INTRODUÇÃO
As cicatrizes de corpo são determinantes para o desconforto físico ou psíquico de
cada pessoa, mas a única cicatriz natural aceita pelo ser humano é o umbigo.
Presente desde o nascimento, o umbigo representa a divisão de um novo ser.
Em condições normais, o umbigo está posicionado na linha média da parede abdominal
anterior, cerca de 18 a 23 cm da comissura vulvar, com variação de 4 cm acima a 2
cm
abaixo de uma linha horizontal que passa pelas duas espinhas ilíacas
anterossuperiores, apresenta uma depressão variável e toma forma circular ou
discretamente alongada1 (Figura 1).
Figura 1 - Umbigo de formato normal.
Figura 1 - Umbigo de formato normal.
Essa cicatriz natural sofre modificações em suas caraterísticas dependendo das
alterações da parede abdominal. Uma vez alterada ou modificada a anatomia natural
do
umbigo, não é fácil recompô-la satisfatoriamente. Por esse motivo, na
abdominoplastia o simples fato de transpor o umbigo, modificá-lo ou realizar um
neoumbigo provocará o desaparecimento de importantes estruturas que compõem o
umbigo.
As distorções dessa cicatriz, a modificação ou criação de um neoumbigo determinam
a
elaboração de inúmeros procedimentos técnicos com a finalidade estética de imitar
o
seu aspecto natural.
Desde 1924, quando Frist realizou a primeira transposição de umbigo, muitas formas
geométricas foram concebidas para mimetizar a cicatriz original2. Flesch-Thebesius e Weisheimer, em 1931, conservavam um
triângulo de pele no umbigo2. Até o momento já
se descreveram diferentes técnicas para reimplantar o umbigo na abdominoplastia3-4. A maioria das técnicas cirúrgicas tradicionais fixam o umbigo na
aponeurose e depois suturam a borda do umbigo na pele do retalho abdominal. Issto
produz aumento da tensão, e dependendo do paciente, levará a complicações.
Outros autores passaram a desprezar o umbigo e fazer uma neo-onfaloplastia.
Os parâmetros básicos para se fazer uma reconstrução de umbigo são: O resultado deve
ser estético e permanente, aplicação da técnica cirúrgica deve ser fácil de
reproduzir e não deve haver cicatriz externa visível5.
Para realizar a reconstrução de um neoumbigo, implementaram-se muitas técnicas
cirúrgicas, cada uma com suas próprias limitações estéticas, risco de estenose e de
posicionamento. As técnicas de reconstrução normalmente envolvem uso de retalhos;
incluindo o retalho de rotação espiral, o retalho em V, o retalho tubularizado, o
retalho umbilical C-V, o retalho em ilha, o retalho em forma de leque reverso, o
retalho em forma de ômega invertido superior e o retalho em forma de M inferior. Há
também técnicas usando três abas triangulares de pele, em forma de losango6-13.
Nos resultados das abdominoplastias, o umbigo foi declarado como assinatura do
cirurgião, por isso é importante dar uma adequada atenção à abordagem abdominal e
saber implementar adequadamente as indicações de um neoumbigo e sua técnica
cirúrgica14-17.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo é tentar propor uma análise das indicações de
neo-onfaloplastia.
MÉTODO
Realizou-se um protocolo com seis indicações para neo-onfaloplastia em pacientes que
são submetidos a procedimento cirúrgico de abdominoplastia conforme descrito
abaixo.
1) Implantação baixa do umbigo
Pacientes com implantação baixa do umbigo, que consideramos como sendo uma
distância da fúrcula vaginal até o umbigo menor ou igual a 8 cm, ao final da
abdominoplastia apresentariam inserção umbilical bem próxima à cicatriz
transversa abdominal. Faz com que o abdome tenha uma aparência dismórfica (Figura 2).
Figura 2 - A: Umbigo com implantação baixa; B:
Neo-onfaloplastia após abdominoplastia.
Figura 2 - A: Umbigo com implantação baixa; B:
Neo-onfaloplastia após abdominoplastia.
2) Presença de hérnia umbilical
Pacientes com alterações da parede abdominal como hérnia umbilical devem ser
submetidos à correção do defeito. Muitos cirurgiões optam por realizar a
correção da hérnia umbilical sem desinserir completamente o umbigo, correndo
risco de má correção do defeito, com os consequentes riscos de recidiva. Nesses
casos, optamos por desinserir o umbigo para uma adequada correção da hérnia
umbilical, e criação de um neoumbigo.
