INTRODUÇÃO
O termo "otoplastia" refere-se a alterações cirúrgicas no formato ou na posição da
orelha. A indicação mais importante é o paciente com orelhas proeminentes, mas
formadas normalmente1.
A orelha proeminente ou em abano ocorre quando há uma perda da prega antelical, um
ângulo concho-escafal maior que 90° e um excesso da concha auricular ou uma
combinação desses, ocorrendo uni ou bilateralmente1. Caracteriza-se por uma abertura exagerada em relação ao crânio,
considerando-se como normal uma distância da sua margem lateral ao crânio igual ou
inferior a 2 cm2.
A causa das deformidades da orelha não é conhecida. Alguns artigos na literatura
médica sugerem que as deformidades da orelha sejam o resultado de músculos ausentes
ou mal posicionados ao redor da orelha1. É a
deformidade mais comum da orelha (38,7%), ocorrendo em 5% da população. É bilateral
na maioria das vezes (80% a 99% dos casos), havendo, frequentemente, história
familiar, e não há diferença significativa de incidência entre os sexos2.
Algumas crianças recém-nascidas têm as orelhas extremamente moles, maleáveis. Quando
essas crianças têm orelhas proeminentes e elas repousam de lado, as orelhas tendem
a
dobrar para a frente, contra a bochecha, mais que para trás, contra a cabeça,
tendendo a torná-las mais proeminentes à medida que os anos passam1. Toda a antélice ou somente uma parte pode
estar alterada, comprometendo o ramo superior, o corpo ou ramo inferior ou os três
ramos2.
O terço superior das orelhas é avaliado para determinar se está proeminente, se o
anti-hélice/cruz superior da fossa triangular é bem formado e se a margem helical
está bem definida1.
O terço médio da orelha é avaliado para determinar se a concha está situada muito
profundamente ou se está protruída. Além disso, a relação entre a anti-hélice e a
hélice é examinada para determinar se, por exemplo, o subdesenvolvimento da
anti-hélice/cruz superior no terço superior se estende para o terço médio ou se está
confinado ao terço superior1.
O terço inferior ou lóbulo da orelha é avaliado para determinar se está proeminente.
É importante observar que, mesmo se o lóbulo não estiver particularmente proeminente
no exame inicial, ele pode tornar-se excessivamente proeminente quando os dois
terços superiores da orelha tiverem sido corrigidos intraoperatoriamente1.
Mustardé introduziu sua técnica de sutura em 1963, criando a antélice por meio de
suturas permanentes entre a concha e a escafa, dando um formato suave à antélice,
obtida por meio de pontos em "U"2.
São muitos os avanços em otoplastia e múltiplas as técnicas utilizadas, as quais
tornaram possíveis não somente fixar as orelhas em um plano mais posterior, mas
também melhorar a sua anatomia, assimetria e reduzir seu tamanho1.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é apresentar uma possibilidade cirúrgica na formação de
neoantélice com fio guia para pontos de Mustardé, como tratamento para orelhas
proeminentes.
MÉTODO
Apresentação de uma série de casos baseada na experiência da residencia médica,
revisão de prontuários, registros fotográficos, revisão bibliográfica e abordagem
cirúrgica em pacientes com orelha de abano com defeito e malformação da antélice.
Foi utilizada uma abordagem cirúrgica anteroposterior para desenho dos pontos da
antélice com fio e uma abordagem posterior para correção com a técnica de
Mustardé.
Técnica cirúrgica
Inicia-se com marcação prévia do paciente, realizando uma pressão ao nível da
escafa para produzir a curvatura da antélice e de seus ramos (Figura 1A).
Figura 1 - A: Marcação pré-operatória, realizando curvatura da antélice; B:
Desenho de pontos que vão ser corrigidos; C: Forma da
infiltração.
Figura 1 - A: Marcação pré-operatória, realizando curvatura da antélice; B:
Desenho de pontos que vão ser corrigidos; C: Forma da
infiltração.
Identificada a deficiência de dobra, marcam-se com uma caneta os pontos que vão
ser corrigidos com a técnica de Mustardé. Conforme o defeito podem ser marcados
de um a quatro pontos (Figura 1B).
