INTRODUÇÃO
O carcinoma basocelular (CBC) é o câncer mais frequente, com um incremento na sua
incidência nas últimas décadas1.
Noventa por cento está localizado na cabeça e no pescoço, e somente 10% afeta as
pálpebras. Dentro dessa topografia, é a neoplasia maligna mais frequente,
representando 83% dos tumores2.
O CBC caracteriza-se pela invasão local, com reduzida disseminação linfática e
excepcionalmente produz metástase3-5.
A nível da pálpebra, a invasão orbitária é pouco frequente, de 0,8 a 5,5%5 e seu compromisso pode implicar tratamentos
cirúrgicos mutilantes como a exenteração orbitária. O CBC é causa de 7% das
exenterações, que consistem na excisão total de todos os tecidos moles da órbita,
incluídos pálpebras, globo ocular, gordura orbitária, musculatura extraocular,
glándula lacrimal, vasos, nervos e periósteo orbitário, gerando importantes sequelas
funcionais, psicológicas e estéticas6.
Vamos focalizar a importância da localização nas pálpebras, dado o aumento na sua
incidência1 e suas variadas formas de
expressão clínica; sendo uma topografia com risco de invasão orbitária e possível
indicação de exenteração.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é descrever o processo diagnóstico e terapêutico do CBC
nas
pálpebras, com indicação de exenteração, por meio de casos clínicos do Hospital
Universitário.
MÉTODO
Apresentaremos dois casos clínicos atendidos na Cátedra de Cirurgia Plástica,
Reconstrutora e Estética do Hospital Universitário em 2015 e 2018, com diagnóstico
de CBC na pálpebra, estágio IV7, em que foi
indicada como tratamento a exenteração orbitária e a reconstrução com retalhos
locorregionais.
Foram registrados o tipo e o estágio do tumor com base na 8ª edição do AJCC, o método
de reconstrução, as complicações, a recidiva local e o resultado estético de acordo
com a equipe cirúrgica (ruim, aceitável, bom, muito bom).
O trabalho foi realizado de acordo com as normas do Comitê de Ética do Hospital das
Clínicas.
RESULTADOS
Caso clínico 1
Sexo masculino, 70 anos, monorreno por câncer renal. Consulta com a equipe de
oftalmologia do Hospital das Clínicas por epífora e tumoração de 1 ano de
evolução (Figura 1). No exame, viu-se
tumoração na pálpebra superior no nível do canto externo do olho esquerdo, com
bordas irregulares, 5 mm de diâmetro, arredondada, com bordas peroladas, com
telangiectasias na superfície, fixadas a um plano profundo, indolor.
Figura 1 - Tumor de pálpebra no canto superior externo.
Figura 1 - Tumor de pálpebra no canto superior externo.
A anatomia patológica da lesão relata infiltração no epitelioma basocelular. A
ressonância magnética nuclear (RMN) evidenciou tumoração hipointensa em T1,
hiperintensa em T2, de 20 mm × 6 mm. Estende-se a nível pós-septal,
intraorbitário extraconal, sem plano de separação claro da glândula lacrimal.
Tem contato com os músculos reto superior e lateral (Figura 2).
Figura 2 - Tumor com comprometimento do músculo reto superior.
Figura 2 - Tumor com comprometimento do músculo reto superior.
O tratamento cirúrgico é realizado por uma equipe de oftalmologia, por meio de
exenteração com critério curativo, e reconstrução do defeito criado pelo retalho
locorregional muscular de transposição do músculo temporal (Figura 3).
Figura 3 - Reconstrução com retalho muscular temporal.
Figura 3 - Reconstrução com retalho muscular temporal.
Caso clínico 2
Sexo feminino, 67 anos, não autossuficiente, doença de Parkinson. Apresenta uma
tumoração com 5 anos de evolução no canto interno esquerdo e na raiz nasal
(Figura 4).
Figura 4 - Tumor de canto interno e da base nasal.
Figura 4 - Tumor de canto interno e da base nasal.
A anatomia patológica da lesão informa carcinoma basocelular nodular.
A RMN mostra lesão tumoral focal com evidência de invasão óssea subjacente.
Realiza-se exenteração (Figura 5) e
reconstrução com retalho do músculo temporal e retalho dermogorduroso frontal
para cobertura, com enxerto da área doadora (Figura 6).
Figura 5 - Exenteração de órbita.
Figura 5 - Exenteração de órbita.
Figura 6 - Reconstrução com retalho dermogorduroso frontal e enxerto de área
doadora.
Figura 6 - Reconstrução com retalho dermogorduroso frontal e enxerto de área
doadora.
Não houve complicações nem recidiva local 1 ano após a cirurgia. O resultado
estético foi aceitável.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
O câncer de pele é o mais frequente em humanos, sendo um terço de todas as neoplasias
malignas. É mais frequente em homens entre 50-70 anos e em mulheres de 60 anos1.
Existem dois grupos principais: melanoma de câncer de pele (CCM) e o não melanoma
(CCNM), que inclui carcinomas espinocelulares (CEC) e carcinomas basocelulares
(CBC)2. O CBC surge de células
pluripotentes da zona basal da epiderme. É o câncer de pele mais frequente, com
predomínio de 90% na cabeça e no pescoço, e 10% está localizado na pálpebra1.
Caracteriza-se por um crescimento lento, com pouca disseminação linfática (entre
0,0028% e 0,5%) e excepcionalmente metastático; embora apresente invasão local
agressiva, com morbidade significativa em certos casos, uma vez instituído o
tratamento adequado, o prognóstico é favorável1.
