INTRODUÇÃO
O politraumatizado é um paciente complexo, exigindo a avaliação multidisciplinar.
Em
traumas mais complexos, pode ocorrer a perda de substância e de extensas áreas de
cobertura de pele. Essas lesões, muitas vezes, são de difícil manejo; necessitando
de uma cobertura provisória ou preparo cuidadoso para cobertura definitiva3.
Baseado no conhecimento adquirido no manejo do paciente com médio e grande queimado,
sabemos que muitas vezes o leito receptor das lesões não se encontra viável para
receber enxertia livre de pele, tanto pela situação desfavorável do próprio leito
receptor ou mesmo por infecção do sítio1. Além
disso, também sabemos que o uso combinado de aloenxerto e autoenxerto nos pacientes
com grandes queimados reduz de forma significativa o tempo de reepitelização das
áreas de lesão4.
Para pacientes com poucas áreas doadoras, torna-se mais crítico acertar o momento
propício para enxertia das lesões; sendo importante fazer em tempo para permitir o
fechamento dessas extensas lesões, porém evitando a perda do enxerto.
Assim sendo, da mesma forma como realizamos de rotina em grandes queimados
selecionados; podemos lançar mão do aloenxerto nos pacientes politraumatizados com
necessidade de cobertura de extensas áreas ou com pouca área doadora, para guiar o
momento propício do enxerto2, mesmo em áreas
extensas com exposição de musculatura3.
OBJETIVO
Relatar um caso de enxerto de autoenxerto de pele de espessura parcial (EPEP) sobre
extensa lesão em paciente politraumatizado, após utilização de aloenxerto para
avaliação e preparo do leito receptor.
MÉTODO
Nosso serviço é referência no antedimento aos queimados do estado do Paraná. Nele,
contando com um dos quatro bancos de peles em atividade atualmente no Brasil. Também
estamos inseridos no atendimento ao trauma e politraumatizados de Curitiba e região;
atendendo, assim, todo o tipo de agravos a saúde.
AGO, masculino, 36 anos, vítima de colisão de moto com caminhão, foi admitido no
serviço com fratura complexa do anel pélvico e lesão extensa em região de raiz de
coxa, quadril e nádega direitos. Internado pela equipe da ortopedia, paciente
necessitou de várias cirurgias para tratamento da fratura de quadril, inciando com
fixação externa até redução definitiva; além de outras abordagens pela ortopedia
para o tratamento de artrite séptica de quadril e joelho direitos. Foi solicitada
avaliação da equipe de cirurgia plástica devido à falta de cobertura e sem
possibilidade de fechamento da lesão pela equipe da ortopedia.
Após a avaliação inicial da extensão e profundidade da lesão (Figura 1), com perda de pele e subcutâneo, expondo planos
musculares; optou-se por iniciar o tratamento da lesão diminuindo a área exposta e
o
espaço morto entre o subcutâneo e a fáscia muscular. Para isso, foram realizados
pontos captonados ao redor dos bordos da lesão, com intuito de manter o subcutâneo
descolado em contato íntimo com plano muscular, diminuindo a lesão. Em seguida, foi
utilizado o aloenxerto, proveniente do banco de pele, para garantir uma cobertura
da
extensa área sem cobertura, além de servir para avaliar a viabilidade do leito
receptor1, ou seja, avaliar se já se
encontrava apto para receber enxerto (Figura 2).
Figura 1 - Aspecto da lesão no momento da primeira avaliação pela cirurgia
plástica.
Figura 1 - Aspecto da lesão no momento da primeira avaliação pela cirurgia
plástica.
Figura 2 - Primeira aloenxertia.
Figura 2 - Primeira aloenxertia.
Em sequência, após 17 dias, foi necessário novo retoque de aloenxerto em pequenas
regiões cruentas. No 27º dia pós-operatório, foi observada boa pega do aloenxerto,
significando uma provável evolução favorável para a autoenxertia2. Foi, então, retirado o aloenxerto prévio e
aposicionado o EPEP da coxa contralateral sobre a área de exposição muscular da
ferida3 – autoenxerto marcado com azul de
metileno na Figura 3.
Figura 3 - Áreas com azul de metileno – autoenxerto. Áreas sem azul de metileno
– nova aloenxertia.
Figura 3 - Áreas com azul de metileno – autoenxerto. Áreas sem azul de metileno
– nova aloenxertia.
Devido à falta de autoenxerto para cobrir toda a extensão da lesão, foi realizada
nova aloenxertia no 39º dia pós-operatório, em alguns pontos da ferida – dessa vez
de outro doador; isso por que o enxerto prévio já causou a sensibilização do sistema
autoimune do paciente, podendo apresentar um índice maior de rejeição e,
consequente, não integração do aloenxerto por esse motivo. Figura 3 – enxertos não pintados com azul de metileno.
Após a integração do autoenxerto (marcado em azul na Figura 3), a ferida diminuiu a sua área de lesão exposta. Então, após
58º pós-operatório, retirou-se as últimas áreas de aloenxerto. Foi observada uma
área limpa, sem sinal de infecção e com tecido de granulação; mostrando-se um leito
muito favorável à autoenxertia (Figura 4).
