INTRODUÇÃO
A lipoaspiração, descrita em 1979, foi a maior descoberta recente da cirurgia
plástica e é o procedimento cirúrgico mais realizado nesta especialidade nas grandes
estatísticas1-4.
Nos primeiros anos ocorreram muitas complicações: irregularidades, depressões,
hematomas, seromas, fadiga por anemia, perfuração de cavidade abdominal e óbito1,5,6. Com o refinamento
da técnica cirúrgica, melhora dos equipamentos utilizados e melhor seleção de
pacientes, a morbimortalidade relacionada à lipoaspiração diminuiu. Isso atraiu
também profissionais não treinados, o que acabou levando a um grande número de
complicações, ocorrendo também aumento do número de processos1.
Casos de lesões viscerais abdominais, lesões de ureter, cegueira, necroses e
infecções graves, dentre outras intercorrências graves, estão descritos na
literatura. A Comissão de Lipoaspiração foi criada em março de 2012, com o objetivo
de descobrir fatores envolvidos nas intercorrências graves e nos óbitos em
lipoaspiração no Brasil2.
Os critérios atuais de segurança em lipoaspiração, em sua grande maioria, têm sido
obtidos de forma empírica, e os relatos não são conclusivos em vários aspectos1,6. Os principais critérios de segurança e medidas preventivas se embasam
no documento elaborado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e
recentemente aprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)1.
Os cuidados pré-operatórios de segurança cirúrgica na lipoaspiração em geral incluem
definir as áreas a serem operadas, volume provável a ser aspirado, tipo de anestesia
a ser utilizada e se há necessidade de tratamento antes da cirurgia para eventual
anemia, processos infecciosos ou outras situações1,2,5,6.
No transoperatório devem ser realizados monitorização, uso de soluções pré-aquecidas
na infiltração e reposição parenteral, controle de temperatura do paciente com
colchões térmicos e temperatura da sala de cirurgia e uso de compressão intermitente
de membros inferiores1,2,6.
Já no pós-operatório permanecem os cuidados de reposição hídrica, controle de pressão
arterial, pulso, débito urinário (em casos de lipoaspiração maior), estimular
os
movimentos com os pés no leito e deambulação tão precoce quanto o procedimento
e a
anestesia permitam, controle de analgesia por via endovenosa ou oral e retorno
à
ingestão de líquidos via oral assim que possível1,2,6.
Fenômenos tromboembólicos, associação de cirurgias e o local de realização da
cirurgia demostraram ser os fatores de risco mais envolvidos na mortalidade de
lipoaspiração2,4,6-8, sendo também
causas de óbito perfuração visceral, intoxicação por drogas anestésicas, falência
cardíaca, infecção extensa, choque hemorrágico e embolia gordurosa pulmonar2.
OBJETIVO
Neste trabalho, descrevemos aspectos técnicos da lipoaspiração abdominal que previnem
complicações como perfuração de parede abdominal e torácica, que, apesar de
incomuns, quando ocorrem implicam em alta morbimortalidade1.
MÉTODO
Realizada busca nas bases de dados PubMed, LILACS e Biblioteca Virtual em Saúde pelos
termos “lipoaspiração” e “segurança”. Seleção dos artigos de maior relevância
e
revisão de literatura. Realizada descrição detalhada de aspecto técnico específico
utilizado em lipoaspiração abdominal no serviço de Cirurgia Plástica do Hospital
de
Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR.
RESULTADOS
Técnica cirúrgica
Durante a lipoaspiração da região abdominal, após aplicação das demais medidas
preventivas e de segurança pré e transoperatórias iniciais já citadas neste e
em
demais artigos, dá-se início ao procedimento propriamente dito. O paciente deve
ficar em posição de “canivete” ou região abdominal em hiperextensão (Figuras 1 e 2), para que a região abdominal fique elevada em relação ao resto do
corpo. Em seguida, são demarcados os pontos de incisão onde são locadas as
cânulas para realização da infiltração e, após, lipoaspiração.
Figura 1 - Posição em “canivete”- maior segurança para lipoaspiração na
direção de caudal-cranial.
Figura 1 - Posição em “canivete”- maior segurança para lipoaspiração na
direção de caudal-cranial.
Figura 2 - Posição “canivete” - segurança para lipoaspiração de terço
inferior do abdome.
Figura 2 - Posição “canivete” - segurança para lipoaspiração de terço
inferior do abdome.
Durante esse tempo cirúrgico, são realizadas duas pequenas incisões de cada lado
do abdome, sendo um deles lateral à espinha ilíaca anterossuperior, cerca de
4-5cm abaixo dela, na região lateral do quadril e outro em transição
toracoabdominal, obrigatoriamente acima do rebordo costal, cerca de 4cm acima
do
limite deste. A locação de tais incisões é de extrema importância em termos de
segurança cirúrgica, uma vez que o posicionamento descrito reduz o risco de
perfuração torácica ou abdominal acidental.