Clinicamente, o CBC da pálpebra caracteriza-se por aparecer como um nódulo visível
na
maioria dos pacientes, sendo na minoria dos casos uma lesão pouco evidente6.
Em relação à invasão orbitária, os fatores de risco são o sexo masculino (dado que
o
sexo feminino está associado a uma maior probabilidade de regressão); as regiões
lateral e medial do canto pela proximidade da pele ao periósteo nessas regiões; o
tamanho inicial do tumor, dado que tumores maiores no momento do diagnóstico estão
associados a uma taxa de crescimento rápida, com menor probabilidade de regressão
que os menores; tumores recorrentes, por serem mais agressivos; e a idade
avançada6,8.
Nos casos de invasão orbitária, 30% a 40% apresentam alterações na motilidade ocular,
a mesma percentagem apresenta evidência de invasão óssea na imagiologia, 17%
distopia, 60% epífora por invasão canalicular8. A alta prevalência de invasão canalicular deve-se ao fato de que a
topografia que mais frequentemente invade o CBC é o canto interno do olho.
Deve-se observar que aproximadamente 33% dos pacientes não apresentam elementos
clínicos de invasão. Portanto, a suspeita clínica e a confirmação por imagiologia
são fundamentais para o diagnóstico6.
Quanto aos estudos de imagem, a tomografia computadorizada (TC) com janelas ósseas
é
uma boa técnica para visualizar a invasão óssea, enquanto a RMN é padrão-ouro para
o
diagnóstico de alterações nos tecidos moles e, possivelmente, invasão perineural.
A
imagiologia pode não garantir a ausência de invasão profunda, uma vez que muitos
pacientes com invasão perineural sintomática não têm evidências de imagiologia da
doença; no entanto, devemos enfatizar que ela pode sim detectar recidivas precoces,
em que o tecido cicatricial dificulta a avaliação da recorrência superficial.
No que diz respeito ao tratamento, em alguns dos casos é necessário realizar
procedimentos mutilantes, como exenteração orbitária e intervenção oncológica
radical. Isso pode estar associado à radioterapia adjuvante, nos casos em que as
margens não são claras, em tumores agressivos de alto risco com invasão perineural
ou em tumores inoperáveis residuais. Sete por cento das exenterações são por CBC
periorbitais6.
A exenteração diferencia-se da evisceração, em que se extrai o conteúdo intraocular,
deixando a esclera, a conjuntiva e os músculos; e da enucleação, em que são
removidos o globo ocular em sua totalidade e parte do nervo óptico, mantendo a
conjuntiva, a fáscia de Tenon e os músculos extraoculares9,10.
A exenteração é indicada principalmente em casos de acometimento ocular ou periocular
com disseminação conjuntival, conteúdo orbitário ou seios periorbitais. A indicação
mais frequente é em tumores cutâneos, sendo outras causas o acometimento dos anexos
oculares, ou a nível dos seios frontais, podendo afetar as estruturas
intraorbitárias e ser necessária a exenteração10.
As complicações desse procedimento acontecem em menos de 25% dos pacientes e incluem
formação de fístulas no nariz, canal dos seios frontais ou nasolacrimal, necrose dos
tecidos com formação de escaras, infecção crônica, ossos expostos cronicamente,
perda de líquido cefalorraquidiano e dor8,11.
Comparando a taxa de recorrência em três grupos de pacientes: com exenteração, com
exenteração e radioterapia e somente com radioterapia, conclui-se que os dois
primeiros grupos apresentam a mesma porcentagem de recidiva, sendo maior no grupo
tratado somente com radioterapia8,11.
A reconstrução desses defeitos é um desafio para nossa especialidade; a nível dos
tecidos moles orbitários devem utilizar-se tecidos bem vascularizados que cubram a
superfície afetada, com quantidade suficiente de tecido para a reconstrução do
volume orbitário, bem como dos tecidos periorbitais, e fornecer um saco conjuntival
resistente que possa suportar o encaixe de uma prótese.
Geralmente envolve o uso de enxertos de pele de espessura parcial, retalhos
musculares temporários ou retalhos livres, embora nos casos em que as paredes
orbitárias estejam intactas, a cicatrização por segunda intenção também seja uma
opção. O uso do músculo temporal transposto em direção à cavidade orbitária é uma
opção frequente e efetiva utilizada como preenchimento, permitindo diminuir a
profundidade do defeito12,13.
CONCLUSÕES
O CBC é o tumor maligno mais frequente na pálpebra. Apesar de ter baixa mortalidade
devido à pouca distribuição linfática e capacidade de metastáse, apresenta um
crescimento local agressivo com risco de repercussões devido ao comprometimento dos
tecidos profundos.
O CBC de pálpebra apresenta baixo índice de invasão orbitária, sem evidência clínica
em 33% dos casos. Como complemento diagnóstico, a RMN é proposta como padrão-ouro
para avaliar a invasão local.
Nos casos de invasão orbitária, a exenteração pode ser um tratamento cirúrgico
radical oncológico, gerando grandes repercussões funcionais, psicológicas e
estéticas para o paciente. É necessário conhecer a biologia do tumor e as diretrizes
diagnósticas e terapêuticas para um tratamento precoce e eficaz.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Dr. Barbieri pelo caso clínico 2.
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Endereço Autor: Melizza Colello Gomez Avenida
Italia, s/nº - Ciudad de Montevideo, Uruguai CEP 11600 E-mail:
melicolello@hotmail.com