INTRODUÇÃO
O uso de retalhos musculares apresenta vantagens após ressecções alargadas. São elas:
criar um ambiente favorável à cicatrização de feridas por meio da utilização de
tecido bem vascularizado, diminuir o espaço morto, proteção dos vasos femorais,
diminuir a tensão durante o fechamento da ferida, contribuir para o início precoce
da radioterapia e, ainda, encurtar a permanência hospitalar1.
O retalho miocutâneo vertical do músculo reto abdominal (VRAM) tem
irrigação da artéria epigástrica inferior. Algumas vantagens do VRAM são:
vascularização segura, resultando em baixos índices de perda do retalho, amplo
arco
de rotação, retalho volumoso com uma grande ilha de pele e local doador com baixa
morbidade. Algumas das desvantagens e/ou complicações são: hérnia abdominal e
linfedema2.
O retalho utilizando o músculo tensor da fáscia lata (TFL) tem como pedículo vascular
a artéria femoral circunflexa lateral, que emite perfurantes musculocutâneas3. É capaz de reduzir a morbidade e a
permanência hospitalar. Está associado a baixas taxas de necrose do retalho e
acelera a cicatrização dos defeitos. É tecnicamente fácil e tem morbidade
insignificante no sítio doador4.
Na região inguinal, a ressecção alargada de neoplasia resulta em grandes defeitos,
com exposição de vasos, nervos e tecidos que necessitam ser reconstruídos com
retalhos musculares.
OBJETIVO
A reconstrução da região inguinal bilateral utilizando, no mesmo ato operatório, um
retalho do músculo reto abdominal (VRAM) e do músculo tensor da fáscia lata (TFL)
será apresentada e em seguida discutida.
MÉTODO
Realizado estudo descritivo retrospectivo de um caso do serviço de cirurgia plástica
em um hospital terciário na cidade de Fortaleza - CE, onde o paciente com CEP,
submetido à linfadenectomia inguinal bilateral como parte do tratamento e à
reconstrução com retalhos miocutâneos: VRAM e TFL.
RELATO DE CASO
Paciente de 60 anos com lesões tumorais na região inguinal direita 12x9cm e esquerda
5x7cm (Figura 1) de início há 6 meses, sendo
indicada abordagem cirúrgica (Figura 2).
Figura 1 - Marcação das tumorações inguinais.
Figura 1 - Marcação das tumorações inguinais.
Figura 2 - Área da ressecção.
Figura 2 - Área da ressecção.
O retalho miocutâneo do TFL na face lateral da coxa esquerda foi preparado para
reconstrução da região inguinal ipslateral (Figura 3). Em seguida, aproximada a área doadora e rotação do músculo TFL para o
local definitivo. Uma ilha de pele foi marcada sobre o músculo reto abdominal
com a
extremidade medial ao nível da linha média e a extremidade superior na margem
subcostal esquerda (Figura 4).
Figura 3 - Retalho miocutâneo do músculo tensor da fáscia lata.
Figura 3 - Retalho miocutâneo do músculo tensor da fáscia lata.
Figura 4 - Aproximação da área doadora e rotação do retalho do músculo tensor da
fáscia lata (TFL) para o local definitivo. No abdômen, visualiza-se a
marcação das margens do retalho do músculo reto abdominal
(VRAM).
Figura 4 - Aproximação da área doadora e rotação do retalho do músculo tensor da
fáscia lata (TFL) para o local definitivo. No abdômen, visualiza-se a
marcação das margens do retalho do músculo reto abdominal
(VRAM).
O retalho do reto abdominal foi levantado craniocaudalmente, com secção do músculo
reto abdominal e ligadura da artéria epigástrica superior. Em seguida, foi rodado
180° juntamente com o pedículo da artéria epigástrica inferior. Tomou-se cuidado
para não torcer ou colocar em tensão o pedículo vascular. O retalho foi transferido
para cobrir o defeito da região inguinal contralateral. A área doadora recebeu
reforço da parede abdominal com uma tela sintética não absorvível (polipropileno)
fixada à aponeurose.
