INTRODUÇÃO
Os sarcomas dos tecidos moles (STM) são processos tumorais mesenquimais malignos
originados em tecidos não epiteliais extraesqueléticos, excluindo o sistema
retículo-endotelial, células gliais e tecidos de suporte de alguns órgãos
parenquimatosos.
Eles representam um grupo heterogêneo de tumores que são classificados com base em
sua histologia em relação ao tecido adulto ao qual se assemelham. Eles são
localmente agressivos, com capacidade invasiva ou crescimento destrutivo,
recorrência e metástase à distância, por isso necessitam de cirurgia radical para
garantir uma exérese completa1.
Lipossarcomas representam 15% a 18% de todos os tumores malignos dos tecidos moles,
desenvolvendo-se entre a 4ª e a 5ª década e são mais comuns nos homens que nas
mulheres (1,5:1)2.
OBJETIVO
O objetivo deste artigo é obter conhecimento sobre o lipossarcoma desdiferenciado
da
cabeça e pescoço. Analisaremos a apresentação clínica e o protocolo terapêutico de
um caso assistido no Serviço de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética do
Hospital de Clínicas de Montevidéu.
MÉTODO
Apresentamos um caso assistido pela equipe de cirurgia plástica no Hospital
Universitário em 2018, com diagnóstico de lipossarcoma no couro cabeludo
desdiferenciado, estágio IIA3, no qual foi
indicada como tratamento uma ressecção tumoral extensa com margens oncológicas, e
a
reconstrução temporária do defeito criado. A reconstrução definitiva é considerada
após a conclusão do tratamento adjuvante oncológico. O trabalho foi realizado de
acordo com as normas do Comitê de Ética do Hospital.
RESULTADOS
Caso clínico: uma mulher de 27 anos com história de tumor no couro cabeludo de dois
anos de evolução antes de motivar a consulta. Em outra instituição de saúde, 10
meses antes da consulta em cirurgia plástica, foi realizada uma excisão incompleta,
não estudada a anatomia patológica. Desde então, houve crescimento rápido e
progressivo. No exame físico apresenta uma massa do couro cabeludo de 10 cm de
diâmetro, firme, elástica, móvel e não dolorosa (Figuras 1 e 2). É solicitado um
ultrassom de tecido mole que informa a presença de uma massa de tecido mole do couro
cabeludo, sólido, hipoecoico, de forma ovoide, com setores loculados de 34 mm
× 26 mm × 24 mm, que se extende em profundidade a partir do plano
subcutâneo até a calota, com alta vascularização. O plano muscular é interrompido
na
área da massa, de maneira que a massa parece ter origem nesse plano. A massa é
mobilizada em conjunto durante a contração muscular. Completa-se com RNM que
informa: lesão de tecido mole parietal esquerda, com características benignas,
provavelmente de origem vascular, sem poder descartar outras etiologias. Com
diagnóstico clínico presuntivo de tumor vascular e diferencial de tumor altamente
vascularizado, uma biópsia por exérese da lesão é realizada para estudo
anatomopatológico.
Figura 1 - Vista superior do tumor no intraoperatório.
Figura 1 - Vista superior do tumor no intraoperatório.
Figura 2 - Visão anterior do tumor no intraoperatório.
Figura 2 - Visão anterior do tumor no intraoperatório.
A biópsia da lesão (Figura 3) relata uma lesão
mesenquimal com dois componentes claramente distinguíveis. O primeiro é uma
proliferação mixoide, consistindo em núcleos hipercromáticos com extensões celulares
e outros setores com aparência de adipócitos maduros e lipoblastos.
Figura 3 - Peça ressecada para anatomia patológica.
Figura 3 - Peça ressecada para anatomia patológica.
O segundo componente é hipercelular, composto de células de tamanhos médios a
grandes, com pleomorfismo moderado a grave em áreas de necrose cartográfica com até
11 mitoses em 10 CGA. Foi realizada a imuno-histoquímica, que mostrou na
proliferação positividade para proteína S e vimentina, assim como MDM 2; CD34 foi
negativa, mostrando uma rede plexiforme. O Ki67 foi de até 40%. Em resumo:
lipossarcoma desdiferenciado, originado em um lipossarcoma mixoide de pelo menos 8
× 7 cm. O caso é discutido em conjunto com a equipe de oncologia e os exames
de avaliação para extensão de lesão são completados. O tratamento cirúrgico
oncológico é realizado com margens de 2 cm na superfície e ressecção da tábua
externa da calota craniana em profundidade. A área cruenta foi gerenciada com um
plano de curas até que um tecido de enxerto fosse obtido. (Figuras 4 e 5).
Figura 4 - Área de blount com tecido de granulação para
enxerto.
Figura 4 - Área de blount com tecido de granulação para
enxerto.
Figura 5 - Área enxertada. Controle pós-operatório de 7 dias.
Figura 5 - Área enxertada. Controle pós-operatório de 7 dias.
DISCUSSÃO
Os lipossarcomas representam 15% a 18% de todos os tumores malignos de partes moles,
sendo o tipo mais comum de sarcomas de partes moles. Desenvolvem-se entre a 4ª e a
5ª década e são mais comuns em homens que em mulheres (1,5:1)2. São mais comumente encontrados em tecidos profundos,
diferentemente dos lipomas que são mais superficiais. Os lipossarcomas
desenvolvem-se de novo e não de um lipoma comum, salvo algumas
exceções.
