INTRODUÇÃO
Os tumores de pele não melanoma são a neoplasia mais comum no Brasil e possuem
incidência crescente, com mais de 160 mil casos registrados anualmente no país1. Entre tais tumores, os mais frequentes são o
carcinoma basocelular, chegando a ter prevalência cinco vezes maior que o tipo
epidermoide. Esses tumores são indolentes, porém possuem um potencial significativo
de invasão local e, sem o tratamento adequado, podem acarretar o desenvolvimento de
lesões mais graves e mais invasivas, comprometendo, quando localizados na face, a
funcionalidade, a estética e o plano cirúrgico terapêutico. Nesse aspecto, de acordo
com as diretrizes da National Comprehensive Cancer Network (NCCN), os fatores
considerados relevantes para tumores da face para os fatores que determinam alto
risco de recorrência desse tipo de tumor são: a localização e tamanho da lesão, o
grau de definição das margens, o subtipo histológico tumoral, se a lesão é primária
ou recorrente, se o paciente é imunocompetente ou imunossuprimido, se houve
tratamento radioterápico prévio no sítio da lesão e se há presença de envolvimento
perineural. Dessa forma, seguindo as diretrizes é possível determinar, de acordo com
as características da lesão e do quadro clínico do paciente, a conduta de seguimento
mais adequada para prevenir complicações decorrentes da recorrência tumoral2,3.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo foi investigar as características histológicas e os fatores
envolvidos na recidiva de carcinoma basocelular (CBC) faciais, após remoção
cirúrgica, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, bem como comparar os resultados
com os relatados na literatura médica.
MÉTODO
Foram revisados todos os prontuários consecutivos dos casos de CBCs operados no HCPA
entre Janeiro de 2013 e dezembro de 2014. Os critérios de inclusão no estudo foram
ter cirurgia realizada pelos médicos residentes descrita como exérese e sutura,
exérese e enxerto ou exérese e retalho, realizadas em lesões localizadas na face,
com diagnóstico anatomopatológico de carcinoma basocelular. Já os critérios de
exclusão foram: ampliações de margens ou cirurgia fora do SUS ou perda de
seguimento. Os dados foram coletados retrospectivamente em prontuário eletrônico com
seguimento encerrando-se em Dezembro de 2018. Foram critérios discriminativos os
seguintes: localização em área de risco, o tipo de reconstrução (sutura, enxerto,
retalho), o tamanho da lesão, presença ou não de comprometimento da margem radial
ou
profunda; presença ou não de recidiva; tempo livre de recidiva, tempo de seguimento
sem recidiva e subtipo histológico. Os dados levantados foram analisados
estatisticamente utilizando-se as curvas atuariais de Kaplan-Meier e análise
descritiva, combinada, univariada e multivariada.
RESULTADOS
O total de lesões avaliadas foi de 549. Dez (1,8%) foram excluídas pois não
realizaram seguimento nesse hospital. Dos pacientes, 285 (52%) eram do gênero
feminino e 264 (48%) do masculino. Os tipos de distribuições por áreas de risco da
face estão expostos na Figura 1. A distribuição
dos procedimentos por equipe foi: cirurgia geral, 415 (76%); e cirurgia plástica,
134 (24%). Quanto ao tipo de reconstrução: fechamento primário, 330 (60%); enxerto,
62 (11%); e retalho, 157 (29%). Referente ao maior diâmetro da lesão: < 5 mm – 64
(11%); 5-10 mm – 291 (53%); > 10 mm – 183 (33%). O total das lesões que
apresentaram recidiva foi de 19 (3,5%). Dessas, 15 (78% do total de recidivas) sobre
415 (75,6% das lesões) de áreas de alto risco. Dessa forma, 4 (22% do total das
recividas) sobre 134 (24,4% das lesões) se referem a áreas de baixo risco. Quanto
ao
tamanho da lesão, as recidivas ocorreram com a seguinte distribuição: 4 (21%)
recidivas para 64 (11%) com < 5 mm; 12 (63%) recidivas para 291 (53%) com <
5-10 mm; 3 (15%) recidivas para 183 (33%) com > 10 mm. Dos casos que tiveram
recidiva, 10 (53%) tinham diagnóstico de margens comprometidas e 9 (47%) tinham
margens livres. O tempo médio (DP) até recidiva foi de 18,6 (9) meses e o tempo
máximo foi de até 30 meses. A média de tempo entre a cirurgia e a recidiva foi de
18,6 meses com desvio-padrão de 9 meses. O maior tempo entre a cirurgia e o
diagnóstico foi de 30 meses. O tempo livre de recidiva, que considerou todos os
pacientes até o fim do seguimento ou até a recidiva, teve mediana de 26 meses e
média (DP) de 20,6 (18) meses. Esses e os demais dados histológicos são apresentados
na Tabela 1.
Figura 1 - Distribuição por agrupamento de risco em áreas da face.
Figura 1 - Distribuição por agrupamento de risco em áreas da face.
Tabela 1 - Tempo livre de recidiva × fatores prognósticos.
