INTRODUÇÃO
A síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (MRKH) é caracterizada por aplasia
congênita da vagina com possível ausência simultânea de útero e/ou trompas de
falópio e normal desenvolvimento de características sexuais secundárias. A
prevalência da síndrome de MRKH é de 1 em 5.000 nascimentos vivos do sexo feminino.
O diagnóstico é tipicamente estabelecido durante a adolescência quando as pacientes
apresentam amenorreia primária. A etiologia da síndrome de MRKH permanece
desconhecida1,2. Um dos objetivos do manejo médico e cirúrgico
é construir uma neovagina funcional para a relação sexual. Atualmente, não há
consenso sobre a melhor técnica para atingir esse objetivo3, porém o Comitê Americano de Obstetras e Ginecologistas
recomenda o tratamento não cirúrgico da autodilatação com dilatação perineal
progressiva como terapia de primeira linha, já que é minimamente invasivo4, e pode ser eficaz para muitos pacientes. No
entanto, para pacientes nos quais o tratamento não cirúrgico é malsucedido, a
cirurgia para criar uma neovagina pode ser considerada. Várias técnicas cirúrgicas
para a agenesia vaginal incluem a técnica de vaginoplastia McIndoe usando um
aloenxerto splitskin5,6, vaginoplastia
intestinal de Baldwin, vaginoplastia peritoneal de Davydov, e vulvavaginoplastia de
Williams7 ou aloenxerto com tração de
Vecchietti8.
OBJETIVO
Demonstrar a técnica de reconstrução da vagina no adulto por meio do uso do
autoenxerto e comparar com outras técnicas existentes.
MÉTODO
Relato de caso sobre agenesia vaginal por síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser
e reconstrução vaginal secundária com a técnica de McIndoe e revisão de outras
técnicas para comparação.
RESULTADOS
Relato de caso
Paciente de 29 anos, com ansiedade, púrpura trombocitopênica idiopática e
situs inversus totalis, foi também diagnosticada com
agenesia mulleriana (útero, tubas uterinas e vagina). A paciente apresentava
características secundárias femininas, cariótipo 44 + XX, ovários tópicos e
perfil hormonal dentro do esperado para a idade. Aos 19 anos, foi submetida a
uma neovaginoplastia, utilizando retalhos locais da região da vulva, sem
sucesso. Demonstrou vontade de realizar novo procedimento 10 anos depois e, com
o exame de ressonância magnética (RM) (Figura 1), foi confirmada a ausência de canal vaginal a partir da região do
introito vaginal. A cirurgia consistiu na reconstrução do canal vaginal por meio
da enxertia de pele de espessura total, obtida da região abdominal inferior
(Figura 2), o que permitiu o fechamento
por primeira intenção da região doadora. Após a colocação do cateter de Foley e
o exame cuidadoso do períneo (Figura 3) e
do reto, foi feita uma incisão transversal de 3 cm com um bisturi entre o reto e
a vagina. Usando com cuidado dissecção romba progressiva e meticulosa e exames
retais intermitentes para identificar a localização e evitar lesões do tecido
retal, foi criado um lúmen neovaginal sem lesão do reto ou da bexiga (Figura 4). A hemostasia foi mantida durante a
dissecção por cautério e suturas. Na área receptora, o enxerto de pele foi
fixado por meio de molde de espuma de poliuretano embebido em solução iodada
(Figura 5), que permaneceu no local por
sete dias. Antes da retirada do molde foi realizada RM, que confirmou a extensão
prevista do canal vaginal, de 8 cm. Após 15 dias, foi realizada colposcopia para
acompanhamento do enxerto, que mostrava completa integração à região. O enxerto
ainda foi acompanhado por meio de colposcopias a cada 30 dias, durante um ano.
Apesar de previstas durante a avaliação pré-operatória, não houve necessidade de
nenhuma sessão de dilatação.
Figura 1 - RM prévia ao procedimento.
Figura 1 - RM prévia ao procedimento.
Figura 2 - Área doadora do enxerto.
Figura 2 - Área doadora do enxerto.
