações notáveis,
principalmente quando alteram o formato ou a posição relativa dos olhos1. O ectrópio é o mal posicionamento da pálpebra
mais frequente, caracterizado pela eversão da margem ciliar e exposição da
conjuntiva e da córnea. É classificado como congênito (primário e secundário) e
adquirido (involucional, paralítico, mecânico e cicatricial)2. O ectrópio congênito é raro e geralmente está associada a
outras malformações, como euribléfaro, ptose, epicanto inverso e blefarofimose. O
ectrópio involutivo é a forma mais frequente de aquisição de eversão palpebral,
causado pela frouxidão palpebral horizontal dos tendões do canto medial e/ou
lateral, resultado de múltiplos fatores. O ectrópio cicatricial é causado pelo
encurtamento da lamela anterior e/ou média da pálpebra, secundária a trauma,
queimaduras, condições da pele, pele cicatricial por tumores, medicamentos,
alergias, complicações da blefaroplastia e alterações involucionais que resultam na
perda de elasticidade da pele. O ectrópio mecânico é causado por tumores palpebrais
ou distúrbios inflamatórios que causam espasmo orbicular. O ectrópio paralítico pode
ser causado por paralisia ou paralisia do NC VII, resultando em perda do tônus do
músculo orbicular. Por último, o ectrópio mecânico pode ser causado por gravidade,
efeito de massa de um tumor, acúmulo de fluido, gordura orbital herniada ou óculos
mal ajustados3. A reconstrução dos defeitos da
pálpebra inferior, sejam eles de origem congênita, neoplásica ou traumática, pode
ser realizada por meio de uma variedade de técnicas já padronizadas, que
possibilitam resultados seguros e confiáveis. Muitos autores descreveram as
características únicas da anatomia palpebral, bem como suas abordagens para a
reconstrução periorbital4. A técnica do
tarsal strip descrita em 1979 por Anderson5, vem sendo amplamente utilizada6,7, proporcionando
facilidade técnica e versatilidade para a correção dos diferentes tipos de
ectrópio.
OBJETIVO
Relatar três casos de ectrópio de diferentes causas (involucional, cicatricial e
paralítico), corrigidos com a técnica de tarsal strip.
MÉTODO
Paciente feminina de 68 anos, hipertensa, diabética, com antecedente cirúrgico de
blefaroplastia inferior 4 anos atrás, com adequada evolução. Nos últimos 3 meses
apresenta sensação de olho seco, coceira, ardência, epífora e hiperemia da
conjuntiva, de predomínio esquerdo. No exame físico apresenta flacidez horizontal
da
pálpebra, flacidez do tendão cantal medial e flacidez do tendão cantal lateral
decorrentes do processo natural de envelhecimento concomitante a cirurgia prévia,
com posterior ectrópio involutivo (Figura 1).
Figura 1 - Paciente com ectrópio involutivo.
Figura 1 - Paciente com ectrópio involutivo.
Paciente feminina de 87 anos de idade, pós-operatório de ressecção oncológica de
carcinoma escamocelular em região malar direita com reconstrução facial utilizando
o
retalho de Mustardé8. Após 2 meses apresenta
sensação de corpo estranho, epífora, contração dos tecidos subjacentes da pálpebra
inferior que leva a retração cicatricial e posterior eversão da conjuntiva (Figura 3).
Figura 2 - Pós-operatório de tarsal strip em ectrópio involutivo: 3 meses/6
meses.
Figura 2 - Pós-operatório de tarsal strip em ectrópio involutivo: 3 meses/6
meses.
Figura 3 - Paciente com ectrópio paralítico.
Figura 3 - Paciente com ectrópio paralítico.
Paciente masculino de 70 anos, com paralisia hemifacial esquerda, recorrente de AVC
há 4 anos. Queixa-se de epífora, ceratite, vermelhão e olho seco ipsilateral.
Apresenta ectrópio paralítico por diminuição do tônus das estruturas musculares da
pálpebra inferior devido a paralisia do nervo facial (Figura 5).
Figura 4 - Pós-operatório de tarsal strip + castanhares em paciente com ectrópio
paralítico: 3 meses/6 meses.
Figura 4 - Pós-operatório de tarsal strip + castanhares em paciente com ectrópio
paralítico: 3 meses/6 meses.
Figura 5 - Paciente com pré e pós-operatório imediato de retalho de Mustardé por
CEC na região malar.
Figura 5 - Paciente com pré e pós-operatório imediato de retalho de Mustardé por
CEC na região malar.
