INTRODUÇÃO
A mielomeningocele é a forma mais grave dos disrafismos espinhais. É um defeito
congênito do tubo neural, que ocorre por falha na fusão da porção caudal do tubo
neural durante a neurulação primária. Esse segmento é recoberto por um saco ou
membrana, que contém no seu interior líquido cerebroespinhal1.
Essas anomalias congênitas podem envolver desde a pele da região dorsal até coluna
vertebral e raízes nervosas espinhais. Tais defeitos decorrem das camadas
embriológicas afetadas (ectoderma, mesoderma, neuroderma).
Os fatores de risco conhecidos são deficiência de ácido fólico durante as primeiras
semanas de gestação, diabetes pré-gestacional, uso de medicamentos
anticonvulsivantes, alterações genéticas no metabolismo do folato, entre outros1.
A localização mais frequente é na região lombossacral (75%). O dano neurológico é
variável, geralmente resultando em déficit motor e sensitivo em membros inferiores,
incontinência urinária e fecal2.
O diagnóstico pré-natal é feito por meio de exames de imagem (ultrassonografia);
alguns casos tendo indicação de intervenção precoce por via intrauterina.
Na maioria dos casos o defeito é pequeno, passível de fechamento por síntese
primária, sem tensão. Contudo, defeitos maiores que 5 cm necessitam de alternativas
cirúrgicas para cobertura, como retalhos cutâneos, fasciocutâneos, musculocutâneos,
enxertos de pele, entre outros. A cobertura do defeito deve ser realizada
precocemente, para reduzir a incidência de meningite e mortalidade1,2.
OBJETIVO
O objetivo desse trabalho é relatar um caso de retalho fasciocutâneo bipediculado
bilateral para cobertura de mielomeningocele de grandes dimensões realizado em
novembro de 2018 no serviço de cirurgia plástica do Hospital Universitário
Evangélico Mackenzie de Curitiba, assim como mostrar sua facilidade técnica e
eficácia.
MÉTODO
Por meio de revisão de prontuário foram obtidos os dados referentes ao caso.
RESULTADOS
BROM, RN feminino, nascida de termo (38 semanas) via cesariana eletiva, pesando 3.235
gramas, com hidrocefalia e mielomeningocele toracolombar rota, de 8 × 4 cm (Figura 1). Nasceu em mau estado geral, em apneia,
cianótica, hipotônica, sendo realizada reanimação na sala de parto com necessidade
de intubação orotraqueal. Após intubação, apresentou melhora do tônus e da cianose.
Foram realizados curativo estéril na região toracolombar e transferência para
unidade de terapia intensiva neonatal.
Figura 1 - Mielomeningocele rota com defeito de 8 × 4 cm em região
toracolombar.
Figura 1 - Mielomeningocele rota com defeito de 8 × 4 cm em região
toracolombar.
Foi optado por fechamento do defeito de emergência devido à rotura do saco e risco
de
evolução com meningite. O auxílio da equipe da cirurgia plástica foi solicitado para
fechamento do defeito cutâneo. A cirurgia foi realizada com a paciente com 8 horas
de vida.
Foi realizado amplo descolamento das bordas laterais dos retalhos para isolamento
do
saco e fechamento da mielomeningocele pela neurocirurgia. Devido ao descolamento das
bordas e ao defeito de grandes dimensões, o retalho de escolha foi o fasciocutâneo
bilateral. Foram feitas incisões de aproximadamente 4 cm em linha axilar posterior
bilateralmente, e dissecção até identificação do plano fasciocutâneo. Também foram
realizadas dissecção dos retalhos até linha média e aproximação e fechamento dos
tecidos por planos sem tensão. Após isso, foi realizada a derivação
ventriculoperitoneal devido à hidrocefalia importante. O sangramento intraoperatório
foi mínimo e não houve intercorrências perioperatórias.
No seguimento pós-operatório não ocorreram infecção, necrose, deiscência ou fístula
liquórica (Figuras 2, 3 e 4). A paciente
apresentou boa evolução, recebendo alta hospitalar com 23 dias de vida, em bom
estado geral, com ferida operatória cicatrizada e incisões de relaxamento em bom
aspecto, já em fase de cicatrização.
Figura 2 - Resultado pós-operatório imediato.
Figura 2 - Resultado pós-operatório imediato.
Figura 3 - Aspecto da ferida após 24 horas da correção, mostrando viabilidade do
retalho.
Figura 3 - Aspecto da ferida após 24 horas da correção, mostrando viabilidade do
retalho.
Figura 4 - Aspecto das incisões de relaxamento (esquerda) e da ferida operatória
no 10º dia pós-operatório (direita).
Figura 4 - Aspecto das incisões de relaxamento (esquerda) e da ferida operatória
no 10º dia pós-operatório (direita).
DISCUSSÃO
O reparo da mielomeningocele tem como objetivo a proteção dos elementos neurais
expostos e prevenção de infecção do sistema nervoso central. Para melhor prognóstico
neurológico, o fechamento do defeito deve ser realizado preferencialmente nas
primeiras 48 horas de vida2.
O tratamento desses pacientes deve ser realizado por equipe multidisciplinar,
incluindo neonatologista, neurocirurgião e cirurgião plástico, dada a complexidade
dos pacientes e possibilidade de outras anomalias associadas.
Na grande maioria dos casos é realizado o fechamento com sutura primária sem tensão.
No entanto, conforme estimativa de Patterson e Till, em aproximadamente 25% dos
casos os defeitos apresentam maiores dimensões e necessitam de algum método
complementar para fechamento3.