Quando, na abdominoplastia, avaliamos que o coto umbilical apresenta-se com
aspecto de má vascularização, a qualquer sinal intraoperatório de má perfusão do
coto umbilical, realizamos a neo-onfaloplastia (Figura 3).
Figura 3 - Umbigo com hérnia.
Figura 3 - Umbigo com hérnia.
4) Cotos umbilicais muito longos
Pacientes com cotos umbilicais longos, como se observa nos pacientes
pós-bariátricos requerem a realização de neoumbigo. Nesses casos, se realizada a
onfaloplastia convencional, pode-se obter umbigos estenóticos, ou alargados ou
que acumulam muita secreção em função de um pedículo muito longo18.
5) Implantação alta do umbigo
Pacientes com umbigo alto ou em posição normal, mas que no intraoperatório se
tenha dúvida se a pele da região supraumbilical chega sem tensão no púbis. Nesse
caso indica-se a desinserção do umbigo da aponeurose. Se não há pele suficiente
para a abdominoplastia clássica, baixa-se a cicatriz umbilical de 2-4 cm
reinserindo a mesma novamente na aponeurose. Porém, se o paciente apresenta pele
suficiente para o abdome completo, indica-se neoumbigo.
6) Umbigos de formato anormal
Pacientes com inserções umbilicais fora da linha média, excesso de pele na porção
central, ou alterações indesejáveis esteticamente (Figura 4).
Figura 4 - A: Umbigo de formato anormal; B:
Neo-onfaloplastia após abdominoplastia.
Figura 4 - A: Umbigo de formato anormal; B:
Neo-onfaloplastia após abdominoplastia.
Apresentação da técnica
Realizada a marcação abdominal pré-operatória, mais os preparos de rotina.
Infiltração mais incisão suprapúbica até entre as cristas ilíacas
anterossuperiores. Realiza-se descolamento do retalho dermogorduroso, o pedículo
umbilical é dissecado e separado de sua origem na aponeurose. Segue-se com o
descolamento realizando túnel supraumbilical até a altura do apêndice xifoide e
expondo a aponeurose muscular.
Após a revisão de hemostasia, realiza-se a plicatura dos músculos retos
abdominais com sutura inabsorvível, corrigindo assim a diástase dos músculos.
Com essa manobra, o coto umbilical foi sepultado.
A porção superior do retalho é tracionada e delimita-se com azul de metileno a
área distal para ressecção. O retalho é fixado à aponeurose (pontos de Baroudi)
com sutura inabsorvível, iniciando-se na região do apêndice xifoide e seguindo
em direção ao umbigo. Em seguida, o excesso de tecido é ressecado.
Para definir a nova posição do neoumbigo, a margem do retalho abdominal é
suturada temporalmente à borda da incisão da região pubiana. Com a tração do
retalho, utiliza-se azul de metileno para marcar um X na pele, indicando a nova
posição do neoumbigo. Realiza-se a incisão em X, criando quatro pequenos
retalhos, cada um com 4 mm de comprimento19.
É removida a sutura temporária que fixava o retalho à borda da incisão pubiana e
realiza-se ressecção cônica do tecido adiposo com tesoura sob a incisão em X,
criando uma depressão nessa região19.
O neoumbigo é fixado à aponeurose na posição previamente marcada, usando náilon
3.0. A primeira sutura foi passada através da aponeurose, do retalho em V
superior e do retalho em V esquerdo. A segunda sutura, imediatamente inferior à
primeira, foi passada através da aponeurose, do retalho em V direito e do
retalho em V inferior19.
Após a criação do neoumbigo, a porção inferior do retalho abdominal é fixada à
aponeurose com pontos de Baroudi. O fechamento final é realizado em três camadas
de suturas.
É realizado curativo com sulfadiazina de prata nas suturas e neoumbigo e coberto
com gaze.
RESULTADOS
No mês de dezembro de 2018 até a segunda semana de fevereiro de 2019, no Hospital
Universitário da UFSC, foram realizadas 12 abdominoplastias com neo-onfaloplastia
segundo critérios do protocolo.