Aproximadamente 3% são na cabeça e pescoço e a maioria na bochecha ou no pescoço.
As
variantes pleomórficas e bem diferenciadas são as mais comuns nessas topografias.
A
idade média é entre a primeira e a quinta década.
O lipossarcoma desdiferenciado é um tipo de lipossarcoma de alto grau. A
desdiferenciação de um lipossarcoma ocorre em até 10% dos lipossarcomas bem
diferenciados ou em qualquer subtipo. Esse risco pode ser maior em tumores de
localização profunda, particularmente em tumores retroperitoneais, em comparação com
tumores que aparecem nas extremidades. No entanto, há também um fator dependente do
tempo. Cerca de 90% dos lipossarcomas desdiferenciados surgem de
novo enquanto 10% ocorrem em recidivas4.
Histologicamente, de acordo com a classificação da Organização Mundial de Saúde em
2013, os lipossarcomas podem ser divididos em variantes bem diferenciadas, mixoides,
pleomórficas e mistas6. Células das variantes
bem diferenciadas são facilmente identificadas como lipócitos. Nas outras variantes,
a maioria das células tumorais não são claramente adipogênicas, mas existem algumas
células indicativas de diferenciação adiposa, conhecidas como lipoblastos7.
Clinicamente, é um tumor de rápido crescimento, com tendência a recorrência local
em
40% dos casos e com potencial para produzir metástases à distância em até 15% a 20%.
A mortalidade global varia de 28% a 30% em 5 anos. O fator prognóstico mais
importante é a localização, sendo de pior sobrevida as massas retroperitoneais5.
Em termos de pesquisa imagenológica, na tomografia computadorizada, os lipossarcomas
podem parecer semelhantes aos lipomas comuns ou ter uma densidade variável de
tecidos moles dispersos; sendo que, nos casos mais extremos, é observada pouca
adiposidade. Os lipossarcomas bem diferenciados podem ter uma variedade de
aparências de RM. Em geral, têm características que sugerem um lipoma benigno. Nos
lipossarcomas menos diferenciados (mixoide, pleomorfos e células redondas),
observam-se apenas ilhas de adiposidade dispersas e septos. Um aumento estromal
muito mais espesso é observado em tumores menos diferenciados2.
O tratamento de primeira linha é a cirurgia. Esse tratamento pode ser combinado com
radioterapia e quimioterapia. Isso permite controlar a doença tumoral, evitando
recorrências locais e reduzindo as possibilidades de disseminação metastática. Em
nossa paciente, optamos por uma biópsia, pois não havia suspeita pré-operatória do
diagnóstico definitivo. Com o resultado, é realizado tratamento cirúrgico oncológico
com 2 cm na superfície e ressecção da tábua externa da calota craniana em
profundidade. A área cruenta foi gerenciada com um plano de curas até que um tecido
de enxerto adequado fosse obtido. A avaliação da extensão da lesão descartou o
comprometimento regional ou sistêmico.
CONCLUSÃO
O lipossarcoma é um tumor de partes moles de alta frequência, mas apenas 3% delas
estão localizadas na cabeça e no pescoço. Nessa topografia, geralmente aparecem na
bochecha e no pescoço, sendo extremamente raras no couro cabeludo. Isso determinou
a
baixa suspeita clínica pré-operatória. Existem poucas publicações científicas sobre
esse subtipo de lipossarcoma, na topografia citada no caso clínico. Diante de um
tumor de tecido mole em rápida evolução, não devemos deixar de suspeitar da presença
de um sarcoma. Os sintomas e sinais iniciais são inespecíficos, fato que pode
retardar o diagnóstico e, portanto, piorar a evolução subsequente do quadro clínico.
O tratamento de primeira linha é a cirurgia radical que garante a exérese completa
do tumor, podendo estar associada a terapias adjuvantes.
REFERÊNCIAS
1. Font JF, Cuxart JE, Viñals JM. Sarcomas de Partes Blandas. Manual de
Cirugía Plástica. Sociedad Española de Cirugía Plástica, Reparadora y estética;
2000-2001.
2. Delman BN, Weissman JL, Som PM. Head and Neck imaging. Skin and Soft
Tissue lesions; p. 2709.
3. del Muro XG, Martín J, Maurel J. Guía práctica clínica en los
sarcomas de partes blandas. España: Elsevier; 2010;
408.e1-408.e18.
4. Dei Tos AP. Liposarcoma: New Entities and Evolving Concepts. Annals
of Diagnostic Pathology. 2000 ago; 4(4):252-66.
5. Dei Tos AP, Padeutour F. Pathology and genetics of tumours of soft
tissue and bone (WHO) Adipocytic Tumours, Cap. 1, Pag 38, Dedifferentiated
Liposarcoma.
6. Busquets JCV, González SB, García JAN. Nueva clasificación de la OMS
de los tumores de partes blandas: Una guía para el radiólogo; 2014. p.
12.
7. Kumar V, Abbas AK, Fausto N. Robins y Cotran: Patología Estructural
y Funcional. 7 ed. In: Andrew E. Rosenberg. Huesos, articulaciones y tumores de
partes blandas. 2008; p. 1320.
1. Hospital de Clínicas, Montevidéu,
Uruguai.
Endereço Autor: Georgina De Angelis Strozzi Rua
Anzani, nº 1523 - Pocitos, Montevideo, MVD, Uruguay CEP 11600 E-mail:
georginadeangelis@hotmail.com