O paciente é posicionado em decúbito dorsal com posterior assepsia e antissepsia,
colocação de campos estéreis, infiltração local com solução contendo adrenalina,
soro fisiológico e lidocaína 2% sem vasoconstritor em relação 1:120.000. A
infiltração da pele da antélice e da concha da cartilagem com solução anestésica
faz uma hidrodissecção, o que facilita a divulsão com tesoura na parte posterior
da escafa e diminui a dor da paciente no momento de passar o fio guia (Figura 1C). Se incisa a pele conforme
marcação prévia a nível do sulco retroauricular. A incisão tem que ser estendida
até sobre a parte superior da orelha, visando fornecer exposição adequada dos
fios guias que serão inseridos desde a parte anterior (Figura 2A,B).
Figura 2 - A: Incisão da pele no sulco retroauricular; B: Incisão estendida
até a parte superior; C: Exposição da concha da cartilagem; D:
Divulsão com tesoura.
Figura 2 - A: Incisão da pele no sulco retroauricular; B: Incisão estendida
até a parte superior; C: Exposição da concha da cartilagem; D:
Divulsão com tesoura.
Retira-se o excesso de pele, de forma que a cartilagem é exposta na superfície
posterior (medial) da orelha e o tecido mole é excisado da parte profunda da
concha (Figura 2C).
Em seguida, divulsiona-se com tesoura a parte porterior da escafa, abordando os
três ramos da antélice e separando a pele da cartilagem (Figura 2D).
Trata-se a concha da cartilagem quando for necessário (Figura 3A).
Figura 3 - A: Tratamento de concha da cartilagem; B: Inclusão do fio guia;
C: Posição do fio guia na face anterior da orelha; D: Posição do fio
guia na face posterior da orelha.
Figura 3 - A: Tratamento de concha da cartilagem; B: Inclusão do fio guia;
C: Posição do fio guia na face anterior da orelha; D: Posição do fio
guia na face posterior da orelha.
Insere-se o fio guia, náilon 5-0, desde a parte anterior da orelha, entre a fossa
triangular e a fossa escafoide, somente após o tratamento da concha e do ramo da
hélice (quando for necessário) (Figura 3B).
Realiza-se ponto em "U" (técnica de Mustardé) conforme marcação de fio guia com
náilon 3-0, incluindo a cartilagem e seu pericôndrio anterior em toda sua
espessura para evitar recidiva (Figura 4A).
Figura 4 - A: Pontos em U técnica de Mustardé; B: Tração do ponto de
Mustardé; C: Resultado pós-operatório imediato.
Figura 4 - A: Pontos em U técnica de Mustardé; B: Tração do ponto de
Mustardé; C: Resultado pós-operatório imediato.
Cada ponto é tracionado delicadamente para se observar o efeito obtido e, a
seguir, reparado para posterior amarradura dos fios (Figura 4B). Conforme o defeito do paciente se dão de um a
quatro pontos.
Após isso, realizam-se pontos de Furnash com náilon 3-0 para posicionamento da
orelha (Figura 4C), com posterior
fechamento com sutura monocryl 4-0 com pontos intradérmicos. O curativo no
pós-operatório imediato é feito com pomada (sulfato de neomicina e bacitracina
zíncica) e gaze na parte posterior, chumaço de algodão na parte anterior e
enfaixamento com atadura. Retira-se o curativo após 24 horas pós operatórias,
continuando com a gaze na parte posterior e faixa pós-operatória de otoplastia
por sete dias. Depois disso, recomenda-se a utilização da faixa de otoplastia
por dois meses durante o período da noite.
RESULTADOS
Os resultados pós-operatórios da nossa técnica cirúrgica foram efetivos na totalidade
dos casos, melhorando a anatomia da antélice com fio guia e posição com pontos de
Furnash (Figuras 5 e 6). Quanto aos sintomas pós-operatórios, o edema dura em média
de 15 a 20 dias, com melhora após a utilização de anti-inflamatórios. A dor persiste
por cerca de uma semana, com solução da mesma pelo uso de analgésicos. Não houve
caso de recidiva até o momento, nem evidência de deformidade no pós-operatório
tardio, hematomas nem extrusão de pontos.
Figura 5 - A: Foto pré-operatória. B: Resultado pós-operatório de um
mês.
Figura 5 - A: Foto pré-operatória. B: Resultado pós-operatório de um
mês.