RESULTADOS
Técnica cirúrgica
Nos três casos foi realizada a técnica do tarsal strip que
incluiu os seguintes passos básicos: cantotomia lateral de 1 cm; cantólise
lateral (tendão cantal lateral e incisado de modo a liberar completamente a
pálpebra da órbita); incisão da linha cinzenta da pálpebra de modo a separar a
lamela anterior da posterior (extensão da incisão depende da quantidade
necessária de encurtamento da pálpebra). Realizada incisão na conjuntiva
inferior para o tarso, deixando uma faixa (strip) que irá
formar o novo tendão. A conjuntiva que cobre a face posterior da tira do tarso
deve ser removida arranhando com uma lâmina de aço. A tira é mantida em posição
e a quantidade necessária de tarso é removida. O novo tendão é suturado ao
periósteo da face interna do bordo orbitário lateral, usando um fio não
absorvível 5-0, e realizada sutura em “U”. A comissura lateral é reconstituída.
A pele em excesso é ressecada e a incisão é fechada com um náilon 6-0 em sutura.
No local cirúrgico recomenda-se colocar um bloco de gelo para minimizar o edema
pós-operatório, e uma pomada antibiótica oftálmica é aplicada duas vezes ao dia
na incisão cirúrgica por 1 semana. Suturas são removidas no 7º dia de
pós-operatório.
Pacientes com adequada evolução pós-operatória aos 3 meses e 6 meses, com
resolução dos sintomas do ectrópio e melhora do aspecto estético e funcional da
pálpebra são apresentados nas Figuras 2,
4 e 6.
Figura 6 - Ectrópio cicatricial/pós-operatório de 3 meses de tarsal
strip.
Figura 6 - Ectrópio cicatricial/pós-operatório de 3 meses de tarsal
strip.
DISCUSSÃO
A anatomia normal do canto lateral consiste de uma intricada relação de muitas
estruturas dinâmicas. O ramo profundo do ligamento palpebral lateral une a parte
muscular das pálpebras à face interna da parede orbitária lateral. O ligamento
palpebral lateral é conectado aos ligamentos de restrição do músculo reto lateral,
resultando em alterações em sua posição de acordo com a movimentação lateral do
olho. O septo orbital, corno lateral da aponeurose do elevador e o ligamento
suspensor também se inserem na margem orbitária lateral. O resultado é a confluência
das margens palpebrais superior e inferior no ângulo lateral, um e meio a dois
milímetros acima do ângulo medial. Esse complexo tem íntima relação com o globo
ocular, promovendo proteção da superfície ocular e suportando o conteúdo orbitário.
Dentro desse quadro anatômico, podem ser avaliadas as forças e fraquezas dos
procedimentos cirúrgicos no canto lateral9,17,20.
A complexa anatomia lamelar e de pouca sustentação, associada a pouca espessura das
camadas anatômicas envolvidas, faz da pálpebra inferior local oportuno para o
surgimento de alterações1. Em conjunto, essas
alterações são conhecidas como alterações do posicionamento ou retrações da pálpebra
inferior. A etiopatogenia dessas retrações é multifatorial. O termo ectrópio se
refere a alterações palpebrais que determinam o afastamento da margem palpebral de
sua posição anatômica em contato com a conjuntiva bulbar; tornando-se evertida. A
sintomatologia consiste de epífora (lacrimejamento constante), olho vermelho,
ceratite, sensação de corpo estranho. Diferentes tipos de ectrópio são descritos na
literatura.9
O ectrópio involucional é determinado pela flacidez horizontal da pálpebra, flacidez
do tendão cantal medial, flacidez do tendão cantal lateral, ou associações entre
estes, decorrentes do processo natural de envelhecimento; promove epífora, olho seco
e em casos mais severos queratinização da conjuntiva tarsal. O tratamento é sempre
cirúrgico, variando a técnica de acordo com a porção palpebral mais acometida. O
envelhecimento resulta de inúmeros danos metabólicos e ambientais que acontecem ao
longo de anos, causando vários distúrbios nos olhos da população idosa10 podendo o ectrópio estar presente, em
associação com outras afecções.
Entretanto, a idade não é fator isolado para o desenvolvimento do ectrópio, já que
ele não ocorre em toda a população de idosos. Outras alterações são necessárias para
produzir a eversão palpebral, alguns relacionados com fatores do próprio indivíduo
e
outros relacionados com o meio ambiente. Assim, outros importantes fatores para o
desenvolvimento dessa afecção seriam: exposição à radiação solar, doenças
palpebrais, cirurgias prévias, doenças neuromusculares e cerebrovasculares11.
