INTRODUÇÃO
As fraturas dos metacarpos (MC) compreendem de 18% a 44% das fraturas da mão1. Elas são, na sua maioria, fraturas isoladas,
simples, fechadas e estáveis, e se consolidam de maneira aceitável com tratamento
não cirúrgico. Porém, atualmente as diretrizes terapêuticas são controversas,
e
alguns autores sugerem que a indicação cirúrgica aumentou em parte devido às novas
técnicas disponíveis2.
A Associação Americana de Cirurgia da Mão (AAHS) estabeleceu, com base em uma revisão
sistemática, as seguintes indicações para cirurgia em fraturas do metacarpo:
encurtamento maior que 6 mm, anulação residual maior que 30 ou 40 graus na base
dos
dedos anular ou mindinho, rotação, fraturas segmentares, fraturas instáveis e
fraturas intra-articulares da cabeça do metacarpo com escalão articular maior
que 1
mm ou maior que 25% da superfície articular2.
As opções de tratamento cirúrgico para as fraturas dos metacarpos são múltiplas3, recentemente surgindo as técnicas de fixação
intramedular com parafusos sem cabeça, em fraturas do colo e diáfise do metacarpo
com bons resultados4-6.
Essa técnica consiste na redução da fratura e na fixação intramedular interna com
parafuso sem cabeça canulado intramedular de compressão, que pode ser introduzido
com técnica aberta ou percutânea4,7. Esse tipo de
técnica de fixação intramedular tem como vantagem a mínima desperiostização do
foco
e permite a mobilização precoce4.
OBJETIVO
Nosso objetivo é descrever a experiência no tratamento das fraturas do metacarpo com
parafusos sem cabeça canulados intramedulares de compressão, em pacientes do
Hospital Universitário.
MÉTODO
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo, retrospectivo, realizado no Hospital
Universitário de Montevidéu, Uruguai. Foram incluídos pacientes adultos
atendidos na Cadeira de Cirurgia Plástica no período de julho de 2017 a julho
de
2018, com fratura do colo e diáfise do metacarpo, com indicação de tratamento
cirúrgico de acordo com a AAHS, em que optamos pela técnica de fixação com
parafusos canulados sem cabeça intramedular de compressão.
Técnica cirúrgica
A técnica cirúrgica implementada baseou-se naquela descrita por Del Piñal4 e ilustrada nas imagens correspondentes
aos casos clínicos.
Todos os pacientes foram operados sob anestesia geral, em decúbito supino e com o
membro superior em abdução sobre uma mesa acessória, trabalhando com campo
isquêmico.
A abordagem da pele foi transversal no dorso da articulação metacarpofalângica e
foram realizadas tenotomia e capsulotomia limitada longitudinalmente (Figura 1).
Figura 1 - Abordagem da pele foi transversal no dorso da articulação
metacarpofalângica e tenotomia limitada longitudinalmente.
Figura 1 - Abordagem da pele foi transversal no dorso da articulação
metacarpofalângica e tenotomia limitada longitudinalmente.
A redução é realizada de maneira fechada e um fio guia (1,1 mm) é introduzido
axialmente e retrogradamente a partir do setor dorsal da cabeça do metacarpo,
acessando o canal endomedular; o comprimento do parafuso e da rosca são medidos
e selecionados.
Com uma broca canulada, a cabeça do metacarpo é perfurada para a passagem do
parafuso até o canal medular.
Finalmente, sem remover o fio guia, o parafuso selecionado é introduzido de forma
retrógrada (Figura 2). Em todos os casos
foi utilizado o parafuso 3.0 de 40 mm. O procedimento desde a introdução do fio
guia até a inserção do parafuso é realizado sob fluoroscopia.
Figura 2 - A: Um fio guia (1,1 mm) é introduzido axialmente e
retrogradamente; B: Parafuso é introduzido de forma
retrógrada.
Figura 2 - A: Um fio guia (1,1 mm) é introduzido axialmente e
retrogradamente; B: Parafuso é introduzido de forma
retrógrada.
O material de osteossíntese utilizado foi DePuy Synthes em todos os casos.
Pós-operatório
No pós-operatório, a bandagem de algodão é mantida por 3 a 5 dias, permitindo
mobilização precoce.
Acompanhamento
O acompanhamento dos pacientes foi clínico e por meio de radiografias periódicas,
durante seis meses, pela mesma equipe de cirurgia plástica, avaliando: função
(boa, regular ou ruim), tempo de reinserção ao trabalho (em dias) e presença
de
complicações (hematoma, infecção, deiscência, deslocamento, má união, atraso
na
consolidação).
Ética
O trabalho foi realizado sob a regulamentação do Comitê de Ética do Hospital das
Clínicas.
RESULTADOS
Um total de seis pacientes com sete fraturas do MC foram tratados. Todos eram adultos
com maturidade esquelética. A maioria era do sexo masculino, sendo o V MC o mais
frequentemente acometido. Os dados demográficos e as características das fraturas
estão incluídos na Tabela 1.
Tabela 1 - Dados demográficos e as características das fraturas.
