INTRODUÇÃO
As primeiras descrições do uso de retalho musculocutâneo pediculado, baseado no
músculo reto abdominal para reconstruções de parede torácica e abdominal, foram
de
Drever em 1977, na forma vertical1.
Posteriormente, em 1979, Robins descreveu o mesmo retalho vertical, porém com
a
finalidade de reconstruir as mamas2, que a
seguir, em 1982, foi modificado por Hartrampf, seguido por Gandolfo e Bentett,
e
confeccionado na forma transversal, dando origem ao Retalho Miocutâneo do Músculo
Reto Abdominal (TRAM)1-3, tornando-se rapidamente uma importante
alternativa para reconstruções de mama.
Com o desenvolvimento do TRAM e seu uso em larga escala a partir da década de 90,
surgiram também as complicações relacionadas ao fechamento do sítio doador: a
parede
abdominal. Dentre elas, os abaulamentos e hérnias abdominais têm sido os maiores
desafios para os cirurgiões plásticos que, ainda nessa década, passaram a utilizar
telas sintéticas para reconstruir a parede abdominal após a retirada do músculo.
Deste modo, a incidência dessas complicações depende muito da técnica usada e da
experiência do cirurgião que conduz o procedimento2,3, mas mesmo nas mãos
de profissionais habilidosos, os abaulamentos a longo prazo persistiam, passando
a
ser um inconveniente na qualidade de vida da paciente. O melhor conhecimento da
anatomia, da circulação e dos músculos retos abdominais, em particular, tem reduzido
a incidência de intercorrências e de complicações inerentes a esse tipo de
reconstrução mamária4.
Essa complicação só foi minimizada com o desenvolvimento das técnicas microcirúrgicas
para confecção de retalhos (TRAM) livres, exatamente devido à preservação de grande
parte da musculatura e aponeurose anterior do reto abdominal. Entretanto, este
método não está sempre disponível a todos os serviços de cirurgia plástica que
fazem
reconstrução de mama de rotina, o que torna necessário o desenvolvimento e
aprimoramento de técnicas que minimizem essas complicações.
OBJETIVO
Relatar o caso de paciente E.D.S. (62 anos), submetida à reconstrução mamária com
TRAM, com foco nas complicações pós-operatórias secundárias ao trauma cirúrgico
no
abdome e realizar revisão da literatura por meio da pesquisa do termo
“TRAM-flap” na base de dados PubMed, com seleção dos artigos
que melhor descrevem as complicações desta técnica.
MÉTODO
Realizada consulta ao prontuário médico da paciente e revisão da literatura médica
por meio de pesquisa do termo “TRAM-flap” na base de dados PubMed.
Inicialmente, foram encontrados 1245 artigos. Feito refinamento da busca,
selecionando-se os artigos que melhor apresentavam as complicações da técnica.
RESULTADOS
E.D.S., 62 anos, submetida à mastectomia total à direita com esvaziamento axilar e
radioterapia adjuvante em setembro de 2002 (Figuras 1 e 2). Em janeiro de 2018 foi
submetida à reconstrução mamária com TRAM bipediculado e reconstrução da parede
abdominal com uso de tela de Marlex no Hospital Universitário das Ciências Médicas,
Belo Horizonte, MG.
Figura 1 - Pré e pós 6 meses de TRAM. E.D.S., 62 anos, pre e pós-operatório de 6
meses de reconstrução de mama com TRAM bipediculado.
Figura 1 - Pré e pós 6 meses de TRAM. E.D.S., 62 anos, pre e pós-operatório de 6
meses de reconstrução de mama com TRAM bipediculado.
Figura 2 - Pré e pós 6 meses de TRAM. E.D.S., 62 anos, pre e pós-operatório de 6
meses de reconstrução de mama com TRAM bipediculado.
Figura 2 - Pré e pós 6 meses de TRAM. E.D.S., 62 anos, pre e pós-operatório de 6
meses de reconstrução de mama com TRAM bipediculado.
Optou-se por esta técnica devido à presença de flacidez cutânea abdominal e à
presença de pele com qualidade ruim na área da mastectomia, pouca elasticidade,
aderida à parede torácica e cursando com retração da pele da região torácica
ipsilateral dorsal. No 1º dia de pós-operatório (DPO) a
paciente apresentou dor abdominal intensa associada a quadro de tosse, com
alterações clínicas e radiológicas sugestivas de atelectasia em base pulmonar
direita.
Após 7 dias de tratamento clínico, evoluiu com melhora da tosse e alívio moderado
da
dor abdominal. Até o 7º DPO, manteve volume aumentado de drenagem de líquido
sero-hemático pelo dreno Portovac deixado no abdome. No 3º DPO notou-se presença
de
sofrimento de pele inicial na parte central da ferida operatória (FO) abdominal,
aparentemente superficial, sem deiscências ou sinais de infecção. Feito
acompanhamento da FO abdominal durante o período de internação, sem necessidade
de
abordagem.
