INTRODUÇÃO
O tumor de células gigantes tenossinovial é uma neoplasia mesenquimal de caráter
benigno, porém localmente agressivo. O quadro clínico é de dor progressiva e aumento
de volume1. O diagnóstico é sugerido pela
radiografia que revela aspecto osteolítico. A confirmação se dá pela histopatologia.
As recidivas são comuns, e podem ocorrer raramente metástases, sobretudo para os
pulmões6. A forma difusa desses tumores
tende a envolver uma ou mais articulações, o que difere da forma localizada que
ocorre como um nódulo discreto inserido na bainha do tendão, como no caso
apresentado.
OBJETIVO
Demonstrar o aspecto clínico-epidemiológico do tumor de células gigantes, assim como
a exposição da técnica cirúrgica utilizada.
MÉTODO
Foi realizada coleta de dados do paciente para o relato de caso, levantamento
bibliográfico sobre o tumor de células gigantes e exposição da técnica cirúrgica e
resultado pós-operatório.
RESULTADOS
Paciente masculino, caucasiano, 44 anos, vem à consulta referindo aumento progressivo
na região plantar direita há 8 anos, de aspecto ceratótico. Apresentava-se em bom
estado geral. O exame físico evidenciou lesão expansiva (Figura 1), dolorosa à palpação, com tumefação de tecidos moles
adjacentes. A ressonância nuclear magnética mostrou uma volumosa massa expansiva nos
tecidos moles do aspecto plantar do pé com configuração nodular na sequência T1 e
alto sinal na sequência T2, não ocorrendo envolvimento de estruturas ósseas (Figura 2). Observou-se envolvimento do tendão
flexor do terceiro raio pela lesão expansiva e deslocamento dos tendões flexores do
segundo e quarto raio. A lesão cruzava através da fáscia plantar e se estendia
próxima às estruturas ósseas. Após pré-operatório adequado, foi indicada cirurgia.
O
tratamento realizado foi a ressecção com preservação dos arcos plantares (venoso e
arterial) associado a retirada de margens de segurança. rapia para prevenir a
recorrência4.
Figura 1 - Lesão expansiva com tumefação na região plantar direita.
Figura 1 - Lesão expansiva com tumefação na região plantar direita.
Figura 2 - Ressonância nuclear magnética do pé direito, mostrando volumosa massa
expansiva nos tecidos moles.
Figura 2 - Ressonância nuclear magnética do pé direito, mostrando volumosa massa
expansiva nos tecidos moles.
O tratamento cirúrgico consistiu de incisão na prega de flexão plantar, desde a base
da primeira comissura em direção ao cavo plantar, evitando a incisão em área de
apoio do pé. Procedeu-se à dissecção de dois amplos retalhos cutâneos, um no
território da artéria metacarpiana do primeiro raio, e o outro no território da
artéria metacarpiana no último raio. Com isso, obteve-se ampla visualização dos
compartimentos flexores do pé, em ordem de profundidade. A massa provinha da bainha
dos tendões flexores profundos, sobretudo dos raios centrais. Grande atenção foi
tomada a fim de evitar a lesão dos nervos plantares medial e lateral, que navegam
a
esse nível, o que acarretaria intensa área de anestesia em área de apoio. A massa
foi ressecada em sua totalidade macroscópica, norteados pelas imagens. Os retalhos
cutâneos da abordagem superficial foram fechados sob o defeito de preenchimento
residual, e um dreno de aspiração permaneceu no no local por 48 horas. O paciente
voltou a deambular, com auxílio de muletas por 15 dias, após duas semanas da
operação. Não se observou sequela anestésica do pé após seis meses, se bem que por
quatro semanas houve importante parestesia no local. Também não houve hematoma ou
infecção. O exame anatomopatológico confirmou o diagnóstico de tumor de células
gigantes. Não se observou recidiva da lesão tumoral até um ano de acompanhamento
pós-operatório.
DISCUSSÃO
O tumor de células gigantes tenossinovial é classificado como uma neoplasia benigna
que se desenvolve no revestimento sinovial das articulações, bainha de tendões e
bursas. A sintomatologia inicial tende a retardar o diagnóstico. Há predomínio no
sexo feminino em uma proporção de 2:11,
acometendo pacientes em uma faixa etária de 30 a 50 anos2.
A localização mais comum é a mão. Acometimento plantar é incomum em um percentual
de
3,4%2. Evidências relatam envolvimento do
fibular curto, flexor longo do hálux, extensor curto do hálux, extensor longo do
hálux, tendão de Aquiles e tibial posterior6.
No entanto, no caso apresentado, apresenta-se o envolvimento do terceiro flexor dos
dedos dos pés. É considerado o sexto tumor benigno mais comum do pé, atrás do cisto
gangliônico, fibroma plantar, cisto de inclusão epidermal, lipoma e os nódulos
reumatoides3.