Avaliamos nos pacientes submetidos a abdominoplastia e neo-onfaloplastia e que
seguiram esse protocolo, a qualidade estética da cirurgia, as caraterísticas
naturais do neoumbigo, o índice de complicações pós-operatórias e a satisfação das
pacientes com o resultado obtido.
A posição do neoumbigo sempre foi 4 cm acima a 2 cm abaixo de uma linha horizontal
que passa pelas duas espinhas ilíacas, de tamanho pequeno com aparência jovial e sem
cicatrizes aparentes.
Até o momento não foram apresentadas complicações como infecção, hematoma, seroma
ou
necrose. Duas de nossas pacientes apresentaram protrusão do umbigo, com cicatriz
evidente (Figura 5).
Figura 5 - Protrusão do umbigo com cicatriz evidente.
Figura 5 - Protrusão do umbigo com cicatriz evidente.
Todos nossos pacientes submetidos a neo-onfalplastia relataram satisfação com o
resultado estético do umbigo, ressaltando adequada posição, contorno e tamanho.
De maneira geral, obtivemos bons resultados, tanto na opinião dos cirurgiões
plásticos do serviço como das pacientes.
DISCUSSÃO
A reconstrução da arquitetura umbilical após abdominoplastia é considerada uma das
tarefas mais difíceis, já que por influência da moda ou evolução cultural, o abdome
se encontra mais exposto, sendo o umbigo o centro de atenção por ser uma das
principais unidades estéticas da parede abdominal.
As técnicas de transposição umbilical e reconstrução umbilical têm por objetivo
umbigos de caraterísticas naturais, procurando evitar cicatrizes visíveis e
hipertróficas, estenoses e marcas de sutura, sendo a transposição umbilical uma
técnica mais utilizada que a reconstrução umbilical.
Inicialmente, a técnica de reconstrução umbilical descrita pelo Dr. Ticiano Cesar
Texeira com a incisão em X foi utilizada apenas em casos nos quais o umbigo original
não poderia ser preservado. Os bons resultados encorajaram o autor da técnica a
utilizá-la em todas as abdominoplastias, desprezando sempre os umbigos
originais19.
Qualquer tipo de reconstrução umbilical que objetiva um bom resultado estético deve
procurar algumas características importantes, como tamanho, forma, localização e
profundidade adequada20. Uma das principais
preocupações na hora da realizar a neo-onfaloplastia é definir a altura da sua
posição. A distância em torno de 16 cm a 18 cm abaixo do apêndice xifoide representa
a posição esteticamente mais aceita, mas ainda não há um consenso quanto à posição
ideal da cicatriz umbilical.
No pré-operatório ou no intraoperatório da abdominoplastia, é fundamental conhecer
os
critérios de quando se deve realizar uma neo-onfaloplastia. Não realizar o neoumbigo
em pacientes que atendem os critérios estabelecidos, pode levar a complicações ou
resultados não satisfatórios. Técnicas tradicionais de inserir o umbigo à aponeurose
e suturar o umbigo na derme da parede abdominal produzem tensão, especialmente em
pacientes com panículo adiposo grosso, o que prejudicará a qualidade da
cicatrização21, que podem, por sua vez,
causar dismorfias no pós-operatório, como estenose ou ampliação da área umbilical,
hipertrofia cicatricial na ilha de pele, deiscência de sutura e necrose do
pedículo.
Em nossa experiência na realização de neo-onfaloplastia com critérios segundo o
protocolo, apresentamos dois pacientes com protrusão umbilical, provavelmente por
deiscência de um ponto da sutura (Figura 5).
Isso pode ter sido causado por erro na técnica na fixação do umbigo à aponeurose ou
por fatores relativos ao próprio paciente. Os índices de deiscência na literatura
são de 0,5%20.
A realização da neo-onfaloplastia em pacientes com critérios selecionados é uma
solução inteligente que pode evitar os problemas supracitados e resultar em
desfechos estéticos favoráveis com índice de complicações baixas e aceitáveis.
CONCLUSÃO
Consideramos, que a realização de neo-onfaloplastia deve ser indicada em casos
selecionados, em que a técnica clássica de onfaloplastia apresenta limitações. A
realização de um protocolo para a indicação desse procedimento orienta melhor a
conduta do cirurgião.
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1. Hospital Universitário, Universidade Federal de
Santa Catarina, SC, Brasil.
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