INTRODUÇÃO
As lesões vasculares foram classificadas por Mulliken & Glowacki1, em 1982, de acordo com suas características
clínicas e histológicas, em hemangioma e malformação vascular. O hemangioma
corresponde a uma lesão tumoral com hiperplasia endotelial, em contraste com as
malformações vasculares, que consistem em uma rede de canais vasculares dilatados,
desenvolvidos de forma anormal desde a embriogênese e que apresentam atividade
mitótica endotelial normal. As malformações podem ainda ser categorizadas em lesões
de alto fluxo (arteriais) e baixo fluxo (capilares, venosas, linfáticas ou
variantes).
Pode-se encontrar as malformações vasculares principalmente na cabeça e pescoço,
sendo o lábio a região anatômica mais comumente acometida2,3. Tratam-se
de lesões histologicamente benignas, cuja evolução pode ser severa, determinando
dor
local e auricular, assimetria facial, dermatite, destruição mandibular, mobilidade
dentária, ulcerações, infecções recorrentes, hemorragias espontâneas e efeitos
hemodinâmicos diversos (fenômeno de sequestro sanguíneo, elevação do débito cardíaco
com sobrecarga, isquemia e gangrena de tecidos periféricos e estase venosa).
Além dos riscos de déficits funcionais, como dificuldade para alimentar e pronúncia
anormal das palavras, a deformidade do contorno da face, presente desde o
nascimento, implica muitas vezes na ocorrência de depressão do humor,
constrangimento social e embotamento afetivo.
Os métodos terapêuticos empregados na abordagem das malformações vasculares são
variados e incluem: injeção intralesional de agentes fibrosantes, laser (pulsado
e
CO2), corticosteroides, interferon α-2β, embolização e
excisão cirúrgica. Frequentemente, a combinação de técnicas não cirúrgicas e
cirúrgicas é recomendada, embora a ressecção da lesão seja considerada como único
tratamento capaz de resultar na cura radical4.
OBJETIVO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar um relato de caso de malformação
vascular de lábio inferior atendido no ambulatório de cirurgia plástica do Hospital
Universitário Ciências Médicas de Belo Horizonte, MG, estabelecendo considerações
sobre a forma de abordagem pré e pós-operatórias, baseadas na literatura científica
disponível referente ao tema.
MÉTODO
Trata-se de paciente de 19 anos, sexo masculino, apresentando hipertrofia do lábio
inferior e mácula vinhosa em terço inferior da face bilateralmente desde o
nascimento, com aumento gradativo, sem história de trauma local (Figura 1). Nega comorbidades, uso regular de
medicamentos, cirurgias prévias, internações ou alergias. Sem relato de tratamento
prévio da lesão. Paciente demonstra quadro de constrangimento social, embotamento
afetivo e humor deprimido associados.
Figura 1 - Aspecto da lesão na primeira consulta.
Figura 1 - Aspecto da lesão na primeira consulta.
Ao exame, foi evidenciado lábio inferior hipertrofiado e assimétrico, sem ulcerações,
infecção local ou sinal de sangramento, acompanhado de mácula vinhosa distribuída
em
terço inferior da face, desde as comissuras labiais até a região pré-auricular
bilateralmente. Sem sinais de sopros ou frêmitos durante a ausculta. À palpação,
lábio inferior apresentava-se indolor, sem aumento de temperatura local e com
consistência macia, facilmente compressível.
Paciente foi submetido à excisão transversal em cunha com espessura total na linha
média do lábio inferior e excisão longitudinal de fuso da mucosa (conforme marcação
na Figura 2), seguido de hemostasia e síntese
por planos. Procedimento foi realizado sem intercorrências, sem sangramento
significativo (Figura 3).
Figura 2 - Documentação e marcação em pré-operatório imediato.
Figura 2 - Documentação e marcação em pré-operatório imediato.
Figura 3 - A: Detalhe intraoperatório e; B: Aspecto
pós-operatório imediato.
Figura 3 - A: Detalhe intraoperatório e; B: Aspecto
pós-operatório imediato.
RESULTADOS
Evoluiu com pequena deiscência na cicatriz transversal e edema importante nas duas
primeiras semanas do pós-operatório (Figura 4),
com remissão após uso de anti-inflamatório corticosteroide (prednisona
20mg/dia).
Figura 4 - 7º dia pós-operatório.
Figura 4 - 7º dia pós-operatório.
Resultado anatomopatológico demonstrou numerosos novelos vasculares e de vasos
linfáticos no cório subepitelial, no tecido conjuntivo profundo e no tecido
muscular, compatível com hamartia vascular labial, sem características tumorais.
Após 6 meses de acompanhamento pós-operatório, não foi identificada recidiva da
lesão. Paciente notou melhora da simetria da face, além de diminuição do
constrangimento social e melhora do humor (Figuras 5 e 6).
Figura 5 - 30º dia pós-operatório.
Figura 5 - 30º dia pós-operatório.
Figura 6 - 180º dia pós-operatório.
Figura 6 - 180º dia pós-operatório.