A parede abdominal foi suturada primariamente, dois drenos portovac colocados e os
retalhos fixados (Figura 5).
Figura 5 - Pós-operatório imediato. Reconstrução inguinal à direita com retalho
do músculo reto abdominal (VRAM) contralateral e reconstrução inguinal
esquerda com músculo tensor da fáscia lata (TFL).
Figura 5 - Pós-operatório imediato. Reconstrução inguinal à direita com retalho
do músculo reto abdominal (VRAM) contralateral e reconstrução inguinal
esquerda com músculo tensor da fáscia lata (TFL).
No pós-operatório com 20 dias, foram evidenciadas pequenas áreas de epidermólise e
necrose cutânea apenas no retalho VRAM, possivelmente devido à dificuldade da
drenagem linfática após a ressecção dos linfonodos locais evoluiu com cicatrização
por segunda intensão e fechamento total da área exposta.
A confecção destes retalhos promoveu a cobertura cutânea adequada. Não houve perda
total do retalho o paciente apresentou no pós-operatório áreas de epidermólise
e
outras de necrose cutânea pequena, pelo grande edema local em região escrotal,
possivelmente devido à dificuldade da drenagem linfática após a ressecção dos
linfonodos locais. Após 3 meses, paciente segue em acompanhamento sem sinais de
recidiva.
DISCUSSÃO
No Hospital Haroldo Juaçaba, em Fortaleza, CE, foram atendidos 243 pacientes com
câncer de pênis em um período de dez anos e 35 pacientes necessitaram de
reconstrução com retalho muscular. O retalho utilizando o músculo reto abdominal
foi
o mais usado (57,2%), seguido pelo fáscia lata (31,4%) e grácilis (11,4%). As
complicações precoces mais comuns foram infecção de sítio cirúrgico (37,1%) e
deiscência parcial do retalho (37,1%). As complicações tardias mais comuns foram
linfedema crônico (32,3%) e edema de bolsa escrotal (29,4%). O tempo de internação
e
as complicações foram menores com o retalho VRAM em relação aos pacientes que
utilizaram o músculo TFL e grácilis. Logo, o retalho VRAM é um dos mais utilizados
na reconstrução de defeitos na região inguinal e mostrou-se seguro5.
Após 37 exenterações pélvicas, utilizou-se o VRAM para reconstruir defeitos.
Retornaram ao centro cirúrgico para resolver complicações apenas 6 pacientes (16%).
Outros 7 pacientes (19%) tiveram complicações que se resolveram com tratamento
não
operatório6. Outro estudo analisou 78
pacientes oncológicos submetidos à reconstrução com VRAM. Nenhuma perda completa
do
retalho foi observada e hérnia incisional esteve presente em 13% dos pacientes.
O índice de massa corporal acima de 30 foi relacionado com dificuldade de
cicatrização e a radiação não teve efeito negativo no pós-operatório. Um pedículo
cutâneo contralateral pode reduzir o risco de linfedema em pacientes com ressecções
na virilha. A morbidade do local doador é tolerável e a maioria dos pacientes
ficou
satisfeito com o resultado pós-operatório7.
Kayes et al.8 avaliaram quatro
casos de ressecções paliativas de neoplasia peniana com posterior reconstrução
com
retalho VRAM ipslateral. O tempo de permanência internado foi de 14 dias e não
houve
complicações cirúrgicas. Os pacientes ficaram satisfeitos e relataram alívio de
sintomas. Moura et al.9
analisaram três pacientes com câncer de pênis, submetidos à reconstrução inguinal
com VRAM. Os pacientes relataram melhora da qualidade de vida. Um paciente
apresentou uma pequena área de epidermólise e necrose cutânea com necessidade
de
enxertia de pele.
O retalho com o músculo TFL pode ser utilizado na reconstrução de defeitos na região
inguinal, glútea, trocantérica, isquiática e parede abdominal. Uma análise de
17
pacientes que utilizaram o retalho miocutâneo do TFL para tratamento de defeitos
observou que este tipo de retalho possibilita uma excelente cobertura cutânea,
com
pouca morbidade em área doadora. Trata-se de um retalho extremamente seguro,
versátil, de fácil e rápida execução, apresentando relativamente poucas
complicações, podendo ser utilizado em diversas situações clínicas com sucesso10.
