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35ª Jornada Sul Brasileira de Cirurgia Plástica - Year2019 - Volume34 - (Suppl.1)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0066

RESUMO

Os traumas oculopalpebrais são muito comuns e têm grande importância socioeconômica, trazendo consigo infelicidade, ineficiência econômica e perda monetária. Descrevemos neste artigo o caso de um trauma facial grave, decorrente de lesão lacerante por arma branca, motivado por autoagressão, em que os princípios básicos da reconstrução palpebral foram utilizados. O paciente apresentou boa evolução, e resultado estético satisfatório com oclusão palpebral adequada. Ressaltamos a importância do cirurgião plástico como um especialista integrante e necessário da equipe de atendimento do trauma grave na sala de emergência, assim como seu grau de resolutibilidade, utilizandose de técnicas básicas e consagradas de reconstrução palpebral.

Palavras-chave: Doenças palpebrais; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Ferimentos oculares penetrantes

ABSTRACT

The oculopalpebral traumas are very common and have great socioeconomic importance, bringing with them unhappiness, economic inefficiency and monetary loss. We describe in this article, the case of a severe facial trauma, resulting from a lacerating wound motivated by self-injury, in which the basic principles of eyelid reconstruction were used. The patient presented good evolution, and a satisfactory aesthetic result with adequate palpebral occlusion. We emphasize the importance of the plastic surgeon as an integral and necessary specialist of the trauma team in the emergency room, as well as their degree of resolubility, using basic and consecrated techniques for eyelid reconstruction.

Keywords: Eye diseases; Reconstructive surgical procedures; Wounds and injuries; Penetrating head injuries


INTRODUÇÃO

Os traumas oculopalpebrais são bastante comuns, tendo, portanto, grande importância social e econômica, trazendo consigo infelicidade, ineficiência econômica e perda monetária1,2. Estima-se que nos Estados Unidos ocorram aproximadamente 2,4 milhões de traumas oculares ao ano, sendo uma das principais causas de cegueira naquele país, tendo crianças e jovens como vítimas mais frequentes3. Desses traumas, em torno de 1 milhão são decorrentes de acidentes em ambiente de trabalho, sendo 90% leves e preveníveis com utilização de medidas simples de proteção4. Na Inglaterra, as causas ocupacionais são responsáveis por cerca de 70% a 80% dos traumas oculares e causam grandes perdas financeiras2.

No Brasil, os dados a respeito do assunto são escassos, não permitindo uma adequada caracterização dessa morbidade em nosso país; entretanto, acredita-se que os traumas oculopalpebrais sejam uma importante causa de cegueira4.

Descrevemos neste artigo o caso de um trauma facial grave, decorrente de lesão lacerante por arma branca, motivado por autoagressão, em que os princípios básicos da reconstrução palpebral foram utilizados.

OBJETIVO

Descrever o caso de reconstrução palpebral inferior, utilizando-se o retalho pediculado palpebral superior.

MÉTODO

Relatamos o caso de um paciente masculino, 26 anos, vítima de tentativa de autoextermínio, durante surto psicótico após abuso de drogas. Admitido no pronto-socorro do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie de Curitiba, trazido pelo Serviço Móvel de Urgência (SAMU), em ventilação espontânea, Glasgow 15. Em exame físico inicial na chegada, o paciente apresentava importante laceração total da pálpebra inferior direita (Figura 1).

Figura 1 - Lesão lacerante em pálpebra inferior total.

Após avaliação segundo normas do ATLS (Advanced Trauma Life Suport) e estabilização do paciente, o médico emergencista solicitou exame tomográfico de face e crânio.

Foi acionada equipe de neurocirurgia, cirurgia do trauma, oftalmologia, cirurgia bucomaxilofacial e cirurgia plástica. Após exames tomográficos, não foram constatadas fraturas ou demais lesões além da laceração palpebral. Após estabilização e avaliações iniciais, decidiu-se por levá-lo ao centro cirúrgico para melhor avaliação e manejo da lesão. O procedimento foi realizado com anestesia local associada a sedação, com utilização de lidocaína 2% com vasoconstritor.

Após irrigação copiosa dos ferimentos com solução salina estéril, iniciou-se desbridamento cauteloso, vistas as proximidades com estruturas nobres da pálpebra.

Embora os ferimentos palpebrais à direita fossem de maior magnitude, decorrentes do trauma frontal, o globo ocular estava íntegro, sem déficit visual. A pálpebra inferior direita possuía total desinserção, necessitando reconstrução.

