INTRODUÇÃO
O nariz, sendo uma das estruturas faciais mais proeminentes e visíveis, levanta
numerosos e complexos problemas reconstrutivos na cirurgia plástica, considerando
que as perdas de substância incluem com frequência estruturas extracutâneas, como
músculo, cartilagem, mucosa endonasal e, eventualmente, osso1,2. Podem ser
decorrentes de trauma ou das mais variadas condições clínicas, principalmente os
tumores de pele.
Entre as várias opções de retalhos cutâneos para reconstrução de ponta nasal, está
o
retalho randomizado de Rintala, também conhecido como retalho em U ou avançamento
de
pedículo único, descrito em 1969, por Rintala e Asko Seljavaara, que possui uma
forma simples consistindo em um retalho de avançamento retangular central com
excisão dos triângulos de Burow de cada lado do pedículo na altura da glabela3,4. Além disso, há o retalho médio-frontal, também conhecido como retalho
indiano, pela sua origem na Índia antiga nos anos 1000 a 500 a.C., que é utilizado
até hoje, com o devido aperfeiçoamento técnico, consistindo em um retalho axial
baseado nas artérias supratrocleares, considerado uma excelente opção para
reconstrução de defeitos nasais3,5.
OBJETIVO
O presente estudo tem por objetivo relatar o manejo de um caso de reconstrução nasal
após mordida de cachorro, sua evolução clínica e complicações.
MÉTODO
Paciente AT, 63 anos, feminino, tabagista crônica, procedente da cidade de
Florianópolis, SC, deu entrada no HU Polydoro Ernani de São Thiago após lesão por
mordida de pit-bull na região da ponta nasal (Figura 1). O primeiro manejo foi realizado com lavagem abundante com sabão
degermante e soro fisiológico 0,9%, vacina antitetânica; e foi iniciada
antibioticoterapia empírica. Após utilização de curativos por três dias, visando a
redução da contagem bacteriana, por se tratar a mordida canina de um ferimento
contaminado, a paciente foi submetida a um procedimento de reconstrução. No primeiro
momento foi optado pela realização do retalho de Rintala, em virtude da aparente
contração do defeito primário na ponta nasal, e capacidade do mesmo em cobrir tal
falha (Figura 2). Foram acrescidos ainda pontos
de reposicionamento da cartilagem alar esquerda e septal para reestruturação do
dômus nasal. Por se tratar de um tipo de retalho randomizado com avanço a partir da
glabela e dorso nasal não baseado em nenhuma artéria específica, a paciente evoluiu
com necrose da região da ponta nasal no 1º dia pós-operatório (Figura 3). Optou-se por observação para delimitação da área
total de necrose do retalho e sem sinais de infecção secundária, após 7 dias, foi
realizado desbridamento total da região, e, logo, a mesma foi submetida a novo
procedimento: retalho paramediano frontal, o qual se eleva tecido da linha média com
pedículo vascular baseado nos vasos supratrocleares; cuja base do corte foi
delimitada a partir da altura da sobrancelha obliquamente até a linha de implantação
capilar (Figura 4).
Figura 1 - Lesão no período pré-operatório.
Figura 1 - Lesão no período pré-operatório.
Figura 2 - Tempos cirúrgicos do primeiro procedimento (retalho de
Rintala).
Figura 2 - Tempos cirúrgicos do primeiro procedimento (retalho de
Rintala).
Figura 3 - Evolução de necrose em porção distal no 2º dia PO.
Figura 3 - Evolução de necrose em porção distal no 2º dia PO.
Figura 4 - Área de defeito completo e desenho do retalho médio-frontal.
Figura 4 - Área de defeito completo e desenho do retalho médio-frontal.
RESULTADOS
A paciente permaneceu durante mais três dias internada com excelente viabilidade do
retalho. Manteve-se a realização de curativos diários, tendo sido realizado o
segundo tempo cirúrgico 30 dias após, aguardando a devida autonomização do retalho,
para secção segura do pedículo e refinamento (Figura 5). Com resultado estético satisfatório e sem queixas funcionais (Figura 6).