CONCLUSÃO
A utilização de dois retalhos musculares para reconstrução de defeitos complexos em
ambas as regiões inguinais possui baixa morbidade, bons resultados e melhora a
qualidade de vida dos pacientes com tumores malignos de pênis em estádio avançado.
Em casos selecionados, a combinação de retalhos pode ser utilizada quando se requer
uma cobertura extensa. O VRAM e o TFL são excelentes opções de retalhos
musculares.
REFERÊNCIAS
1. Murthy V, Gopinath KS. Reconstruction of groin defects following
radical inguinal lymphadenectomy: an evidence based review. Indian J Surg Oncol.
2012;3(2):130-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s13193-012-0145-3
2. Hoy E, Granick M, Benevenia J, Patterson F, Datiashvili R, Bille B.
Reconstruction of musculoskeletal defects following oncologic resection in 76
patients. Ann Plast Surg. 2006;57(2):190-4. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.sap.0000216255.18106.e1
3. Hubmer MG, Schwaiger N, Windisch G, Feigl G, Koch H, Haas FM, et al.
The vascular anatomy of the tensor fasciae latae perforator flap. Plast Reconstr
Surg. 2009;124(1):181-9. PMID: 19568071 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181ab114c
4. Nirmal TJ, Gupta AK, Kumar S, Devasia A, Chacko N, Kekre NS. Tensor
fascia lata flap reconstruction following groin dissection: is it worthwhile?
World J Urol. 2011;29(4):555-9.
5. Barreira MA, Lima LO, Alves Júnior JJ, Silva LFG, Lima MV.
Experiência do Hospital Haroldo Juaçaba com Reconstrução Utilizando Retalhos
Miocutâneos em Cirurgia para Tratamento do Câncer de Pênis locorregionalmente
Avançado. Rev Bras Cancerol. 2014;60(1):43-50.
6. Creagh TA, Dixon L, Frizelle FA. Reconstruction with Vertical Rectus
Abdominus Myocutaneous flap in advanced pelvic malignancy. J Plast Reconstr
Aesthet Surg. 2012;65(6):791-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjps.2011.11.063
7. Daigeler A, Simidjiiska-Belyaeva M, Drücke D, Goertz O, Hirsch T,
Soimaru C, et al. The versatility of the pedicled vertical rectus abdominis
myocutaneous flap in oncologic patients. Langenbecks Arch Surg.
2011;396(8):1271-9. PMID: 21779830 DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s00423-011-0823-6
8. Kayes OJ, Durrant CA, Ralph D, Floyd D, Withey S, Minhas S. Vertical
rectus abdominis flap reconstruction in patients with advanced penile squamous
cell carcinoma. BJU Int. 2007;99(1):37-40. PMID: 17227489 DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1464-410X.2007.06582.x
9. Moura RMG, Bezerra FJF, Oliveira JCE. Reconstrução inguinal com
retalho miocutâneo vertical de reto abdominal. Rev Bras Cir Plást.
2010;25(4):695-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752010000400023
10. Ramos RG, Cunha MS, Jesus RO, Basílio IA, Figuerêdo A, Fadul LC.
Versatilidade do retalho musculocutâneo do tensor da fáscia lata. Rev Col Bras
Cir. 2008;35(3):155-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-69912008000300003
1. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE,
Brasil.
2. Hospital Geral de Fortaleza, Fortaleza, CE,
Brasil.
3. Hospital Universitário Walter Cantídio,
Fortaleza, CE, Brasil.
4. Hospital Haroldo Juaçaba, Fortaleza, CE,
Brasil.
Endereço Autor: Fernando Oliveira
Junger
Rua Professor Francisco Goncalves, nº 1271, Apto 904
Fortaleza, CE, Brasil CEP 60192-170
E-mail: fernandojunger@hotmail.com