Os tumores mais agressivos produzem erosão nos ossos e tecidos moles adjacentes,
causando uma confusão com outros tipos de neoplasias. O melhor exame de imagem é a
ressonância magnética, solicitado para o paciente. Encontramos em T1 imagens iso ou
hipointensas em contornos irregulares; já em T2, focos hipointensos6. Esse efeito é explicado pela hemossiderina e
pelo abundante estroma de colágeno quando exposto ao efeito paramagnético4.
A avaliação desses tumores mostra translocação cromossomal consistente, codificando
sequências para o promotor do gene de colágeno tipo IV alfa-3. Como resultado, as
células tumorais apresentam mais CSF1, um agente quimiotáxico para macrófagos, que
se infiltram no tumor formando células gigantes multinucleadas (Figura 3).
Figura 3 - Biópsia da região plantar direita corada com hematoxilina-eosina,
mostrando tumor de células gigantes.
Figura 3 - Biópsia da região plantar direita corada com hematoxilina-eosina,
mostrando tumor de células gigantes.
O tratamento proposto na literatura especializada consiste de ressecção com
visualização direta da lesão e das estruturas adjacentes, com a reconstrução às
vezes motivando artrodeses ou substituição de áreas extensas de acometimento com
auto/homoenxerto ou uso de endopróteses. No presente relato, o tratamento cirúrgico
consistiu de ressecção ampla macroscópica, com preservação da estruturas adjacentes,
uma vez que se trata de lesão benigna. Não houve necessidade de remoção de tecido
ósseo, uma vez que não se evidenciava acometimento desse plano ou sequer seu
deslocamento. Grande atenção foi tomada a fim de evitar a lesão dos nervos plantares
medial e lateral, o que acarretaria anestesia em área de apoio e consequentes graves
problemas na proteção dessa área de exposição constante. A massa foi ressecada em
sua totalidade macroscópica, o que foi confirmado pelo exame patológico. Entretanto,
apesar da natureza benigna desse tipo de tumor, esse tipo de lesão tem chances de
recidiva, razão pela qual se faz necessário o acompanhamento por muitos anos,
inclusive com estudos de imagem como a ressonância nuclear magnética.
A taxa de recorrência varia entre 0% e 33%5,
sendo que alguns trabalhos descrevem valores superiores a 44%3. Em certos casos, após a discussão dos achados patológicos,
poderia estar indicada a terapia local adjuvante como peróxido de hidrogênio3 e/ou a radioterapia para prevenir a
recorrência. Uma outra característica desse tipo de tumor é a presença de
manifestações pulmonares sincrônicas ou até metacrônicas, que são mais comuns nas
recidivas das lesões4.
O retorno à deambulação deve ser cauteloso, uma vez que nessa área de apoio os
retalhos cutâneos da abordagem costumam exibir bastante tensão na área de sutura,
dada a inelasticidade natural conferida pela nascia plantar.
CONCLUSÃO
O tumor de células gigantes deve fazer parte do diagnóstico diferencial das
neoplasias de comportamento incerto na região plantar. A ressecção é o melhor
tratamento, sendo o seguimento pós-operatório fundamental para o monitoramento da
progressão de lesões à distância e das recidivas.
REFERÊNCIAS
1. Chen Y, Yu X-C, Xu S-F, Wang B. Giant cell tumor of the tendon
sheath originating from the ankle capsule: A case report and literature review.
Oncol Lett. 2016; 11(5):3461-4. DOI: https://doi.org/10.3892/ol.2016.4377
2. Ch L, TH L. Giant cell tumor of the peroneus brevis tendon sheath. J
Orthop Case Rep. 2015; 5(4):68-70.
3. Levi M, Crafton J. Rare giant cell tumor of the distal flexor
digitorum longus tendon sheath and early diagnosis with use of magnetic
resonance imaging. J Am Podiatr Med Assoc. 2017; 107(4):333-6. DOI: https://doi.org/10.7547/16-163
4. Goni V, Gopinathan NR, Radotra BD, Viswanathan VK, Logithasan RK, S
B. Giant cell tumour of peroneus brevis tendon sheath--a case report and review
of literature. BMJ Case Rep. 2012; 13.
5. Fraser EJ, Sullivan M, Maclean F, Nesbitt A. Tenosynovial Giant-Cell
Tumors of the Foot and Ankle: A Critical Analysis Review. JBJS Rev. 2017;
5(1).
6. Gomes AH, Pádua BJ, Teixeira LEM, Soares CBG. Tumor de células
gigantes extenso no pé envolvendo completamente o extensor longo do hálux:
relato de caso. Sci J Foot Ankle. 2018; 12(4):352-5. DOI: https://doi.org/10.30795/scijfootankle.2018.v12.851
1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Endereço Autor: Marcelo Lopes Dias Kolling Avenida
Alberto Bins, nº 456 - Centro Histórico, Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90030-140
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