Figura 5 - Período de autonomização do retalho.
Figura 5 - Período de autonomização do retalho.
Figura 6 - Pós-operatório de 6 meses do 2º procedimento.
Figura 6 - Pós-operatório de 6 meses do 2º procedimento.
DISCUSSÃO
A reconstrução de defeitos cirúrgicos da ponta nasal coloca dificuldades particulares
dada a sua forma tridimensional e a área limitada de onde mobilizar pele que tenha
características semelhantes (em termos de espessura, cor e composição dos
anexos)1.
Com relação ao caso abordado, o retalho de Rintala é considerado um dos procedimentos
preferenciais em defeitos menores com acometimento da ponta nasal pela sua
realização em tempo único; porém, por não possuir sustentáculo em uma artéria
específica, violou o aporte sanguíneo necessário para vascularização da ponta nasal
no caso reportado, bem como o fato de não ter sido respeitada a proporção de 1:3 da
largura da base do pedículo em relação ao tamanho do retalho, fatores esses que
correlacionados induziram necrose da porção distal do retalho3.
É imprescindível relatar que, associada a esses fatores, a condição da paciente ser
tabagista crônica foi fator preponderante indutivo da necrose, devido aos danos que
o tabagismo promove aos vasos capilares, interferindo diretamente na oxigenação,
cicatrização e regeneração dos tecidos.
Por sua vez, o retalho médio-frontal, baseado no pedículo vascular da artéria
supratroclear, mostrou-se, mais uma vez, opção essencial quando estão presentes
defeitos cirúrgicos extensos e profundos com comprometimento de ponta nasal, dorso
e, eventualmente, columela5. Essa abordagem
costuma apresentar resultado estético excelente em longo prazo, com o incômodo da
manutenção do retalho pediculado e realização do procedimento em dois tempos
cirúrgicos ou mais, com pelo menos três semanas de intervalo entre eles, para
autonomização do retalho. No caso reportado, foi essencial o conhecimento das opções
terapêuticas e a preservação das artérias supratrocleares no transoperatório da
primeira cirurgia, uma vez que o retalho médio frontal torna-se uma opção de resgate
em casos de perda do fragmento previamente planejado e só é viável tendo em pauta
a
preservação desse pedículo sob qualquer circunstância de procedimento realizado. Foi
possível cobrir um defeito ainda maior após a necrose do primeiro retalho.
CONCLUSÃO
O retalho médio frontal segue sendo uma excelente opção para reconstrução de extensos
defeitos nasais, com ótimo resultado estético em longo prazo e técnica reprodutível.
Deve-se sempre ter em mente a anatomia da região frontal e preservação de artérias
supratrocleares e supraorbitais mesmo quando da utilização de outros retalhos, uma
vez que ele geralmente se torna opção de resgate em casos de insucesso de outros
procedimentos.
REFERÊNCIAS
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do nariz. MS thesis; 2010.
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Clin Plast Surg. 2009; 36(3):407-20. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cps.2009.02.004
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35(5):577-81. DOI: https://doi.org/10.1016/j.amjoto.2014.06.002
4. Blandini D, Tremolada C, Beretta M, Mascetti M. Use of a versatile
axial dorsonasal musculocutaneous flap in repair of the nasal lobule. Plast
Reconstr Surg. 1996; 98(2):260-8. DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-199608000-00007
5. Costa MJM. Versatilidade do retalho médio-frontal nas reconstruções
faciais. Rev Bras Cir Plást. 2016; 31(4):474-80.
1. Hospital Universitário, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
Endereço Autor: Celto Pedro Dalla Vecchia Junior
Rua Professora Maria Flora Pausewang, s/nº - Trindade, Florianópolis, SC, Brasil
CEP 88036-800 E-mail: celtodv@yahoo.com.br