Existem diversos estudos mostrando qual a técnica de melhor escolha para sua
correção12. O objetivo do tratamento
cirúrgico do ectrópio involutivo está em restabelecer o equilíbrio entre as forças
verticais e horizontais que atuam na parte inferior das pálpebras. O ectrópio
involutivo sem frouxidão do canto medial é tratado com encurtamento da pálpebra. A
técnica mais utilizada é o procedimento da tira do tarso tarsal
strip13.
O ectrópio cicatricial ocorre devido a cicatrização ou contração dos tecidos
subjacentes à pálpebra devido a lesões incisas, processos inflamatórios ou
queimaduras. Os pacientes que apresentam retração têm em comum a ausência de suporte
palpebral, ocasionando uma assimetria nas forças que controlam a sua posição.
Puxando no sentido inferior está a retração da lamela média e posterior. Diversos
autores têm debatido sobre a origem dessa retração. A teoria hoje mais aceita indica
que um processo inflamatório cicatricial é iniciado após violação do septo orbital
e
da gordura retrosseptal, causando brose do próprio septo e dos retratores (fáscia
capsulopalpebral)1.
Diversos procedimentos para suporte cantal têm sido descritos ao longo dos anos, cada
um com sua peculiaridade. No entanto, sempre pareceu ao autor que esse tipo de
procedimento apresenta níveis de recorrência inaceitáveis nas retrações já
instaladas. Por esse motivo, a moderna abordagem da frouxidão tarsoligamentar
incorporou definitivamente a cantotomia de ângulo lateral com retalho de tarso,
retalho dérmico ou ressecção lateral em cunha, como mostram diversos autores14,15.
O ectrópio paralítico consiste na formação de ectrópio palpebral por diminuição do
tônus das estruturas musculares da pálpebra inferior devido a paralisia do nervo
facial. Quando a lesão do nervo facial for definitiva, objetiva-se a redução da
fenda palpebral a fim de se conseguir uma melhor relação pálpebra-conjuntiva. O
ectrópio representa importante causa de olho seco, ceratites, úlceras de córnea. O
diagnóstico preciso aliado à técnica cirúrgica pertinente a cada caso proporciona
excelentes resultados tanto do ponto de vista médico e anatômico quanto do ponto de
vista estético, conferindo ao paciente lubrificação corneana adequada e
conforto16. O objetivo é retornar a
margem palpebral e o ponto valvar às suas posições anatômicas adequadas. Esse
tratamento protege o olho de lesões e reduz os sintomas de exposição/olho seco no
paciente. O tratamento cirúrgico é o único tratamento definitivo13.
Em 1979, foi descrito o retalho tarsal lateral na literatura oftalmológica5. A técnica envolve uma cantotomia lateral,
secção da porção lateral da pálpebra inferior em duas camadas: tarsoconjuntival e
miocutânea, remoção da conjuntiva e sutura da fita tarsal resultante ao periósteo
da
face interna da margem orbitária lateral, para encurtar e elevar a pálpebra
inferior17. A maior vantagem do retalho
tarsal lateral é que ele segue princípios biológicos, por colocar a palpebral
inferior na sua posição anatômica normal. Isso permite um maior potencial para que
a
pálpebra cicatrize completamente com máxima função. O procedimento demanda um
conhecimento preciso da anatomia, visto que requer reconstrução precisa do ângulo
cantal lateral e reposicionamento da linha cinzenta18-20. Outra vantagem
é a atuação direta sobre o defeito anatômico, assim como a ausência de degrau na
margem palpebral, preservando a placa tarsal21. Esse procedimento pode ser utilizado para correção do ectrópio de
graus leve a grave22, coincidindo com a
indicação para a escolha do procedimento no nosso estudo. O procedimento do retalho
tarsal lateral pode causar estreitamento da abertura palpebral nos casos de ectrópio
avançado23. Glat (1997) relatou
arredondamento do canto lateral, o que não foi encontrado por Shorr e cols. (2003),
quando há adequada reconstrução do canto lateral, sem tensão por encurtamento da
pele.
CONCLUSÃO
Concluímos que o tarsal strip é um procedimento
eficaz, que encurta a pálpebra inferior, resultando em cicatriz discreta e de
execução relativamente fácil. Nesse trabalho, essa foi a indicação do procedimento,
obtendo bom resultado estético e funcional com melhora dos sinais e sintomas e
ausência de recidiva. A escolha da técnica deve levar em conta a extensão da
eversão, condições locais e gerais do paciente e a familiaridade do cirurgião com
a
técnica24.
REFERÊNCIAS
1. Basile FVD. Correção das retrações palpebrais secundárias à
blefaroplastia. Rev Bras Cir Plást. 2011; 26(2):228-42.
