INTRODUÇÃO
A maior conscientização dos indivíduos transgêneros, com uma maior aceitação dentro
da sociedade, levou a uma maior demanda por serviços de cirurgia plástica que
realizem a mastectomia masculinizadora1.
Nos Estados Unidos há uma maior conscientização das necessidades médicas dessa
população, levando a um maior desenvolvimento e avanço de várias técnicas de
mastectomia masculinizadora, constituindo um campo crescente dentro da cirurgia
plástica1.
A mastectomia masculinizadora é geralmente o primeiro e indiscutivelmente o
procedimento cirúrgico mais importante para o transexual feminino para
masculino2.
Os indivíduos transexuais femininos que visam fazer a transição de sexo para o
masculinos frequentemente procuram a fazer a cirurgia de mastectomia bilateral
masculinizadora com reconstrução da parede torácica. É uma das primeiras e mais
importantes cirurgias procuradas por pacientes transmasculinos e não binários, por
ser um tipo de cirurgia de afirmação de gênero e parte de sua transição, além de
ajudar no tratamento da disforia de gênero3,4.
A obtenção de um contorno torácico masculino permite aos indivíduos transmasculinos
e
não binários se sentirem mais confiantes nos relacionamentos pessoais e interações
sociais, autoafirmação de identidade e confortáveis em seu corpo, pois possibilita
identificar-se, melhorando a autoconfiança e a autoestima, conferindo maior sensação
de segurança e, assim, apresentando um impacto positivo em suas vidas e evitando
sequelas psicossociais4,5.
No Brasil, a literatura e as técnicas para mastectomia masculinizadora na área da
cirurgia plástica ainda são bastante escassas e trata-se de uma área ainda pouco
explorada e em desenvolvimento.
OBJETIVO
Descrever uma técnica de mastectomia masculinizadora (FTM) a partir de uma
interpretação pessoal.
MÉTODO
A técnica foi realizada em dois pacientes, sendo um do sexo feminino que desejava
masculinização e outro em paciente do sexo masculino que apresentava ginecomastia;
todos os pacientes foram submetidos a adenomastectomia e reconstruídas imediatamente
por meio de redução de envelope cutâneo. Para realizar a técnica, os pacientes
possuíam mamas de pequeno e médio porte, grau II e grau III de ptose em
ginecomastia. O complexo aréolo-papilar (CAP) foi preservado e reposicionado
superiormente no novo ponto (A), sendo realizada decorticação do retalho cutâneo
superior em ilha e fixado após reposicionamento (Figura 1). Foram selecionados um paciente feminino transexual que estava
em tratamento hormonal e um masculino que apresentava ginecomastia grau III.
Figura 1 - Incisão circular do ponto A para o reposicionamento CAP.
Figura 1 - Incisão circular do ponto A para o reposicionamento CAP.
Técnica cirúrgica
Foi realizada a marcação pré-operatória com a paciente em pé, e marcação do ponto
A de forma convencional por meio da manobra bidigital (Figura 2). Após, são marcados a linha média, o meridiano
mamário, marca-se uma elipse infra-areolar até o sulco inframamário, e então são
marcadas as áreas a serem lipoaspiradas em regiões axilares e mediais das mamas.
É realizada marcação circular no limite superior do ponto a de 2 cm.
Inicialmente realizamos infiltração com solução padrão, depois lipoaspiramos
(regiões axilares e mediais da mama). Realiza-se incisão da elipse em sulco
mamário e infra-areolar, realizando desepidermização, e também adenomastectomia
e ressecção de todo o polo inferior da mama (Figura 1). No polo superior é mantido o retalho com preservação das
perfurantes, e em seguida é realizada dissecção de um túnel até novo ponto A. É
realizada uma incisão circunferencial na pele de 2 cm superiormente ao ponto A
(Figura 3). Reposiciona-se a aréola em
retalho cutâneo em ilha, fixando com fio náilon 4-0 e 5-0; em seguida se realiza
a colocação de drenos de portovac bilaterais. Após isso, aproximamos o retalho
no sulco inframamário (Figura 4). É
realizada ressecção da papila mamária tanto em diâmetro quanto em comprimento em
três segmentos laterais e aproximando os retalhos com náilon 5-0 curativo com
micropore estéril por 7 dias.
Figura 2 - Marcação pré-operatória, marcação do ponto A.
Figura 2 - Marcação pré-operatória, marcação do ponto A.
Figura 3 - Dissecado o túnel de pele e fixação do CAP ao ponto A.
Figura 3 - Dissecado o túnel de pele e fixação do CAP ao ponto A.
Figura 4 - Cirurgia finalizada.
Figura 4 - Cirurgia finalizada.
RESULTADOS
A técnica apresentada neste estudo visa um melhor resultado estético, mantendo a
cicatriz no sulco mamário, e mantém o polo superior com pedículo vascular superior
preservado para a nutrição da aréola e preservação do CAP (Figura 5). É indicada para mamas de tamanhos pequenos e médio
com ptose grau III.