Inicialmente, foi realizado desbridamento dos bordos, retirada de enxerto cartilaginoso da região da escafa de orelha esquerda, e rotação de retalho bipediculado palpebral superior (Figura 2).

Figura 2 - Rotação de retalho palpebral superior com enxerto cartilaginoso de escafa.

RESULTADOS

O paciente apresentou boa evolução pós-operatória, recebendo medicações analgésicas e antibióticos. Manteve acompanhamento ambulatorial, apresentando bom aspecto das cicatrizes, com leve edema residual e liberação do retalho em segundo tempo (Figura 3).

Figura 3 - Liberação do pedículo do retalho palpebral.

Após 6 meses, foi submetido à liberação do retalho, apresentando boa evolução e resultado estético satisfatório com oclusão palpebral adequada (Figura 4).

Figura 4 - Epitelização do retalho, com cobertura do defeito e adequada oclusão palpebral.

DISCUSSÃO

As lesões traumáticas dos tecidos moles faciais são comumente encontradas em salas de emergência por médicos emergencistas e cirurgiões plásticos1. Embora raramente fatais, o tratamento dessas lesões pode ser complexo e ter um impacto significativo na função e estética facial do indivíduo, uma vez que a face representa um segmento corporal de grande expressividade no relacionamento interpessoal.

Os ferimentos isolados de partes moles devem ser suturados assim que possível. Reparação precoce, mesmo na indefinição das lesões concomitantes significativas, tem sido associada a melhores resultados estéticos pós-operatórios1,2. Atrasos no tratamento podem resultar em maior edema dos tecidos moles, distorcendo pontos de referência e tornando o fechamento primário mais difícil, além de aumentar o risco de infecção. Idealmente, o fechamento deve ocorrer dentro das primeiras 8 horas após a lesão. Inicialmente, todas as lesões dos tecidos moles que podem ser suturadas na sala de emergência devem ser meticulosamente limpas de detritos, sob anestesia local.

A intervenção cirúrgica é indicada quando da existência de lesões concomitantes que necessitam cirurgia e quando há adequada hemostasia ou quando a visualização ampla da ferida não pode ser alcançada na sala de emergência. Lacerações menores podem ser anestesiadas com bloqueios de campo locais, enquanto lesões maiores localizadas ao longo de um território de inervação podem ser tratadas com bloqueios regionais. Pacientes pediátricos podem não tolerar a infiltração com anestesia local, podendo estar indicada a sedação consciente para o tratamento adequado (avaliação/desbridamento/fechamento) das lesões dos tecidos moles.

Se houver contaminação significativa da ferida, a mesma pode ser limpa com uma escova cirúrgica e antisséptico. Subsequentemente, irrigação abundante deve ser realizada em todas as feridas contaminadas. Cobertura antibiótica de amplo espectro é necessária em mordidas e em doentes com risco de má cicatrização devido ao tabagismo, alcoolismo, diabetes, ou outra formas de comprometimento imunológico. Profilaxia do tétano deve ser administrada de acordo com a história de imunizações4.

Para um reparo palpebral adequado, é importante o conhecimento anatômico detalhado da região. A pálpebra é uma estrutura bilamelar que compreende uma lamela anterior e outra posterior, separadas pelo septo orbitário. A lamela anterior consiste em pele e músculo orbicular palpebral. A lamela posterior engloba uma alça tarsoligamentosa que compreende uma placa tarsal e tendões cantais medial e lateral, juntamente com a fáscia capsulopalpebral e a conjuntiva.

O septo se origina no arco marginal que acompanha o rebordo orbitário e separa as duas lamelas.

Inicialmente, simples lacerações palpebrais devem ser fechadas em três camadas, nesta ordem: lamela posterior, septo orbitário e lamela anterior. Além disso, nas lacerações envolvendo o bordo tarsal, a linha cinzenta e a placa tarsal devem ser cuidadosamente reaproximadas, sendo o bordo suturado com sutura em colchoeiro vertical para que as margens fiquem evertidas.

Para lacerações na pálpebra inferior, um alinhamento adequado também minimiza o risco do ectrópio. A inserção do músculo elevador na placa tarsal deve ser cuidadosamente avaliada nas lacerações da pálpebra superior.

