INTRODUÇÃO
A radioterapia é um componente vital no tratamento do câncer de mama, apresentando
benefícios em diminuir a recorrência local e melhorar sobrevida em longo prazo. No
entanto, os efeitos deletérios da radiação nos tecidos implicam em taxas maiores de
complicações de curto e longo prazo, ocasionando resultados estéticos negativos e
insatisfatórios para o paciente. O plano cirúrgico e as opções reconstrutivas para
o
paciente previamente submetido à radioterapia envolvem o uso de implantes mamários,
tecido autólogo ou ambos. Estudos recentes demonstraram que a reconstrução com uso
de implante é mais frequente que o uso de tecido autólogo nesse cenário, porém
apresenta maiores taxas de falhas reconstrutivas, apesar de existirem variações
significativas e resultados conflitantes na literatura1.
OBJETIVO
Avaliar a incidência de complicações de reconstruções mamárias tardias com implantes,
em pacientes com câncer de mama que foram submetidas previamente a radioterapia. Com
base nesses dados, analisar a exposição de radioterapia com a ocorrência de
complicações pós-operatórias.
MÉTODO
Revisão de casos de pacientes que realizaram reconstrução mamária tardia com uso de
implantes no ano de 2018. O prontuário e registro fotográfico desses pacientes foram
revisados e foi feita revisão bibliográfica em CAPES, Scielo e PubMed, dispondo-se
dos termos “radiotherapy”, “breast reconstruction” e “implants”. Para propósito de
análise, os pacientes foram dividos em dois grupos: o grupo que apresentou
complicações pós-operatórias e o grupo que não apresentou complicações, e partir
desses dados, a relação entre a exposição à radioterapia e a ocorrência de
complicações foi analisada. Foram excluídos pacientes que realizaram reconstrução
mamária imediata e reconstrução com uso de tecido autólogo somente. Os dados foram
análisados em tabela de contingência e sua associação testada por meio do teste
exato de Fisher.
RESULTADOS
Foram operados 22 pacientes para reconstrução mamária tardia utilizando implantes
no
ano de 2018. A idade média dos pacientes foi de 50 anos (37-66 anos) e IMC médio de
29 kg/m2 (24-32 kg/m2). Os procedimentos realizados foram:
simetrizações com implantes (11 pacientes), troca de expansor por implante (8
pacientes), colocação de expansor mamário (2 pacientes) e retalho de músculo grande
dorsal com expansor (1 paciente) (Tabelas 1 e
2). Quatorze pacientes realizaram
radioterapia pré-operatória, contra oito que não realizaram. No grupo dos pacientes
irradiados, o tempo médio entre o término da radioterapia e a cirurgia foi de 54
meses (8-192 meses). As complicações encontradas nesse grupo foram: retrações
cicatriciais (nove casos – 64%) , infecção de sítio cirúrgico (2 casos – 14%),
contratura capsular (3 casos – 21%), deiscência de sutura (2 casos – 14%) e perda
de
implante (2 casos – 14%) (Figuras 1,2 e 3).
Apenas uma complicação de retração cicatricial foi encontrada no grupo de mama não
irradiada (12%). No total de 22 pacientes, 12 (54%) apresentaram complicações
pós-operatórias. A partir desses dados, os pacientes foram divididos em dois grupos:
o grupo que apresentou complicações e o grupo sem complicações pós-operatórias. A
exposição à radioterapia foi utilizada para avaliar como risco para a ocorrência
desse desfecho. Após a análise, conclui-se que a radioterapia pré-operatória
apresentou um risco três vezes maior de complicações gerais neste estudo, com
probabilidade 35 vezes maior quando paciente exposto. Não houve risco
estatisticamente significante quando comparado com complicações específicas, como
infecção e perda de prótese.
Tabela 1 - Distribuição de cirurgias entre expostos e não expostos.
|
Radioterapia |
Sem radioterapia |
Cirurgias: |
|
|
Simetrização com prótese |
6 |
5 |
Cclocaçào de expansor |
2 |
- |
GD com expansor |
1 |
- |
Troca de expansor por prótese |
5 |
3 |
Total |
14 |
8 |
Tabela 1 - Distribuição de cirurgias entre expostos e não expostos.