Figura 5 - Resultado do procedimento após vinte dias.
Figura 5 - Resultado do procedimento após vinte dias.
DISCUSSÃO
A masculinização torácica com mastectomia masculinizadora para transexuais de mulher
para homem geralmente é o primeiro e mais importante passo no processo de
redesignação de gênero. O principal objetivo desse procedimento é obter um contorno
torácico esteticamente agradável com cicatriz mínima.
A cirurgia de mastectomia masculinizadora envolve mais que uma simples mastectomia,
como as utilizadas no tratamento do câncer de mama1,2.
Por causa do tórax feminino subjacente, os pacientes interessados na masculinização
do tórax oferecem desafios únicos aos cirurgiões. Fatores-chave como maior volume
de
mama feminina, maior grau de excesso de pele, qualidade do tecido mamário, ptose e
má qualidade da pele quanto a sua elasticidade e tensão devido a anos de ligação com
a mama e terapia hormonal determinam a técnica ideal e o resultado estético final
positivo2,3,6.
Assim, a técnica é altamente dependente do tamanho da mama, grau de excesso de pele
e
elasticidade, tamanho e posição do NAC6.
A cirurgia de mastectomia masculinizadora requer altos padrões e requisitos estéticos
para alcançar uma aparência masculina aceitável como já foi descrito por Hage e Van
Kesteren (1955)7, que afirmam que para se
obter resultados satisfatórios na cirurgia de mastectomia masculinizadora o
cirurgião deve se atentar para as diferenças entre a anatomia mamária feminina e
masculina, o contorno da parede torácica, a redução do tecido mamário e excesso de
pele, o posicionamento adequado do complexo aréolo-mamilar (NAC), a obliteração do
vinco inframamário e a minimização de cicatrizes da parede torácica.
A paciente desse estudo apresentava uma mama pequena com ptose grau III.
A mastectomia masculinizadora e harmonização da parede torácica do FTM visa criar
um
tórax masculino esteticamente agradável com contornos suaves e com cicatrizes
camufladas. Isso normalmente envolve a remoção do tecido mamário com ou sem redução
da pele, juntamente com o redimensionamento e reposicionamento do complexo areolar
do mamilo (NAC)2,3.
Os objetivos técnicos dessa cirurgia incluem a remoção do tecido mamário e excesso
de
pele, reposicionamento e remodelação do NAC e minimização da cicatrização. Diversas
técnicas são descritas com base no volume mamário, grau de ptose, tamanho e
localização do CAP, posição do sulco inframamário e preferência do paciente5.
A tomada de decisão para a adoção da técnica de mastectomia masculinizadora baseia-se
em múltiplos fatores, como tamanho da mama, quantidade de excesso de pele, grau de
ptose, forma e posição do complexo areolopapilar NAC, especificamente5.
Em nosso estudo também foram adotados os seguintes critérios para a técnica descrita:
mama pequena ou média e grau de ptose III.
Donato e cols. citam entre os vários procedimentos de mastectomia masculinizadora
relatados, as técnicas transareolares, semicirculares, concêntricas circulares,
estendidas concêntricas circulares e mamilares.
Além disso, grande parte do sucesso da criação de um tórax de aparência masculina
depende da localização e da forma do complexo areolopapilar (NAC), que comparado com
os NACs femininos é geralmente menor, mais ovoide e localizado no quarto ou quinta
costela sobre o peitoral5.
A técnica descrita neste estudo pode ser considerada inovadora e difere das demais
descritas na literatura consultada por ter como principais vantagens a manutenção
da
cicatriz no sulco mamário, manutenção do polo superior com pedículo vascular
superior preservado para a nutrição da aréola e preservação do CAP. Essa técnica é
contraindicada para mamas grandes, nas quais se preconiza o enxerto livre de
aréola.
CONCLUSÃO
A técnica descrita neste estudo difere de todas as descritas e apresentadas na
literatura consultadas. A técnica descrita aqui apresentou excelentes resultados
estéticos, mantendo a cicatriz no sulco mamário, conferindo uma melhor camuflagem
das cicatrizes e conferindo ao tórax um aspecto masculino esteticamente agradável
com contornos suaves.
REFERÊNCIAS
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1. Serviço de Residência de Cirurgia Plástica Dr.
Ewaldo Bolivar de Souza Pinto, São Paulo, SP, Brasil.
2. Santos Day Hospital, Santos, SP,
Brasil.
3. Clínica Corpo e Arte Guarujá, Santos, SP,
Brasil
4. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Santos, SP, Brasil
Endereço Autor: Carlos Henrique dos Reis Conte Rua
Monsenhor Paulo Rodrigues, nº 120 - Vila Belmiro, Santos, SP, Brasil CEP
11075-350 E-mail: chrc.med@gmail.com