Figura 6 - A: Foto pré-operatória; B: Resultado pós-operatório de três
meses.
Figura 6 - A: Foto pré-operatória; B: Resultado pós-operatório de três
meses.
DISCUSSÃO
A complexidade do procedimento de otoplastia aumenta à medida que a deformidade da
orelha aumenta1.
O exercício único mais importante para o cirurgião, antes de realizar qualquer
procedimento no espectro da otoplastia, é ter bem definidas em sua mente as
características de uma orelha normal. Com a escolha adequada da técnica, o cirurgião
geralmente pode evitar os problemas incorrigíveis da sobrecorreção e os contornos
não naturais1.
Existem múltiplas técnicas cirúrgicas para formação da antélice, mas são técnicas
que
apresentam alto índice de recidiva e complicações pós-operatórias, além de uso de
instrumentos especializados para obter bons resultados, como, por exemplo, aquelas
técnicas que não usam fio de sutura para sustentação da resistência da cartilagem
como o estudo realizado por Hermann Raunig com porcentagem alta de recidiva3.
Essa técnica cirúrgica usada há três anos em nosso serviço obteve resultados
naturais, simétricos, mínimas complicações, sem recorrências e uma recuperação
rápida dos pacientes. Por tal motivo o uso de fio guia para uma adequada realização
de pontos de Mustardé seria uma boa opção para pacientes com orelha de abano5.
O uso de fio guia para formação de pontos de Mustardé é uma abordagem interesante
de
ser usada em qualquer tipo de malformação da antélice, especialmente em pacientes
com maior apagamento dessa estrutura anatômica que precisam de muito detalhe
anatômico. Diferente ao estudo de Owsley, em que se realiza enfraquecimento da
cartilagem com instrumentos especiais, nós não realizamos esse tipo de
enfraquecimento por causa de uma resposta inflamatória maior e maior tempo de
recuperação do paciente4.
Cabe salientar que em nossa técnica realizamos uma divulsão da pele retroauricular
para conseguir realizar os pontos de Mustardé, com prévia marcação com fio guia sem
obter complicações neurovasculares. Como conceito geral, a orelha de abano é um dos
motivos de consulta mais comuns na cirurgia plástica.
Conhecer qual é a aparência normal, para poder conhecer o seu objetivo cirúrgico
final, é umas das características mais importantes dessa técnica.
As considerações anatômicas da otoplastia são aquelas ligadas à preservação:
preservação do sulco, preservação da suavidade natural dos contornos auriculares e
preservação dos reparos anatômicos, como a parede posterior da concha (ou seja, o
terço médio da anti-hélice).
CONCLUSÃO
A grande vantagem apresentada neste trabalho, seria a eficácia do uso de fio guia,
para a formação de neoantélice nos pacientes com perda da prega antelical e a
facilidade do procedimento cirúrgico.
A técnica proposta pelos autores é uma boa alternativa cirúrgica para esse tipo de
caso. É simples e ajuda o residente a obter experiência cirúrgica rapidamente;
levando a bons resultados estéticos em pouco tempo, e alto grau de satisfação dos
pacientes. Além disso, há um baixo índice de complicações.
REFERÊNCIAS
1. Thorne CH, Otoplastia , Neligan PC. Cirurgia plástica estética. 3
ed. Nova Iorque: Elsevier; 2017. p. 485-6.
2. Speranzini M, Fadul R. Otoplastia, Capitulo 123, Mélega. Cirurgia
Plástica: Os Princípios e Atualidade. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2011. p. 1172.
3. Raunig H. Antihelix Plasty Without Modeling Sutures. Arch Facial
Plast. 2005; 7(5):334-41. PMID: 16172345 DOI: https://doi.org/10.1001/archfaci.7.5.334
4. Owsley TG. Otoplastic Surgery for the Protruding Ear. Atlas Oral
Maxillofac Surg Clin; 2004. p. 131-9.
5. Weerda H, Siegert R. Komplikationen der Ohrmuschelanlegeplastik und
ihre Behandlung. Laryngo-Rhino-Otologie; (1994). p. 394-9.
1. Hospital Universitário, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
Endereço Autor: Leandro Rafael Santiago
Cepeda Rua Professora Maria Flora Pausewang, s/nº, Trindade,
Florianópolis, SC, Brasil CEP 88036-800; E-mail:
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