Tabela 2 - Distribuição de desfechos em pacientes expostos e não expostos.
|
Sem Radioterapia
|
Com Radioterapia
|
Total |
Complicações totais |
1 |
11 |
12 |
Sem Complicações
|
7 |
3 |
10 |
Total |
8 |
14 |
22 |
Tabela 2 - Distribuição de desfechos em pacientes expostos e não expostos.
Figura 1 - Paciente com história de mastectomia à direita e terapia adjuvante,
submetida a colocação de expansor mamário, apresentando contratura
capsular e retração cicatricial aos 4 meses de pós-operatório.
Figura 1 - Paciente com história de mastectomia à direita e terapia adjuvante,
submetida a colocação de expansor mamário, apresentando contratura
capsular e retração cicatricial aos 4 meses de pós-operatório.
Figura 2 - Paciente submetida à simetrização mamária com próteses após
setorectomia e terapia adjuvante com radioterapia, apresentando retração
em polo inferior com deiscência de sutura 30 dias após
procedimento.
Figura 2 - Paciente submetida à simetrização mamária com próteses após
setorectomia e terapia adjuvante com radioterapia, apresentando retração
em polo inferior com deiscência de sutura 30 dias após
procedimento.
Figura 3 - Paciente submetida à simetrização mamária com implantes 11 meses após
radioterapia. Apresenta assimetria mamária e retração cicatricial em
polo inferior de mama esquerda associada à contratura capsular, após 30
e 90 dias.
Figura 3 - Paciente submetida à simetrização mamária com implantes 11 meses após
radioterapia. Apresenta assimetria mamária e retração cicatricial em
polo inferior de mama esquerda associada à contratura capsular, após 30
e 90 dias.
DISCUSSÃO
A radioterapia é um componente vital do tratamento multimodal do câncer de mama e
tem
mostrado benefícios em diminuir a recorrência local e melhorar a sobrevida em longo
prazo em populações selecionadas de pacientes com câncer de mama. Além disso,
permitiu reduzir o tamanho e a agressividade das ressecções cirúrgicas.Vários
estudos tentaram avaliar o impacto da radioterapia pós-mastectomia nos resultados
cirúrgicos após a reconstrução mamária. Quando comparados àqueles sem exposição à
radiação, os pacientes submetidos à reconstrução com implantes em mama previamente
irradiada correm maior risco de complicações múltiplas, incluindo contratura
capsular, deiscência de ferida, extrusão de implante, reoperação e falha
reconstrutiva. Uma revisão sistemática de 20 estudos foi realizada em 20152 para entender melhor os resultados após
reconstrução com implantes em pacientes previamente irradiados. Os autores
demonstraram um aumento em quase todas as complicações examinadas. Um risco
significativamente maior de falha reconstrutiva (taxa geral de 14%; risco relativo
de 2,58) e complicações totais (taxa geral de 36%; risco relativo de 1,89) foi
observado em pacientes irradiados. O risco de contratura capsular também foi maior
(risco relativo de 3,32) assim como risco de infecção, necrose do retalho de
mastectomia e formação de seroma. Outro estudo de coorte retrospectiva, realizado
em
2016, comparou reconstruções com implantes em pacientes irradiados com pacientes que
realizaram reconstrução imediata e radioterapia posteriormente e pacientes que não
realizaram radioterapia. Eles encontraram um risco aumentado de complicações no
grupo que realizou reconstrução tardia, com falha ocorrendo em 50% dos casos3.A radioterapia e seus efeitos foram também
estudados quando é utilizado tecido autólogo juntamente com implantes. Em uma
revisão sistemática de 2016 envolvendo 31 estudos analisando o uso de prótese com
e
sem tecido autólogo em campo irradiado, demonstrou-se diminuição significativa na
perda do implante quando é utilizado juntamento com retalho de latíssimo do dorso,
quando comparado com apenas o uso de prótese/expansor (5% vs.