Recebeu alta para acompanhamento ambulatorial no 7º DPO, porém foi reinternada no
27º
DPO devido à evolução com necrose parcial na parede abdominal e deiscência da
sutura
com exposição parcial da tela de Marlex (Figura 3). Foi então submetida a debridamento cirúrgico com ressecção do
segmento exposto da tela seguido por curativos diários até fechamento por segunda
intenção.
Figura 3 - Tela de Marlex exposta. E.D.S., 62 anos, evoluindo com exposição de
tela de Marlex.
Figura 3 - Tela de Marlex exposta. E.D.S., 62 anos, evoluindo com exposição de
tela de Marlex.
Tempo total de internação: 18 dias (1ª e 2ª internação) (Figura 4). A paciente não apresentou complicações na área
reconstruída. Após 5 meses, apresenta-se com FO de aspecto regular, com necessidade
de correção programada para ser realizada juntamente com a próxima etapa de
simetrização da mama.
Figura 4 - Ferida granulada. E.D.S., 62 anos, fechamento de ferida por segunda
intenção com uso de oleo dersani.
Figura 4 - Ferida granulada. E.D.S., 62 anos, fechamento de ferida por segunda
intenção com uso de oleo dersani.
Conforme citado acima, a paciente em questão não apresentou qualquer complicação
específica da área reconstruída, porém apresentou as seguintes complicações
associadas ao trauma cirúrgico em região abdominal: dor abdominal de forte
intensidade, tosse e atelectasia de base pulmonar direita, volume aumentado de
drenagem pelo dreno Portovac, sofrimento e necrose da parte central distal do
retalho abdominal, deiscência de FO abdominal com exposição da tela de Marlex
e
abaulamento e flacidez da parede abdominal tardias. Além disso, há que se considerar
o tempo prolongado de internação.
DISCUSSÃO
As complicações do TRAM, apesar de pouco comuns, podem ser inconvenientes. As mais
frequentes podem ser divididas em complicações recentes e tardias. Entre as
complicações precoces podemos citar hematomas, seromas no abdome, deiscências
e as
necroses parciais do retalho, todas elas encontradas na paciente.
Dentre as complicações tardias, as mais frequentes são: hipertrofias de cicatriz,
assimetrias, abaulamento e hérnias. A remoção da parte da fáscia abdominal do
reto
anterior leva a uma fraqueza da parede, o que pode induzir o abaulamento - embora
sejam raras as hérnias incisionais decorrentes da cirurgia de tratamento complexo.
Portanto, deve-se realizar o fechamento da parede abdominal com muito cuidado5.
O melhor método para reconstrução mamária deve ser seguro, confiável, acessível para
todas as pacientes e deve oferecer pouca ou nenhuma morbidade ao sítio doador.
O
retalho TRAM se mantem como método mais popular para reconstrução autóloga, sem
utilização de próteses e, ao mesmo tempo, deixa uma sequela cicatricial abdominal
baixa, muito similar à de uma abdominoplastia. Assimetria, forma e aparência
estética da mama reconstruída são as vantagens quando se o utiliza6,7.
As complicações associadas à reconstrução mamária com emprego do TRAM são associadas
ao retalho e a área doadora. As do retalho incluem perdas parcial ou total,
esteatonecrose, deiscência de ferida e infecção. As complicações da área doadora
incluem seroma, hematoma, hérnia abdominal, fraqueza da parede abdominal,
abaulamentos e deiscência da ferida. A maioria das complicações que acometem a
área
doadora incluem dor e necrose parcial8,9.
A necrose parcial de pele da área receptora pode estar relacionada à ressecção ampla
de tecido subcutâneo que nutre a pele local, além da tensão excessiva no momento
da
confecção da nova mama, com consequente suprimento sanguíneo inadequado e posterior
sofrimento, principalmente na região central, e a longo prazo podem gerar uma
cicatriz hipertrófica9.
A competência da parede abdominal é uma das principais preocupações dos cirurgiões
plásticos que utilizam o TRAM em reconstruções mamárias. A utilização de telas
sintéticas para reconstituir a parede abdominal após a retirada do músculo altera
a
incidência de complicações como hérnias e abaulamentos, que não dependem somente
desta, mas também da técnica usada e da experiência do cirurgião que conduz o
procedimento.
Os abaulamentos, mesmo em mãos experientes e habilidosas, persistem, podendo ser um
inconveniente na qualidade de vida da paciente. Baixas taxas de hérnias ou
abaulamentos, estabilidade abdominal e pouca flacidez são as expectativas atuais
mais importantes para o fechamento abdominal de sucesso7.
Pode haver diminuição da força muscular abdominal quando se opta pela confecção de
TRAM bipediculado. Porém, é pouco provável que isso tenha algum efeito perceptível
nas atividades diárias do paciente6,7.
