INTRODUÇÃO
Feridas crônicas surgem de um retardo ou ineficiência cicatricial. Essa deficiência
pode ter diversas causas, dentre elas as doenças de base ou trauma, como sequela de
queimadura1.
A captação de pele humana trouxe por meio do aloenxerto uma possibilidade de
tratamento de grandes queimados e lesões dérmicas de grande extensão. Seu uso
possibilita uma recuperação mais rápida de áreas lesadas de modo a viabilizar a
autoenxertia precoce.
Um estudo, comparando pacientes vítimas de queimadura tratados com aloenxertia com
pacientes sem esse tratamento, trouxe como resultado para aqueles uma redução de
29-46% nos dias de internamento, bem como redução de mortalidade.
Quanto maior a extensão e profundidade da queimadura e menor área doadora disponível,
maiores são as taxas de complicação e mortalidade5.
Além do debridamento precoce, a aloenxertia trouxe uma redução nos desfechos
desfavoráveis. Essas variáveis também alteram o tempo de evolução de tratamento das
queimaduras e grandes feridas, que geralmente se estende, a depender da extensão e
profundidade, por aproximadamente 2 a 3 semanas em média.
Estudos apontam que o uso de aloenxertia reduz em até 40% o tempo de epitelização
de
áreas lesadas, como ferimentos traumáticos e queimaduras. Isso se dá pela
substituição dos queratinócitos do aloenxerto, pelos migrantes dos bordos ou áreas
profundas da ferida2.
Devido à alta eficácia associada à facilidade de uso e estocagem, o uso rotineiro
da
aloenxertia traz como resultado uma maior sobrevida e menor tempo e custo de
internamento a um baixo risco ao paciente. Outro facilitador é a possibilidade de
tratamento ambulatorial usando aloenxertia.
OBJETIVO
Avaliar e descrever o uso e eficácia da aloenxertia no tratamento de ferimentos
extensos.
Discutir sobre as vantagens do uso de heteroenxertia e evidências de sua
aplicabilidade.
Verificar o ganho de tempo e diminuição de complicações com uso de aloenxertia.
MÉTODO
Trata-se de um relato de caso de paciente com ferimento extenso traumático de membro
inferior associado à revisão de literatura sobre aloenxertia e discussão sobre o
tema.
Relatamos o caso de uma paciente feminina, Y.F.S, 18 anos, vítima de colisão traseira
moto × caminhão em uma rodovia em Paranaguá. Admitida inicialmente no
pronto-socorro do Hospital Regional de Paranaguá, apresetando fratura de platô
tibial e desenluvamento de quase todo o membro inferior esquerdo. Foi realizado
manejo inicial pela ortopedia com fixação interna de fratura e pela cirurgia geral
a
redução do retalho dérmico com sutura primária.
Durante internamento, paciente começou a apresentar isquemia tecidual em toda a
epiderme de membro inferior esquerdo (Figura 1). Foi então encaminhada via central de leitos ao Hospital Universitário
Evangélico Mackenzie de Curitiba, admitida pela equipe de cirurgia plástica. Em
exame físico inicial na chegada, a paciente apresentava importante isquemia com
inviabilidade de retalho de membro (Figura 2).
Figura 1 - Foto evidenciando isquemia tecidual importante, onde as áreas
esbranquiçadas em coxa e perna também não possuíam vitalidade assim como
áreas de necrose..
Figura 1 - Foto evidenciando isquemia tecidual importante, onde as áreas
esbranquiçadas em coxa e perna também não possuíam vitalidade assim como
áreas de necrose..
Figura 2 - Foto representando piora progressiva de isquemia com inviabilidade
extensa de tecido dermocutâneo em membro inferior esquerdo..
Figura 2 - Foto representando piora progressiva de isquemia com inviabilidade
extensa de tecido dermocutâneo em membro inferior esquerdo..
Foi então iniciado tratamento por meio de debridamento precoce de forma sucessiva
sob
anestesia em centro cirúrgico do centro de tratamento de queimados. Ao total foram
31 debridamentos. Houve perda de espessura total de pele de raiz de terço superior
de coxa até tornozelo esquerdo e algumas áreas de exposição de periósteo (Figura 3). Após a estabilização da evolução da
necrose tecidual, optou-se pela aloenxertia da área descoberta. Foram utilizadas
aproximadamente 95 lâminas de aloenxerto de aproximadamente 50-60 cm2
cada, de seis doadores cadáveres diferentes, perfazendo um total de 4.750-5.700
cm2 (Figuras 4 e 5), provenientes do banco de
pele do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, situado ao lado do centro
cirúrgico do Centro de Tratamento de Queimados.
Figura 3 - Após sessões de debridamento e estabilização de isquemia tecidual,
membro inferior esquerdo apresentando exposição muscular e
periostal.
Figura 3 - Após sessões de debridamento e estabilização de isquemia tecidual,
membro inferior esquerdo apresentando exposição muscular e
periostal.
Figura 4 - Aloenxertia realizada em leito de exposição tecidual.
Figura 4 - Aloenxertia realizada em leito de exposição tecidual.
Figura 5 - Total de seis doadores cadáveres e superfície de 4.750 a 5.700 cm2 de
heteroenxerto.
Figura 5 - Total de seis doadores cadáveres e superfície de 4.750 a 5.700 cm2 de
heteroenxerto.