Paciente |
Sexo |
Idade |
Mão habilidosa |
Mão afetada |
Mc |
Topografía |
Geometría |
1 |
M |
25 |
I |
i |
IV y V |
IV diafise média y V pescoço |
Oblíquo curto |
2 |
M |
32 |
I |
I |
I |
Diafise média |
Transversal |
3 |
M |
33 |
D |
D |
IV |
Diafise média |
Transversal |
4 |
M |
38 |
D |
D |
v |
Diafise média |
Tansversal |
5 |
F |
18 |
I |
I |
V |
Pescoço |
Oblíquo curto |
6 |
M |
42 |
D |
D |
II |
Diafise média |
Transversal |
Tabela 1 - Dados demográficos e as características das fraturas.
Não tivemos complicações intraoperatórias.
A função foi boa em cinco casos e regular em um caso. O tempo de reinserção ao
trabalho foi de 20 a 40 dias. Não houve complicações (Tabela 2).
Tabela 2 - Resultados.
Paciente |
Acompanhamento (meses) |
Função |
Tempo de reinserção ao trabalho |
Complicações |
1 |
5 |
Boa |
28 |
No |
2 |
4 |
Boa |
21 |
No |
3 |
6 |
Boa |
15 |
No |
4 |
6 |
Boa |
40 |
No |
5 |
5 |
Boa |
30 |
No |
6 |
6 |
Regular |
21 |
No |
Dois casos clínicos são ilustrados nas Figuras 3
e 4.
Figura 3 - Caso 1. A: Pré-operatório; B:
Pós-operatório.
Figura 3 - Caso 1. A: Pré-operatório; B:
Pós-operatório.
Figura 4 - Caso 1. Quinto dia pós-operatório. A: Extensão total;
B: Flexão total; C: Bom alinhamento.
Figura 4 - Caso 1. Quinto dia pós-operatório. A: Extensão total;
B: Flexão total; C: Bom alinhamento.
DISCUSSÃO
Importância do tema: as fraturas do MC são 10% de todas as fraturas dos membros
superiores. Com incidência nos EUA de 13,7 por cada 100.000 habitantes por ano8,9, afeta principalmente homens entre 10 e 29 anos de idade.
Nos últimos anos, novas técnicas têm sido desenvolvidas para o tratamento cirúrgico
dessas fraturas, como a fixação com parafusos sem cabeça canulados intramedulares
de
compressão. A técnica de fixação intramedular do MC tem a sua origem nos trabalhos
de Lord, que descreviam como vantagem a reintegração precoce ao trabalho10.
Posteriormente, Foucher modificou a técnica, descrevendo o método “Bouchet”, que
consiste na introdução de três fios de Kirschner longitudinais intramedulares
de
maneira divergente; a partir dela se descrevem múltiplas modificações com resultados
satisfatórios, destacando o curto tempo operatório e as baixas taxas de
complicações11. Boulton relata um caso de
fixação de fratura do metacarpo por meio de parafuso intramedular5, dispositivo previamente publicado por Herbert
e Fisher para fraturas do carpo12.
Os resultados favoráveis observados em nosso trabalho coincidem com as vantagens
publicadas por outros autores1,3,4. Embora a bibliografia não seja
concludente, alguns autores sugerem que, do ponto de vista biomecânico, a fixação
das fraturas do colo do metacarpo é mais estável com parafusos canulados
endomedulares que a fixação com fios de Kirschner13. Da mesma forma, autores como Del Piñal consideram que, embora o tipo
de estabilidade desse tipo de fixação não esteja determinado, há evidências
tomográficas que, em alguns dos casos, a ossificação direta é alcançada4.
Por outro lado, algumas desvantagens também foram descritas, como o comprometimento
articular do ponto de inserção; no entanto, a colocação dorsal deixa esse defeito
em
uma área de baixa demanda mecânica e o diâmetro do parafuso representa uma pequena
porção da superfície articular do metacarpo14. Ainda não há relatórios de complicações como dor na articulação
metacarpofalângica ou artrose, devido à novidade da técnica e à escassa publicação
dos resultados15. A má escolha do material
poderia levar à reinserção repetida, perdendo as propriedades de compressão16.
Embora o resultado observado em nossa experiência seja satisfatório, continuamos a
aumentar o número de casos para gerar evidências significativas do uso dessa técnica
em nosso meio. Vemos como vantagem a curta curva de aprendizado e a
reprodutibilidade da técnica no Hospital Universitário.
CONCLUSÃO
A fixação das fraturas do metacarpo por meio do uso de parafusos sem cabeça canulados
de compressão parece ser uma boa alternativa para os traços oblíquos curtos ou
transversais, fornecendo uma adequada estabilidade e permitindo mobilização precoce,
com boa reabilitação funcional. Embora em nossa experiência o resultado seja bom,
é
necessário aumentar o número de casos e um acompanhamento de longo prazo para
gerar
evidências significativas do uso dessa técnica em nosso meio.
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tornillos centromedulares canulados para fracturas de metacarpianos. Acta
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1. Universidade da República, Montevidéu,
Uruguai.
Endereço Autor: Camilo Prego Husares, nº 3521 -
Montevideo, MVD, Uruguay CEP 11700 E-mail:
camilopregom@gmail.com