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Tempo Livre de Recidiva |
Margem Comprometida |
50,1 meses; 95% IC [46,5 - 55,1] p 0,01 |
Margem Livre |
58,6 meses; 95% IC [57,4 - 59,8] p 0,01 |
Área de Alto Risco |
57,4 meses; 95% IC [55,8 - 58,9] p 0,6 |
Área de Baixo Risco |
55,1 meses; 95% IC [52,8 - 57,7] p 0,6 |
Maior Diâmetro < 5 mm |
52,0 meses; 95% IC [47,4 - 56,6] p 0,2 |
Maior Diâmetro 5-10 mm |
54,6 meses; 95% IC [52,8 - 56,4] p 0,2 |
Maior Diâmetro > 10 mm |
59,0 meses; 95% IC [57,3 - 60,7] p 0,2 |
Reconstrução por Fechamento Primário |
57,1 meses; 95% IC [55,3 - 58,9] p 0,5 |
Reconstrução por Enxerto |
56,2 meses; 95% IC [53,8 - 58,6] p 0,5 |
Reconstrução por Retalho |
53,6 meses; 95% IC [51,1 - 56,2] p 0,5 |
Tabela 1 - Tempo livre de recidiva × fatores prognósticos.
DISCUSSÃO
O número de casos de recidivas nessa série foi inferior aos valores médios
(aproximadamente 3,5%) relatados na literatura. Após seguimento de 5 anos, conforme
preconizado pela NCCN (2019), a taxa de recidiva varia de 4% a 10% em geral, mas na
presença de margens livres e ressecções histologicamente adequadas, a taxa de
recorrência é inferior a 2%4. De acordo com a
literatura, casos com margens comprometidas apresentaram significativamente menor
tempo livre de doença e maior número de recidivas. Entretanto, ao contrário do
relatado na literatura, nessa série não se observou diferença estatisticamente
significativa no tempo de recidiva quando comparadas áreas de maior ou menor risco
para recorrência. Quanto ao tempo livre de recidiva com o tamanho da lesão, lesões
menores que 5 mm apresentaram menor tempo livre de recidiva, embora tal resultado
não tenha sido estatisticamente significativo. De acordo com o NCCN 2019, lesões
maiores de 20 mm em áreas de baixo risco e qualquer tamanho em área de alto risco
têm maior risco de recidivar. Assim, a possibilidade de que os residentes possam
estar negligenciando margens maiores e adequadamente livres, para garantir melhor
efeito cosmético em detrimento da segurança na ressecção de lesões pequenas com
menor risco de recidiva, deve ser considerada. Margem de segurança preferencialmente
de 4 mm deve ser ampla como preconizada para lesões em áreas de alto-risco e para
lesões bem delimitadas, nodulares e menores que 20 mm em áreas de baixo-risco, o que
levaria a ressecção histológica completa em mais de 95% das ressecções
primárias5. Ao se comparar o tipo de
reconstrução, houve maior tempo livre de recidiva, embora não tenha sido
estatisticamente significativo, quando a reconstrução foi por enxerto, e então, na
tentativa de evitar margens microscopicamente comprometidas, tendo em vista ser
fundamental, pela dificuldade de realizar ampliação posteriormente de margens e
também por desperdiçar área doadora caso margens comprometidas sejam confirmadas no
exame anatomopatológico, os residentes tendem a mais rigorosamente usar margens de
segurança maiores para ressecção. Margens comprometidas, tanto laterais quanto
profundas, significativamente aumentam o risco para recidiva e diminuem o do tempo
livre de recidiva. Não foram observadas diferenças significativas em relação a
recidiva e tempo livre de doença quando comparadas a áreas de alto risco, ao tamanho
da lesão ou ao tipo de reconstrução.6
CONCLUSÃO
No presente estudo, margens comprometidas foram fator de risco significativamente
aumentado para recidiva e diminuição do tempo livre de recidiva. Não foram
observadas diferenças significativas quanto ao risco de recidiva e tempo livre de
doença, a localização em áreas de alto risco, o tamanho da lesão e o tipo de
reconstrução. Dessa forma, o comprometimento das margens na ressecção do carcinoma
basocelular da face foi o principal fator prognóstico para recidiva nas condições
avaliadas. Além disso, como nenhum paciente apresentou recidiva após 30 meses de
seguimento, sugere-se estabelecer 36 meses como o tempo seguro para diagnosticar
recorrência tumoral em hospitais terciários como essa instituição.
REFERÊNCIAS
1. Instituto Nacional do Câncer. Câncer de Pele não Melanoma. Rio de
Janeiro: Instituto Nacional do Câncer. [citado 2018 nov 23]. Disponível em:
https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-nao-melanoma.
2. National Comprehensive Cancer Network. Basal Cell Skin Cancer
(Version 1.2019). [citado 23 nov 2018]. Disponível em: http://www.nccn.org/professionals/physician_gls.
3. Dubin N, Kopf AW. Multivariate risk score for recurrence of
cutaneous basal cell carcinomas. Arch Dermatol. 1983;
119(5):373-7.
4. Rowe DE, Carroll RJ, Day CL. Long-term recurrence rates in
previously untreated (primary) basal cell carcinoma: implications for patient
follow-up. J Dermatol Surg Oncol. 1989; 15(3):315-28.
5. Wolf DJ, Zitelli JA. Surgical margins for basal cell carcinoma. Arch
Dermatol. 1987; 123:340-4.
6. Gurunluoglu R, Shafighi M, Gardetto A, Piza-Katzer H. Composite Skin
Grafts for Basal Cell Carcinoma Defects of the Nose. Aesthet Plast Surg. 2003;
27(4):286-92. doi:10.1007/s00266-003-3011-4.
1. Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Faculdade de Medicina, Universidade Federal de
Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
3. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto
Alegre, RS, Brasil.
4. Hospital de Clínicas de Porto Alegre,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS,
Brasil.
Endereço Autor: Felipe Ferreira Laranjeira Rua
Ramiro Barcelos, nº 2350 - Santa Cecília, Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90035-007
E-mail: felipelaranjeira@gmail.com