INTRODUÇÃO
O formato mamário sofre preocupantes modificações ao longo do período pós-operatório.
Gerardo Peixoto1, em 1989, alertava para o
resultado pós-operatório das mamoplastias e seus inconformismos: “A silhueta
da mama, em sua imensa maioria, mostrará uma projeção do polo inferior (por
força da gravidade), o que dará um aspecto normal, gracioso, diferente da
hemisfera ou pirâmide rígida, porém fugaz, que nem de longe representa o ideal
de beleza, conforme visto nas formas mais perfeitas”1. No entanto, em
nossa cultura, muitas pacientes fogem dessa naturalidade em favor de um aspecto
irreal, que embora obtido com próteses, é muitas vezes difícil de ser mantido em
longo prazo. Enquanto algumas técnicas de redução mamária como Le Jour, Halfindley,
tenham seus bons resultados popularizados na Europa e Canadá, o cirurgião plástico
brasileiro sofre frequentemente uma demanda muito maior das pacientes para a
obtenção e manutenção de um formato mamário, em que qualquer convexidade sobre o
sulco inframamário é motivo de preocupação no pós-operatório.
OBJETIVO
O autor apresenta sua experiência no emprego de retalhos musculares nas mamoplastias
de aumento, realizadas no espaço subglandular. Descreve, ainda, uma variação
possível na multiplicidade de técnicas e táticas já existentes, usando a cápsula
fibrótica para dar maior sustentação, por ocasião da troca de próteses.
MÉTODO
Inicialmente, considerações de ordem fisiopatológica procuram elucidar a questão da
ptose pós-operatória do polo inferior nas mamoplastias. O autor relata sua conduta,
empregando de forma simplificada o retalho muscular de Milton Daniel2-6. Sugere ainda um retalho mio-fáscio-capsular em formato de delta, como
alternativa, na troca de próteses mamárias. O tratamento da ptose cutânea, muitas
vezes inevitável no polo inferior das mamas, é também descrito.
RESULTADOS
As Figuras 1 e 2 mostram pacientes submetidos a mamoplastia de aumento primária, em que
o retalho sustentou próteses de 330 cc em follow ups de 2 até 4
anos.
Figura 1 - A e B: Aspecto pré e pós-operatório com 2
anos e 2 meses, após implante de prótese de 330 cc subglandular com
retalho muscular associado; C e D: Aspecto pré
e pós-operatório com 2 anos e 2 meses, após implante de prótese de 330
cc subglandular com retalho muscular associado.
Figura 1 - A e B: Aspecto pré e pós-operatório com 2
anos e 2 meses, após implante de prótese de 330 cc subglandular com
retalho muscular associado; C e D: Aspecto pré
e pós-operatório com 2 anos e 2 meses, após implante de prótese de 330
cc subglandular com retalho muscular associado.
Figura 2 - A e B: Aspecto pré-operatório com muitas
estrias e flacidez cutânea, e pós-operatório com 4 anos e 5 meses, após
implante de prótese de 330 cc subglandular com retalho muscular
associado; C e D: Aspecto pré-operatório com
muitas estrias e flacidez cutânea, e pós-operatório com 4 anos e 5
meses, após implante de prótese de 330 cc subglandular com retalho
muscular associado.
Figura 2 - A e B: Aspecto pré-operatório com muitas
estrias e flacidez cutânea, e pós-operatório com 4 anos e 5 meses, após
implante de prótese de 330 cc subglandular com retalho muscular
associado; C e D: Aspecto pré-operatório com
muitas estrias e flacidez cutânea, e pós-operatório com 4 anos e 5
meses, após implante de prótese de 330 cc subglandular com retalho
muscular associado.
As Figuras 3 e 4 mostram a proposição de um retalho mio-fáscio-capsular, por ocasião de
uma troca de próteses.
Figura 3 - Retalho em "delta", contendo cápsula fibrótica/fáscia peitoral e
músculo (faixa azul escura) em sua constituição.
Figura 3 - Retalho em "delta", contendo cápsula fibrótica/fáscia peitoral e
músculo (faixa azul escura) em sua constituição.
Figura 4 - Retalho em "delta" sendo suturado ao parênquima mamário e aspecto
transoperatório ao final do procedimento.