Após boa pega e melhora de leito de área de lesão, optou-se pela autoenxertia. Após
dias de internamento, a paciente recebeu alta com ferida completamente fechada, sem
pontos de exposição de tecido cruento. Ao todo foram 59 dias da admissão até a alta
(Figura 6).
Figura 6 - Resultado após 1 ano de tratamento. Foto realizada em
19/09/2018.
Figura 6 - Resultado após 1 ano de tratamento. Foto realizada em
19/09/2018.
RESULTADOS
Após essa relativa curta estadia, a paciente apresentou boa evolução clínica e
tecidual, recebendo alta hospitalar com ferida completamente fechada, sem pontos de
exposição, mobilidade e funcionalidade de membro preservadas. Segue em
acompanhamento ambulatorial.
DISCUSSÃO
Nos últimos anos, o tratamento de queimados e de pacientes com feridas extensas de
pele tem melhorado, obtendo maior taxa de sobrevida e menor índice de complicações
e
sequelas6. Dessas melhorias, incluem-se a
antibioticoterapia, melhor manejo hemodinâmico e ressuscitação volêmica,
debridamento precoce das áreas necróticas e fechamento acelerado das feridas, neste
que se inclui a aloenxertia.
A aloenxertia isoladamente é capaz de reduzir o tempo de reepitelização em até 40%,
sobretudo nos pacientes com extensas áreas de queimadura. No Brasil existem quatro
bancos de pele, encarregados de realizar captação, processamento, estocagem e
distribuição das lâminas.
Estudos demonstram alta evidência de que o uso combinado de aloenxertia com
autoenxertia, e aloenxertia da área doadora, eleva a sobrevida dos pacientes com
grandes queimados, reduz de forma significativa o tempo de reepitelização de áreas
queimadas e doadoras e, consequentemente, o tempo de internamento hospitalar2. Isso também se dá nos pacientes com extensos
ferimentos cutâneos. Dos pacientes que utilizaram uma mesma área doadora mais de uma
vez, o uso de aloenxertia possibilitou menor tempo entre as coletas, quando
comparados com pacientes que não foram submetidos a tal tratamento.
Além disso, o uso da aloenxertia apresenta menor incidência de infecção de ferida,
sepse, desidratação, entre outros. Também pode ser utilizada para testar a
viabilidade de um leito receptor3.
Outro evento redutor de custos e complicações é a possibilidade de tratamento de
pacientes queimados pediátricos, de superfície corpórea queimada em até 20%, de
serem tratados ambulatorialmente com auxílio da aloenxertia. Isso é possível, pois
estudos demonstram que pacientes pediátricos apresentam menor ou nenhuma dor de
áreas queimadas e doadoras com uso de aloenxertia.
O transplante de tecido em diferentes indivíduos de uma mesma espécie não deve ser
considerado como tratamento definitivo da ferida de um paciente. Contudo, o
aloenxerto promove mais rápida cicatrização e epitelização do tecido devido à
mediação de componentes, citocinas como IL-1, IL-3, IL-6 e TGF-alfa (fator de
crescimento tecidual). Esses fatores estimulam a migração e proliferação de
queratinócitos da profundidade ou dos bordos da ferida.
CONCLUSÃO
Dessa forma, pode-se concluir que esse grupo de pacientes será beneficiado quanto
a
tempo de internamento, índice de complicações, taxas de fechamento de feridas e
custo total de tratamento, por meio da terapia combinada de debridamento e cobertura
precoce de feridas, uso precoce de autoenxerto e cobertura de sua área doadora com
heteroenxerto, associado ao ganho tecidual da área dérmica afetada com uso do
aloenxerto4.
REFERÊNCIAS
1. Frykberg RG, Banks J. Challenges in the Treatment of Chronic Wounds.
Phoenix, Arizona: Adv Wound Care. 2015 mai; 4(9):560-82.
2. Nuñez-Gutiérrez H, Castro-Muñozledo F, Kuri-Harcuch W. Combined Use
of Allograft and Autograft Epidermal Cultures in Therapy of Burns. Plast
Reconstr Surg. 1996 nov; 98(6):929-39.
3. Fletcher JL, Cancio LC, Sinha I, Leung KP, Renz EM, Chan RK.
Inability to Determine Tissue Health is Main Indication of Allograft Use in
Intermediate Extent Burns. Burns. 2015 dez; 41(8):1862-7.
4. Raju S, Grogan JB. International Abstracts of Plastic &
Reconstructive Surgery: Implants and Transplants: Homologous. Plast Reconstr
Surg. 1970 abr; 45(4):408.
5. Fernandes JW. Cirurgia Plástica: Bases e Refinamentos. 1 ed.
Curitiba: [s.n.]. 2011; p. 399.
6. de Oliveira BGRB, Castro JBA, Granjeiro JM. Panorama Epidemiológico
e Clínico de Pacientes com Feridas Crônicas Tratados em Ambulatório. Rio de
Janeiro: Rev Enferm UERJ. 2013; 21(1):612-7.
1. Hospital Universitário Evangélico
Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil.
Endereço Autor: Lucas Eduardo Oliveira Pascolat
Alameda Augusto Stellfeld, nº 1908 - Bigorrilho, Curitiba, PR, Brasil CEP
80730-150 E-mail: lucas_pascolat@hotmail.com