15%)4. Spear identificou quatro aspectos
para ponderar o uso de implantes em reconstrução mamária com implantes após
radioterapia5. O primeiro é qualidade da
pele irradiada. Se a pele parece estar em boas condições após a radiação, como
macia, razoavelmente elástica e tem turgor e cor adequada, o paciente pode ser um
bom candidato. Se o envelope da pele é inelástico, contraído, endurecido e
descolorido, o paciente provavelmente será melhor tratado com uso de tecido
autólogo. O segundo fator é a disponibilidade de cobertura da pele. Os pacientes que
têm um significativo déficit de envelope de pele provavelmente serão melhor
candidatos para reconstrução autóloga. O terceiro preditor é uma falha prévia de
reconstrução com implante. Se uma paciente apresentar uma reconstrução
insatisfatória por contratura severa, falha nas tentativas de expansão, e a
reconstrução for por ferida ou por motivos infecciosos, as chances de uma segunda
tentativa ser bem-sucedida são diminuídas. O quarto fator é a atitude e as
expectativas do paciente. Os pacientes devem entender que a sua cirurgia não terá
os
mesmos resultados equivalentes a uma reconstrução em mama não irradiada.
Atualemente, estratégias para contornar esses efeitos adversos estão sendo
estudadas. Recentemente, estudos sugerem que o enxerto de gordura autólogo, no
intervalo entre o término do tratamento adjuvante e a reconstrução mamária, pode
melhorar os resultados pós-cirúrgicos em pacientes previamente irradiados6. O enxerto de gordura autólogo demonstrou ser
efetivo para revitalização de tecidos cronicamente danificados pela radiação,
favorecendo a restauração mecânica e biológica, diminuindo a contração tissular e
atenuando cicatrizes, melhorando assim a qualidade de vida7. O uso de matriz dérmica pode ser também especialmente útil
nesses grupos. A derme acelular atua como proteção para um retalho de pele
danificado. Uma vez que a derme incorpora, o retalho é mais espesso e capaz de
suportar o implante e a expansão. A matriz dérmica também pode desempenhar um papel,
evitando contratura capsular, mas nenhum estudo ainda foi conclusivo sobre esse
aspecto de seu uso. A potencial desvantagem de usar derme acelular nesse cenário é
que até que se torne incorporado, é outro corpo estranho que pode ser infectado,
apesar de estudos não demonstrarem até agora o aumento da taxa de infeccções4.
CONCLUSÃO
Há aumento de complicações em pacientes submetidas a radioterapia e reconstruções
mamárias tardias com implantes. Outras técnicas devem ser consideradas e as
pacientes devem ser orientadas sobre riscos e benefícios de cada possibilidade
terapêutica.
REFERÊNCIAS
1. Agarwal S, Kidwell KM, Farberg A, et al. Immediate reconstruction of
the radiated breast: recent trends contrary to traditional standards. Ann Surg
Oncol. 2015; 22:2551-9. DOI: https://doi.org/10.1245/s10434-014-4326-x
2. Lee KT, Mun GH. Prosthetic breast reconstruction in previously
irradiated breasts: a meta-analysis. J Surg Oncol. 2015; 112:468-75. DOI:
https://doi.org/10.1002/jso.24032
3. Chen TA, Momeni A, Lee GK. Clinical outcomes in breast cancer
expander-implant reconstructive patients with radiation therapy. J Plast
Reconstr Aesthet Surg. 2016; 69:14-22. DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2015.08.032
4. Fischer JP, Basta MN, Shubinets V, et al. A systematic metanalysis
of prosthetic-based breast reconstruction in irradiated fields with or without
autologous muscle flap coverage. Ann Plast Surg. 2016; 77:129-34. DOI: https://doi.org/10.1097/SAP.0000000000000288
5. Spear SL, Willey SC, Robb GL. Surgery of the Breast: Principles and
Art; 2 ed.
6. Salgarello M, Visconti G, Barone-Adesi L. Fat Grafting and Breast
Reconstruction with Implant: Another Option for Irradiated Breast Cancer
Patients. Plast Reconstr Surg. 2012 fev; 129(2):317-29.
7. Rigotti G, Marchi A, Galiè M, et al. Clinical treatment of
radiotherapy tissue damage by lipoaspirate transplant: A healing process
mediated by adipose-derived adult stem cells. Plast Reconstr Surg. 2007;
119:1409-22. DOI: https://doi.org/10.1097/01.prs.0000256047.47909.71
1. Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
Endereço Autor: Leonardo Milanesi Possamai Av.
Independência, 75 - Independência, Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90035-072
E-mail: leonardopossamai@hotmail.com