Figura 4 - Leito receptor granulado e com bom aspecto – após a retirada do
aloenxerto.
Figura 4 - Leito receptor granulado e com bom aspecto – após a retirada do
aloenxerto.
Após integração do segundo autoenxerto, o paciente recebeu alta pela cirurgia
plástica para acompanhamento ambulatorial, 83 dias da primeira enxertia, seguindo
internado pela ortopedia (Figura 5).
Figura 5 - Integração do autoenxerto em toda a ferida.
Figura 5 - Integração do autoenxerto em toda a ferida.
Hoje em dia, a lesão encontra-se cicatrizada (Figura 6). O próximo plano cirúrgico será o avanço do retalho, com ou sem
auxílio de expansor, da pele e subcutâneo do abdome em direção à raiz da coxa e
glúteo, visando melhorar a qualidade da cobertura da região, diminuir a área de
cicatriz e garantir melhor qualidade estética.
Figura 6 - Pós-operatório tardio.
Figura 6 - Pós-operatório tardio.
RESULTADOS
O paciente AGO apresentou um tempo de internamento hospitalar de aproximadamente 3
meses, entre procedimentos ortopédicos e pela cirurgia plástica. Utilizou um total
de aproximadamente 1.155 cm² de pele de banco, com um total de três doadores. Passou
por três procedimentos de aloenxerto e dois de autoenxerto. Relatou diminuição da
dor com o início do enxerto da lesão. Apresentou um adequado controle de infecção
da
ferida.
DISCUSSÃO
Já estabelecido no grande queimado, o uso de aloenxerto para avaliar o leito receptor
é uma ferramenta útil quando dispomos de uma área doadora pequena ou temos uma
grande área de lesão a ser enxertada1.
Muitas vezes no politraumatizado, nos deparamos com o desafio de cobrir, o mais
rápido possível, grandes extensões; preconizando a reabilitação precoce do paciente
e evitar a infecção pela quebra de barreira, todavia sem perder o autoenxerto
utilizado2. Além disso, ainda destacamos a
diminuição da dor, favorecendo a colaboração do paciente com o tratamento proposto;
acelerando, assim, o tempo de internamento e por consequência o custo do
internamento.
Dessa forma, quando a viabilidade do leito receptor ainda é incerta, nosso serviço
estuda a aplicabilidade do aloenxerto, disponível nos bancos de pele (e distribuído
para todo Brasil, conforme a demanda), para poder avaliar a viabilidade do leito
receptor, guiando assim o momento propício para o autoenxerto; diminuindo as taxas
de perda do mesmo2. Esse uso combinado de
aloenxerto e autoenxerto já é descrito na literatura por diminuir o tempo de
internamento hospitalar e ajudar na evolução de lesões complexas4.
CONCLUSÃO
Além das várias aplicabilidades do enxerto de pele parcial de outro doador
(aloenxerto), ainda podemos elencar a avaliação do leito receptor de uma ferida para
a autoexertia de pele, seja ela espessura total ou parcial.
O uso de aloenxerto como avaliação do leito para a autoenxertia demonstra ser
promissor, mostrando seu valor em feridas provenientes tanto do trauma quanto em
queimaduras.
Além disso, o enxerto de pele de banco é uma alternativa disponível para todo o país,
barata e menos mórbida em relação a outras alternativas de tratamento para esse tipo
de lesões; ressaltando que seu uso possibilita o controle da dor, ao mesmo tempo que
diminui o tempo e o custo da internação.
Por meio do caso clínico, vimos que o aloenxerto apresenta seu valor também no
politraumatizado; sendo sua enxertia sobre o músculo, ou mesmo tendões, já descrita
em outros estudos na literatura3.
REFERÊNCIAS
1. Fletcher JL, Cancio LC, Sinha I, Leung KP, Renz EM, Chan RK.
Inability to determine tissue health is main indication of allograft use in
intermediate extent burns. Burns. 2015; 41(8):1862-7. DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2015.09.006
2. Allorto NL, Rogers AD, Rode H. "Getting under our skin": Introducing
banked allograft skin to burn surgery in South Africa. S Afr Med J. 2016;
106(9):865-6. DOI: https://doi.org/10.7196/SAMJ.2016.v106i9.10852
3. Wilson TC, Wilson JA, Crim B, Lowery NJ. The Use of Cryopreserved
Human Skin Allograft for the Treatment of Wounds With Exposed Muscle, Tendon,
and Bone. Wounds. 2016; 28(4):119-25. PMID: 27071139
4. Nuñez-Gutiérrez H, Castro-Muñozledo F, Kuri-Harcuch W. Combined Use
of Allograft and Autograft Epidermal Cultures in Therapy of Burns. Plast
Reconstr Surg. 1996 nov; 98(6):929-39.
5. Neligan PC, Gurtner GC. Cirurgia Plástica: princípios. 3 ed. Rio de
Janeiro: Elsevier. 2015; 1:326-8.
1. Hospital Universitário Evangélico
Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil.
Endereço Autor: Luiz Henrique Auerswald
Calomeno Al. Presidente Taunay, nº 820, apto 22 -
Bigorrilho,Curitiba, PR, Brasil CEP 80430-000; E-mail:
jonatasmaschietto@gmail.com