Defeitos em espessura total da pálpebra superior e inferior menores que 33% e 50%, respectivamente, podem ser fechados primariamente utilizando-se os princípios básicos de reconstrução palpebral em camadas. Alguns autores, no entanto, mais conservadores, sugerem o fechamento primário apenas em espessura total inferior a 25% da pálpebra4. Cantólise e cantotomia lateral podem ser utilizadas para aliviar tensão no reparo de defeitos maiores. Defeitos de espessura parcial de até 50% de comprimento da pálpebra podem, em contrapartida, ser fechados usando retalhos locais de avanço. Defeitos de espessura parcial superiores a 50% do comprimento da pálpebra superior ou inferior podem requerer um enxerto de pele de espessura total para alcançar fechamento sem tensão. Defeitos completos da pálpebra superior ou inferior apresentam maior desafio para o cirurgião plástico. Lesões da pálpebra laterais envolvem geralmente o canto lateral e podem exigir uma cantopexia ou cantoplastia para reparar o canto lesado. Dependendo do grau de lesão, reparação primária pode ser possível, mas, frequentemente, lesão extensa necessita reparo alternativo ou reconstrução do ligamento.

Um pioneiro na reconstrução da pálpebra inferior utilizando retalhos de pálpebra superior foi o francês Léon Tripier. Acredita-se que ele realizou o primeiro caso de reconstrução de pálpebra utilizando um retalho miocutâneo funcional. Tripier, em 1888, descreveu a utilização de um retalho bipediculado da pálpebra superior com a conformação de uma ponte, baseado no músculo orbicular ocular para reparar grandes defeitos na pálpebra inferior5,6.

Uma das intenções de Tripier era conseguir um retalho musculocutâneo que lesionasse o menor número de fibras nervosas possíveis e também mantivesse sua função.

Tripier descreveu o sucesso no tratamento de três casos de reconstrução extensa de pálpebra inferior utilizando o retalho bipediculado de pálpebra superior. Nessa mesma publicação, ele descreveu a confecção de um retalho análogo bipediculado da região frontal logo acima do supercílio, para tratar defeitos com dimensões de metade até dois terços da pálpebra superior.

O manejo adequado e delicado dos tecidos já traumatizados, muitas vezes avulsionados pela ocasião do trauma, assim como a reestruturação anatômica das estruturas afetadas terão relevância, estética e funcional, para a recuperação do paciente traumatizado de face, sobretudo da pálpebra, evitando, por vezes, múltiplas cirurgias e sequelas de difícil tratamento em longo prazo. Para isso, torna-se imperativo o diagnóstico correto das alterações apresentadas e decorrentes do traumatismo, assim como um planejamento adequado das condutas a serem tomadas, muitas vezes não tão fáceis e até desafiadoras em um ambiente ansiogênico como a emergência hospitalar.

CONCLUSÃO

Descrevemos nesse caso a importância do cirurgião plástico como um especialista integrante e necessário da equipe de atendimento do trauma grave na sala de emergência, assim como seu grau de resolutibilidade, utilizando-se de técnicas básicas e consagradas de reconstrução palpebral. A gravidade e a complexidade do trauma palpebral não exigem somente a cooperação interdisciplinar no cuidado desses pacientes, mas também medidas constantes do poder público para educação da população quanto a estratégias preventivas. Esta última continua a ser a forma mais barata de reduzir direta e indiretamente os custos das sequelas ocasionadas pelo trauma4.

REFERÊNCIAS

1. Kretlow JD, McKnight AJ, Izaddoost SA. Facial soft tissue trauma. Semin Plast Surg. 2010; 24(4):348-56. DOI: https://doi.org/10.1055/s-0030-1269764

2. Aveta A, Casati P. Soft tissue injuries of the face: early aesthetic reconstruction in polytrauma patients. Ann Ital Chir. 2008; 79(6):415-7.

3. Key SJ, Thomas DW, Shepherd JP. The management of soft tissue facial wounds. Br J Oral Maxillofac Surg. 1995; 33(2):76-85. DOI: https://doi.org/10.1016/0266-4356(95)90204-X

4. Siqueira EJ, Alvarez GS, Bolson BP, Oliveira MB. Combined approach of severe facial trauma soft tissue. Porto Alegre: Rev AMRIGS. 2014; 58(4):275-80.

5. Hicks DL, Watson D. Soft tissue reconstruction of the forehead and temple. Facial Plast Surg Clin North Am. 2005; 13(2):243-51. DOI: https://doi.org/10.1016/j.fsc.2004.11.002

6. Andrade AA, Freitas RS. Correcting historical errors in lower eyelid reconstruction. Rev Bras Cir Plást. 2017; 32(4):594-8.











1. Hospital Univeritário Evangélico Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil.

Endereço Autor: Juliane Ribeiro Mialski Alameda Augusto Stellfeld, nº 1908, 5. andar, Bigorrilho, Curitiba, PR, Brasil CEP 80730-150 E-mail: ju_mialski@yahoo.com.br

 

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