DISCUSSÃO
As malformações vasculares orais e maxilofaciais apresentam incidência rara na
população, afetam homens e mulheres igualmente, geralmente são congênitas e
desenvolvendo-se gradativamente ao longo da infância e de forma mais expressiva
a
partir da puberdade4,5. Diferentemente dos hemangiomas, as
malformações vasculares não possuem tendência à regressão espontânea, sendo
necessária intervenção terapêutica para melhora ou cura do quadro.
Embora muitos trabalhos ressaltem a importância de métodos propedêuticos de imagem
para esclarecimento diagnóstico e classificação das lesões vasculares, essa
diferenciação pode, usualmente, ser estabelecida a partir da própria avaliação
clínica6. Além das diferenças na história
natural de cada lesão, ao exame físico é possível notar principalmente a
consistência mais firme à palpação, característica dos hemangiomas, ao passo que
as
malformações se apresentam macias e facilmente compressíveis. Dentre as
malformações, a temperatura local e a ausculta podem sugerir subtipos diferentes:
a
arteriovenosa possui temperatura local mais quente e possui sopro ou frêmito à
ausculta; as venosas, capilares ou linfáticas, por sua vez, são localmente frias
e a
ausculta é ausente.
O tratamento cirúrgico das malformações arteriovenosas na cabeça e no pescoço costuma
apresentar elevado grau de dificuldade técnica devido à invasão tecidual profunda
e
à presença de artérias nutridoras derivadas diretamente da carótida interna e
carótida externa, consequentemente, aumentando a possibilidade de sangramento
não
controlado no perioperatório. Entretanto, a localização da lesão no lábio inferior
reduz o nível de dificuldade, uma vez que se encontra mais frequentemente em planos
superficiais e os vasos nutridores costumam ser as artérias e veias faciais,
facilitando o controle da hemostasia4.
As técnicas cirúrgicas para reparo das malformações no lábio são variadas e comumente
exigem ressecções em cunha nos planos horizontal e vertical, seguidas de fechamento
primário, como no presente caso. Lesões maiores podem exigir a confecção de retalhos
locais para reconstrução7.
A área correspondente à mácula vinhosa no terço inferior da face sugere a presença
de
componente predominantemente capilar da malformação, cujo tratamento possui boa
resposta com o uso do laser pulsado3. Em vista
da indisponibilidade do respectivo método terapêutico pelo Sistema Único de Saúde
(SUS), e do resultado cirúrgico satisfatório após 6 meses com boa aceitação do
paciente, não foram utilizadas terapias adjuvantes.
CONCLUSÃO
A avaliação clínica pré-operatória bem criteriosa das lesões vasculares oferece
informações importantes para a definição diagnóstica e a classificação.
A abordagem cirúrgica nas malformações em lábios inferiores pode resultar no ganho
estético e psicossocial expressivo, dispensando uso de outros métodos terapêuticos
complementares.
AGRADECIMENTOS
Registramos nosso agradecimento a todos os funcionários e colegas do Hospital
Universitário Ciências Médicas, em especial ao Dr. Jose Cesário da Silva Almada
Lima, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e ao Dr Lucio Flavio Manetta Martins
Belem, regente do programa de Residencia Medica/Especialização em Cirurgia Plástica
do HUCM/FELUMA.
REFERÊNCIAS
1. Mulliken JB, Glowacki J. Hemangiomas and vascular malformations in
infants and children: a classification based on endothelial characteristics.
Plast Reconstr Surg. 1982;69(3):412-22. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-198203000-00002
2. Ryu JY, Lee JS, Lee JW, Choi KY, Yang JD, Cho BC, et al. Clinical
approaches to vascular anormalies of the lip. Arch Plast Surg.
2015;42(6):709-15. DOI: http://dx.doi.org/10.5999/aps.2015.42.6.709
3. Van Doorne L, De Maeseneer M, Stricker C, Vanrensbergen R, Stricker
M. Diagnosis and treatment of vascular lesions of the lip. Br J Oral Maxillofac
Surg. 2002;40(6):497-503. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0266-4356(02)00153-5
4. Taskin U, Yigit O, Sunter VA, Albayram SM. Intraoral excision of
arteriovenous malformation of lower lip. J Craniofac Surg. 2010;21(1):268-70.
DOI: http://dx.doi.org/10.1097/SCS.0b013e3181c5a617
5. Kademani D, Costello BJ, Ditty D, Quinn P. An alternative approach
to maxillofacial arteriovenous malformations with transosseous direct puncture
embolization. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod.
2004;97(6):701-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.tripleo.2003.12.031
6. Oji C, Chukwuneke F, Mgbor N. Tobacco-pouch suture technique for the
treatment of vascular lesions of the lip in Enugu, Nigeria. Br J Oral Maxillofac
Surg. 2006;44(3):245-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjoms.2005.03.032
7. Sohail M, Bashir MM, Ansari HH, Khan FA, Assumame N, Awan NU, et al.
Outcome of Management of Vascular Malformation of Lip. J Craniofac Surg.
2016;27(6):e520-4. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/SCS.0000000000002824
1. Hospital Universitário Ciências Medicas,
Belo Horizonte, MG, Brasil.
Endereço Autor: Juliana Metzker Oliveira
Bergamo
Rua doa Aimorés, nº 2896 - Santo Agostinho
Belo Horizonte,
MG, Brasil CEP 30140-073
E-mail: jumobergamo@gmail.com