Dentre as técnicas mais comumente empregadas para grandes defeitos encontram-se:
retalhos cutâneos; retalhos fasciocutâneos; retalhos musculocutâneos; retalhos
musculares; enxertos de pele. Há também relatos na literatura abordando o uso de
expansores teciduais3. Na escolha da técnica,
deve-se considerar a condição física do paciente, características do defeito e
experiência do cirurgião.
Os retalhos cutâneos comumente utilizados são romboide e zetaplastia. São retalhos
simples e versáteis, de vascularização de padrão aleatório. Porém, apresentam como
desvantagem risco maior de isquemia devido ao amplo descolamento e espessura fina
do
retalho. São usados preferencialmente em situações em que já houve descolamento
cutâneo dos retalhos durante a dissecção neurocirúrgica para fechamento da
dura-máter. Lapid e cols. defendem o uso de retalho cutâneo bilobado pelo fato de
que as linhas de sutura do retalho cutâneo não coincidem com as do reparo
neurocirúrgico3,4.
O retalho fasciocutâneo bipediculado bilateral pode ser indicado para fechamento de
defeitos amplos. Sua vascularização é segura, pois provém de ramos da artéria
circunflexa escapular, tributárias das intercostais posteriores, ramos das artérias
glútea superior e circunflexa superficial ilíaca. Sua principal desvantagem é a
necessidade de incisões laterais, que podem ser manejadas com enxerto de pele
parcial ou aguardar cicatrização por segunda intenção2,5,6.
Habal e cols., em 2000, publicaram trabalho mostrando o uso do
retalho fasciocutâneo bipediculado bilateral associado ao fechamento dos ventres
musculares sobre o reparo neurocirúrgico da dura-máter. O autor defende que o
fechamento por planos, incluindo tecido muscular, confere estabilidade adicional
para a coluna dorsal7.
Retalhos musculocutâneos, dos músculos grande dorsal e glúteo máximo, vêm ganhando
destaque nos últimos anos como opção de reparo da mielomeningocele. O mais
frequentemente utilizado é o retalho do músculo grande dorsal. Ambos possuem
vascularização axial, o que os torna retalhos confiáveis. São passíveis de cobertura
de grandes lesões, assim como apresentam bom coxim. Suas desvantagens são tempo
cirúrgico prolongado e maior risco de sangramento. Além disso, o retalho do músculo
grande dorsal pode levar a déficit funcional na estabilização da cintura escapular
em pacientes com paraplegia2,7.
Estudos de seguimento de longa data mostram que não é pequeno o número de pacientes
que atingem a idade adulta com boa qualidade de vida e independência. Hunt e
Poulton, em trabalho contendo 117 casos, mostraram que 33 pacientes apresentavam uma
vida independente8. Dados semelhantes,
publicados por Hunt e Oakenshott, em 2003, mostraram que 34 dos 117 pacientes
avaliados estavam vivendo sem necessidade de ajuda diária na idade adulta9.
CONCLUSÃO
O reparo da mielomeningocele continua sendo um desafio para os cirurgiões plásticos,
dada a variedade de tamanhos e formas dos defeitos. Na literatura há uma grande
diversidade de técnicas já descritas, cada uma com suas vantagens e desvantagens.
Cabe ao cirurgião plástico individualizar a indicação da técnica de cobertura e
fechamento de acordo com as características do defeito, condição clínica do paciente
e experiência do cirurgião. No caso relatado, a técnica escolhida foi o retalho
fasciocutâneo bipediculado bilateral devido às dimensões do defeito, presença de
descolamento das bordas do retalho durante a dissecção para reparo neurocirúrgico,
tempo operatório prolongado devido a derivação ventriculoperitoneal no mesmo tempo
cirúrgico.
REFERÊNCIAS
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World Neurosurg. 2014; 81(2):294-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.wneu.2013.02.042
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bipediculado para tratamento de mielomeningoceles. Rev Bras Cir Plast. 2010;
25(3):519-24. DOI: https://doi.org/10.1590/S1983-51752010000300020
3. Patterson TJS, Till K. The use of rotation flaps following excision
of lumbar myelomeningoceles. An aid to the closure of large defects. Br J Surg.
(59):606-8.
4. Lapid O, Rosenberg L, Cohen A. Meningomyelocele reconstruction with
bilobed flaps. Br J Plastic Surg. 2001; (540):570-2.
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7(2):77-81. DOI: https://doi.org/10.1053/otpr.2000.9653
6. Iacobucci JJ, Marks MW, Argenta LC. Anatomic studies and clinical
experience with fasciocutaneous flap closure of large myelomeningoceles. Plast
Reconstr Surg. 1996; 97(7):1400-8. DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-199606000-00012
7. Habal MB. Myelomeningocele Repair: A tension-free approach.
Operative Techniques in Plastic and Reconstructive Surgery. 2000; 7(2):60-7.
DOI: https://doi.org/10.1053/otpr.2000.9654
8. Hunt GM, Paulson A. Open spina bifida: a complete cohort reviewed 25
years after closure. Dev Med Child Neurol. 1995; 37:19-29.
9. Hunt GM, Oakeshott P. Outcome in people with spina bifida at age 35:
prospective community based cohort study. Br Med J. 2003; 326:1365-6. DOI:
https://doi.org/10.1136/bmj.326.7403.1365
1. Hospital Universitário Evangélico
Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil.;
Endereço Autor: Larissa Dalla Costa
Kusano Alameda Augusto Stellfeld, 1908 - Bigorrilho, Curitiba, PR,
Brasil CEP 80730-150; E-mail: laridck@hotmail.com