Figura 3 - Criação de lúmen neovaginal.
Figura 3 - Criação de lúmen neovaginal.
Figura 4 - Enxerto de pele fixado em espuma de poliuretano e fixação na área
doadora.
Figura 4 - Enxerto de pele fixado em espuma de poliuretano e fixação na área
doadora.
Figura 5 - RM após o procedimento.
Figura 5 - RM após o procedimento.
DISCUSSÃO
A agenesia vaginal na síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser pode ser tratada
por
várias cirurgias ou dilatação. A escolha ainda depende das preferências do
cirurgião, e não de estudos comparativos de qualidade e protocolos validados9. Dentro das possíveis técnicas encontra-se o
procedimento de Vecchietti, ou vaginoplastia de tração, que não requer enxerto de
tecido externo e pode ser realizado por laparoscopia; no entanto, o procedimento
traz complicações potenciais relacionadas aos fios de tração colocados no espaço
vesicorretal e possível prolapso vaginal posterior5,8. A técnica de
Davydov em três estágios envolve mobilização abdominal de peritônio, fixação do
peritônio ao introito vaginal e fechamento que sutura o topo da nova vagina10. Enquanto o procedimento de Davydov é
vantajoso em relação à granulação e cicatrização na neovagina, o tecido neovaginal
não tem lubrificação e o procedimento acarreta o risco de lesão intestinal e da
bexiga5. A vaginoplastia intestinal
normalmente usa cólon sigmoide e fornece tecido lubrificado com excelente suprimento
sanguíneo; entretanto, o procedimento requer anastomose intestinal e tem morbidade
associada, incluindo corrimento vaginal significativo, íleo pós-operatório,
obstrução intestinal, ulceração intestinal, risco de malignidade e
colite5,11,12. O procedimento de McIndoe permite uma abordagem
vaginal para criar a neovagina. Vários tipos de material de enxerto têm sido
utilizados para a técnica de McIndoe, incluindo enxertos autólogos de pele,
tipicamente das nádegas ou da coxa, âmnio, Interceed (Ethicon Inc. Somerville, NJ),
peritônio (procedimento de Davydov) tecido vaginal autólogo in
vitro e retalhos miocutâneos labiais ou grácil13-15. Nesse
caso, modificamos a área doadora, sendo o abdome, permitindo fechamento primário e
cicatriz discreta. Com o objetivo de evitar a estenose e conseguir uma fixação
adequada do enxerto na área receptora e evitar o cisalhamento, utilizamos uma espuma
de poliuretano. Vários materiais têm sido usados nas últimas décadas para fazer
esses moldes vaginais: um molde de preservativo cheio de algodão, um saco de
polietileno preenchido com lã de vidro, um stent vaginal inflável,
um molde de preservativo expansível a vácuo, Surgi-Stuf, material ORFIT “S”, um
molde de poliestireno16. Com essa técnica
cirúrgica conseguimos uma neovagina anatômica e funcionalmente adequada. Um estudo
recente de coorte histórico que investigou uma coorte nacional de pacientes
diagnosticados com síndrome MRKH na Dinamarca não demonstrou diferença significativa
no resultado anatômico entre o tratamento com dilatação e a técnica de McIndoe,
confirmando a importância desse procedimento como tratamento da agenesia
vaginal1.
CONCLUSÃO
Devido às típicas alterações anatômicas e à impossibilidade de gestar, a síndrome
de
Rokitansky gera nas pacientes ansiedade e sofrimento psicológico que impactam na
qualidade de vida. O tratamento cirúrgico tem como objetivos estabelecer a anatomia
normal e proporcionar funcionalidade à região vaginal. Os resultados do tratamento,
porém, vão muito além disso, pois devolvem às pacientes seu senso de feminilidade
e
autoconfiança.
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1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Rio
Grande do Sul, RS, Brasil.
3. Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
Endereço Autor: Miguel Enrique Rivera Gomez Av
Ipiranga, nº 3377 apto 708 - Bairro, Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90610-001
E-mail: miguelrivera_16@hotmail.com