Figura 4 - Retalho em "delta" sendo suturado ao parênquima mamário e aspecto
transoperatório ao final do procedimento.
Nas pacientes com muitas estrias e flacidez pré-operatória acentuada, uma ptose de
menor intensidade e exclusivamente cutânea tem sido observada no polo inferior.
Nesses casos, um fuso pós-operatório ao longo da cicatriz vertical é depois
desepitelizado com anestesia local e “invaginado” para dentro do polo inferior,
dando correção a essa ptose, e conferindo uma celebrada projeção adicional ao polo
superior das mamas. Se necessária, uma excisão adicional de pele pode ainda ser
associada, ao nível do sulco inframamário.
DISCUSSÃO
As ptoses
A ptose dos tecidos é uma realidade no corpo humano, observada particularmente
nos tecidos projetados anteriormente à silhueta corporal, como nas pálpebras
superiores, região submentoniana, abdome inferior do obeso e nas mamas.
A inexorável força da gravidade age de forma mais acentuada onde existe maior
peso, seja o de uma glândula mamária ou o de uma prótese volumosa. Um
protundente panículo adiposo, além do peso, carece histologicamente de um
componente estrutural e mecânico resistente à força da gravidade. A pele e sua
microestrutura são fundamentais na contenção das estruturas subjacentes. O
colágeno fornece resistência mecânica e as fibras elásticas oferecem resiliência
à pele. Uma pele com muitas estrias provavelmente apresentará uma acentuada
redução na sua capacidade retrátil e de sustentação.
A ptose mamária nas mamoplastias
Após a regressão completa do edema, o formato, e particularmente o do polo
inferior, poderá ser diferente da forma ideal obtida ao final do ato cirúrgico,
mesmo contando com a elevação do dorso e a não abdução dos braços para maior
acurácia da leitura transoperatória. A presença de estrias, e mais ainda o
histórico de cirurgia bariátrica prévia, poderão acentuar desfavoravelmente esse
aspecto. Poderíamos ainda citar a não infrequente procura pela troca por
próteses menores: essa situação deixa o cirurgião com uma loja maior que a
desejada, após a capsulotomia/capsulectomia, contribuindo para uma ptose da
prótese colocada no espaço subglandular.
Atualmente, com precocidade, alguns cirurgiões já buscam próteses com
microtextura, pensando em uma possível redução na incidência do linfoma de
células anaplásicas gigantes7. Essas
próteses, sem muita aderência à loja, terão possivelmente maior tendência a
ptose, especialmente se colocadas no espaço retroglandular.
A ptose das próteses e o plano de colocação
A opção pelos planos subglandular clássico, subfascial, e submuscular, tem sido
muito mais uma questão de preferência pessoal do cirurgião que uma verdade
científica, pois diferentes autores conseguem excelentes resultados com
diferentes abordagens.
Todavia, as opções submusculares costumam levar a um pós-operatório mais doloroso
e limitante para as pacientes, além da possibilidade da formação da “dupla
bolha” (double bubble) em longo prazo.
Outro inconveniente é a eventual presença de tiques musculares, provocando
constrangedores movimentos da prótese durante a prática da musculação.
A potencial deformação do gradil costal pelas próteses colocadas no espaço
subpeitoral, felizmente, é bem menos frequente.
Pelas razões expostas, o autor indica, sempre que possível, a colocação das
próteses mamárias no espaço subglandular, ou subfascial8-11.
Os retalhos musculares
O retalho muscular de Milton Daniel2,3,5,6 foi descrito
inicialmente em 1994 sob a forma de uma cinta muscular para conter o pedículo
inferior de Liacyr Ribeiro e empregado por vários autores nas mamoplastias
redutoras4,11,12, evitando a queda e lateralização do pedículo.
Em 2004, Daniel estendeu o uso da sua técnica para o emprego nas mamoplastias de
aumento5 (prêmio George Arié),
concebendo o duplo espaço, provocado pela cinta muscular inferior, em contraste
com a posição subglandular do restante da prótese.