2. Semin Ophthalmol. 2010 mai; 25(3):59-65.
doi:10.3109/08820538.2010.488570.
3. Bergstrom R, Czyz CN. Ectropion, Lower Eyelid Reconstruction.
Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2018 out 27.
4. Andrade AA, Freitas RS. Corrigindo erros históricos na reconstrução
de pálpebra inferior. Rev Bras Cir Plást. 2017; 32(4):594-8.
5. Anderson RL, Gordy DD. The tarsal strip procedure. Arch Ophthalmol.
1979; 97:2192-6. DOI: https://doi.org/10.1001/archopht.1979.01020020510021
6. Lessa S, Sebastiá R, Pitanguy I. Retalho tarsal. Rev Bras Cir. 1989;
79(3):175-9.
7. Sbrissa RA, Sbrissa Júnior RA. Ectrópio senil - correção pela
técnica da fita tarsal. Rev Bras Oftalmol. 1993; 52(3):41-3.
8. Mustardé JC. Repair and Reconstruction in the Orbital Region.
Edinburgh: Churchill Livingstone; 1980.
9. Moore KL, Dalley AF. Anatomia orientada para a clínica. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2001.
10. Romani FA. Prevalência de transtornos oculares na população de
idosos residentes na cidade de Veranópolis - RS, Brasil. Arq Bras Oftalmol.
2005; 68(5):649-55. DOI: https://doi.org/10.1590/S0004-27492005000500015
11. Mitchell P, Hinchcliffe P, Wang JJ, Rochtchina E, Foran S.
Prevalence and associations with ectropion in an older population: the Blue
Mountains Eye Study. Clin Experiment Ophthalmol. 2001; 29(3):108-10. DOI:
https://doi.org/10.1046/j.1442-9071.2001.00412.x
12. Ophthalmologe. 2010 Oct;107(10):898-902, 904.
13. Bedran EGM, Pereira MVC, Bernardes TF. Ectropion. Semin Ophthalmol.
2010; 25(3):59-65. doi:10.3109/08820538.2010.488570. DOI: https://doi.org/10.3109/08820538.2010.488570
14. McCord CD Jr, Ellis DS. The correction of lower lid malposition
following lower lid blepharoplasty. Plast Reconstr Surg. 1993; 92(6):1068-72.
DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-199311000-00011
15. Patel BC, Patipa M, Anderson RL, McLeish W. Management of post
blepharoplasty lower eyelid retraction with hard palate grafts and lateral
tarsal strip. Plast Reconstr Surg. 1997; 99(5):1251-60.
16. Kanski, Jack J. Oftalmologia Clínica. 5 ed. Rio de Janeiro:
Elsevier; 2004.
17. Becker FF. Lateral tarsal strip procedure for the correction of
paralytic ectropion. Laryngoscope. 1982; 92(4):382-4. PMID: 7070179 DOI:
https://doi.org/10.1288/00005537-198204000-00005
18. Araujo MR. Contribuição ao estudo da anatomia cirúrgica das
pálpebras nas deformidades congênitas e adquiridas. Trabalho apresentado ao
exame de membro titular da SBCP. Rio de Janeiro; 1997.
19. Hester Jr TR, Codner MA, McCord C. The inferior retinacular lateral
canthoplasty: a new technique. Plast Reconstr Surg. 1997;
100(5):1271-5.
20. Shorr N, Goldberg RA, Eshaghian B, Cook T. Lateral canthoplasty.
Ophthal Plast Reconstr Surg. 2003; 19(5):345-52. DOI: https://doi.org/10.1097/01.IOP.0000087069.83107.A4
21. Becker FF. Lateral tarsal strip procedure for the correction of
paralytic ectropion. Laryngoscope. 1982; 92(4):382-4. PMID: 7070179 DOI:
https://doi.org/10.1288/00005537-198204000-00005
22. Jordan DR, Anderson RL. The tarsal strip revisited: the enhanced
tarsal strip. Arch Ophthalmol. 1989; 107:604. DOI: https://doi.org/10.1001/archopht.1989.01070010618042
23. Codner MA. Algorithm for canthoplasty: the lateral retinacular
suspension: a simplified suture canthopexy. Plast Reconstr Surg. 1999;
103(7):2054-6. DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-199906000-00040
24. Pitanguy I, Sbrissa RA. Atlas de cirurgia palpebral. Rio de Janeiro:
Colina; 1994.
1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Santa Catarina, SC, Brasil.
Endereço Autor: Natalia Biancha Rendon Campus
Universitário, Rua Professora Maria Flora Pausewang, s/nº - Trindade,
Florianópolis, SC, Brasil CEP 88036-800 E-mail:
natabiancha@gmail.com