A incisão inferior, lateral à espinha ilíaca anterossuperior, é utilizada para
realizar a lipoaspiração da região inferior e média do abdome, enquanto a
incisão superior é usada no tratamento do abdome superior, exclusivamente em
direção caudal e superficialmente ao gradil costal, impossibilitando, deste
modo, a lesão iatrogênica do tórax, já que nenhum material perfurante é
direcionado a ele (Figuras 3 e 4).
Figura 3 - Portal superior para lipoaspiração de abdome superior e
médio.
Figura 3 - Portal superior para lipoaspiração de abdome superior e
médio.
Figura 4 - Portal inferior para lipoaspiração de abdome médio e
inferior.
Figura 4 - Portal inferior para lipoaspiração de abdome médio e
inferior.
DISCUSSÃO
A segurança de qualquer procedimento abrange vários aspectos.
As regras de regulamentação consistem em uma forma de assegurar maior segurança na
realização dos procedimentos cirúrgicos. No Brasil, é necessário que o local
escolhido esteja de acordo com normatização da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) e o profissional responsável pelo paciente deve ter formação
em
Cirurgia Plástica com título de Especialista pela SBCP e pelo CFM1.
A lipoaspiração pode ser realizada com seringa a vácuo, com lipoaspirador,
vibrolipoaspiração e aparelho ultrassônico1,5,6,9. O calibre das cânulas não deve ser maior que 6mm. As cânulas mais
finas causam menos traumatismo aos tecidos, com menor sangramento1,10. Deve-se lipoaspirar as camadas mais profundas da gordura, evitando a
gordura mais superficial a fim de prevenir irregularidades5,10.
O método de lipoaspiração em relação ao volume infiltrado é de escolha do cirurgião,
exceto pelo método seco, que deve ser evitado por apresentar maior dificuldade
de
penetração da cânula e maior sangramento. A combinação de infiltração pela técnica
úmida ou superúmida (1:1) associada à reposição endovenosa de manutenção controlada
pelos parâmetros clínicos é a forma mais adequada para grandes volumes. O aumento
de
efeitos adversos está associado a grandes volumes infundidos e aspirados,
ressaltando-se que uma parte da infiltração subcutânea será absorvida por
hipodermóclise1,7,10.
Segundo a SBCP, alguns parâmetros indicam limites de segurança:
1) O volume aspirado - não deve ser maior que 7% do peso corporal;
2) A composição do aspirado - determinada pelo tamanho das cânulas - quanto
maior, maior dano tecidual associado a maior perda sanguínea;
3) A superfície corporal aspirada - não é recomendável que se aspire mais que
40% da superfície corporal.
A temperatura do paciente deve ser mantida maior ou igual a 36ºC - abaixo destes
níveis é significativa a ocorrência de coagulopatia1. Trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar, infrequentes,
são a principal causa de óbito em lipoaspiração, passíveis de prevenção com medidas
conservadoras ou profilaxia medicamentosa1,5,8.
A perfuração abdominal é uma complicação relativamente incomum em lipoaspiração,
porém de mortalidade alta (acima de 50%). Tem maior probabilidade de ocorrer em
pacientes com cirurgias abdominais prévias (hérnias incisionais, especialmente
quando se utilizou dreno no pós-operatório ou houve infecção do sítio cirúrgico),
videocirurgias abdominais (algumas vezes a aponeurose não é suturada) e hérnias
abdominais não diagnosticadas ao exame físico1,7.
A realização das incisões externamente a um arcabouço ósseo, tanto no gradil costal
como espinha ilíaca anterossuperior, dificulta a perfuração torácica ou abdominal.
Seria prudente evitar incisões umbilicais para lipoaspiração da região abdominal
alta, visto que movimentos intempestivos podem vir a perfurar a cavidade abdominal
e
torácica.
CONCLUSÃO
Existe ainda muita variação em relação aos parâmetros de segurança em lipoaspiração,
e muitos profissionais se baseiam mais em suas experiências pessoais do que em
artigos científicos, provavelmente pela falta de uniformidade destes relatos1,6.
Acreditamos que os aspectos técnicos descritos em lipoaspiração abdominal, além dos
critérios gerais já existentes e recomendados pela SBCP, podem promover um impacto
positivo em protocolos de segurança em lipoaspiração, reduzindo ainda mais o risco
de complicações graves.
REFERÊNCIAS
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1. Hospital de Clínicas, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
Endereço Autor: Andre Gustavo Maschio
Rua General Carneiro, 181 - Alto da Glória
Curitiba, PR, Brasil CEP 80060-900
E-mail: drandremaschio@hotmail.com