O autor tem empregado esse retalho de forma simplificada, sem a secção da
inserção esternal do peitoral e independente do tecido glandular
supra-adjacente, assemelhando-se ao primeiro retalho inicialmente descrito por
Daniel nas mamoplastias redutoras2,3.
Retalhos de fáscia e cápsula e a questão BIAL - ALCL
O emprego da fáscia peitoral para conter a prótese no polo inferior da mama nas
mamoplastias é bastante limitado, uma vez que a fáscia é muito fina nessa
localização, não sendo tão efetiva na cobertura da prótese como na região
peitoral acima. No entanto, a cápsula do implante previamente colocado costuma
ser vigorosa e de forte capacidade estrutural. O uso da cápsula do implante
retirado não é inédito na troca de próteses: já foi utilizado por Szemerey13 na correção de “hérnia” no polo inferior
da mama; por Yoo14 como tratamento
estético do sulco inframamário; como retalho dermo-capsular por Cogliandro15; como retalho bipediculado da cápsula
posterior ou superior ao implante por Bogdanov16; como retalho “em rede” por Wessels17 e por Saraiva,18
tratando as contraturas por retalho retropeitoral capsular. Uma extensa revisão
do uso da cápsula do implante na troca de próteses foi apresentado por
Perischetti19 em 2018. Até o
presente, a ASAPS e a ASPS recomendam a capsulectomia nos casos de linfoma de
células anaplásicas gigantes relacionado ao implante – BIAL-ALCL (up to date
2018). No entanto, não há até o presente uma determinação absoluta para que se
promova a capsulectomia em todas as trocas usuais de próteses, sem indícios de
linfoma.
O retalho em forma de delta
Realizando a cinta muscular de Daniel nas trocas de próteses mamárias em posição
subglandular, sem uso concomitante do retalho de Liacyr Ribeiro, ou secção
medial do peitoral, o autor verificou algumas vezes a tendência da cinta
muscular, particularmente quando estreita, de voltar à posição original no
tórax, perdendo o efeito “gaveta” na sustentação da prótese supra-adjacente.
Inicialmente, alguns longos pontos de vicryl foram empregados para manter essa
posição do retalho, mas foram posteriormente abandonados para evitar seu curso
sobre a superfície da prótese. Evitando uma dissecção ampliada, mantivemos a
mesma cinta muscular com aproximadamente 2 cm de largura, e dissecamos um amplo
retalho da cápsula posterior do implante e fáscia muscular subjacente, contínuo
com o retalho muscular. Essa tática, dando um aspecto de “delta” à cinta
muscular, mantém o efeito “gaveta” ou “em prateleira” na sustentação da prótese.
O triângulo, tendo como base o retalho local de músculo peitoral e/ou serrátil
anterior, e como corpo a fáscia muscular reforçada pela cápsula do implante,
confere estabilidade à nova prótese, ao limitar convenientemente a loja da
prótese explantada.
Uma variação semelhante, nesse emprego da técnica original de Daniel, foi também
descrita pelo autor russo Alexei Borovikove e publicada em 200420.
CONCLUSÃO
É notória a contribuição dos retalhos musculares para a manutenção da posição das
próteses mamárias no pós-operatório tardio. No ensejo da troca de próteses por
outras de menor volume, o retalho em delta pode estabilizar a nova prótese em uma
loja mais ampla preexistente, às custas da utilização de parte da cápsula
remanescente posterior ao implante. Considerando a atual validade da capsulotomia
na
troca das próteses sem sinais de linfoma, esse emprego do retalho
mio-fáscio-capsular em delta poderá ser conveniente em casos selecionados,
requerendo mais estudos e follow up tardio para sua validação. No
entanto, mesmo com a estabilidade das próteses em sua nova posição, o polo inferior
da mama ainda estará sujeito a algum descenso de pele, principalmente nos pacientes
pós-bariátricos, ou com muitas estrias e/ou grande flacidez cutânea.
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Paulo, SP, Brasil.
2. International Society for Aesthetic Plastic
Surgery
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Plástica
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SP, Brasil.
5. Universidade Positivo, São Paulo, SP,
Brasil.
Endereço Autor: Julio Wilson Fernandes Av. Getúlio
Vargas, nº 2079 - Curitiba, PR, Brasil CEP 80250-180 E-mail:
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