Além das complicações inerentes ao procedimento, múltiplos fatores podem estar
associados aumentando o índice de complicações da reconstrução, tais como diabetes,
obesidade e tabagismo. Pacientes obesos são mais propensos a ter maiores taxas
de
necrose do retalho e hematoma. O tabagismo aumenta a incidência de necrose do
retalho abdominal, hérnias, e perdas do retalho8,9.
Existem diferentes variantes do retalho TRAM. As complicações presentes não são
representativas de uma técnica específica e este método permanece uma opção segura
e
confiável com morbidade do sítio doador, comparável com outras técnicas de
reconstrução mamária9,10.
CONCLUSÃO
A reconstrução mamária é procedimento de grande importância, capaz de amenizar os
estigmas físicos associados ao tratamento cirúrgico do câncer de mama e de trazer
grande melhora para a autoestima e para a qualidade de vida das mulheres submetidas
à mastectomia. Para a escolha da técnica reconstrutiva a ser utilizada, vários
fatores devem ser considerados, dentre eles a experiência do cirurgião, a anatomia
e
a vontade da paciente e também as vantagens e as possíveis complicações associadas
a
cada técnica.
A técnica de reconstrução mamária com TRAM possui como vantagens o volume mamário
conseguido em um único tempo cirúrgico, a boa simetria com a mama contralateral
possível de se obter e até a melhoria estética do abdome, a depender do seu aspecto
prévio. Entretanto, além das possíveis complicações que podem ocorrer na área
a ser
reconstruída, devem ser consideradas as complicações que a área doadora abdominal
pode vir a apresentar, como abaulamentos e fraqueza da parede abdominal, hérnias,
cicatrizes inestéticas, dentre outras já citadas.
Deve-se ponderar até que grau possíveis complicações abdominais e o surgimento de
morbidade para uma área previamente normal são toleráveis pela paciente em prol
da
reconstrução da mama. Neste sentido, as pacientes com proposta de reconstrução
mamária com TRAM devem estar plenamente cientes da alterações e complicações
abdominais precoces e tardias que podem apresentar, avaliando juntamente com seu
médico o risco-benefício do uso desta técnica.
AGRADECIMENTOS
Registramos nosso agradecimento a todos os funcionários e colegas do Hospital
Universitário Ciências Médicas, em especial ao Dr. José Cesário da Silva Almada
Lima, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e ao Dr. Lucio Flavio Manetta Martins
Belem, regente do programa de Residência Médica/Especialização em Cirurgia Plástica
do HUCM/FELUMA.
REFERÊNCIAS
1. Bowman CC, Lennox PA, Clugston PA, Courtemanche DJ. Breast
reconstruction in older women: should age be an exclusion criterion? Plast
Reconstr Surg. 2006;118(1):16-22.
2. Glasberg SB, D'Amico RA. Use of regenerative human acellular tissue
(AlloDerm) to reconstruct the abdominal wall following pedicle TRAM flap breast
reconstruction surgery. Plast Reconstr Surg. 2006;118(1):8-15. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.prs.0000220470.97776.f5
3. Kind GM, Rademaker AW, Mustoe TA. Abdominal-wall recovery following
TRAM flap: a functional outcome study. Plast Reconstr Surg. 1997;99(2):417-28.
DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199702000-00016
4. Keppke EM. TRAM bipediculado com preservação dos músculos retos do
abdome abaixo da linha arqueada e sem o uso de tela de reforço. Rev Bras Cir
Plást. 2012;27(1):49-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752012000100009
5. Tachi M, Yamada A. Choice of flaps for breast reconstruction. Int J
Clin Oncol. 2005;10(5):289-97. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s10147-005-0527-4
6. Simon AM, Bouwense CL, McMillan S, Lamb S, Hammond DC. Comparison of
unipedicled and bipedicled TRAM flap breast reconstructions: assessment of
physical function and patient satisfaction. Plast Reconstr Surg.
2004;113(1):136-40. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.PRS.0000095939.19970.D5
7. Rossetto LA, Abla LE, Vidal R, Garcia EB, Gonzalez RJ, Gebrim LH, et
al. Factors associated with hernia and bulge formation at the donor site of the
pedicled TRAM flap. Eur J Plast Surg. 2010;33(4):203-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s00238-010-0418-4
8. Moura RMG, Bezerra FJF. Emprego dos pontos de adesão nas
reconstruções mamárias com TRAM mais tela sintética. Rev Bras Cir Plást.
2008;23(3):153-7.
9. Machado WA, Pessoa SGP, Muniz VV. Complicações em reconstrução
mamária com retalho transverso de músculo reto abdominal (TRAM) em hospital
público de Fortaleza, nos últimos 5 anos. Rev AMRIGS (Porto Alegre).
2016;60(4):279-399.
10. Paredes CG, Pessoa SGP, Amorim DN, Peixoto DTT, Araújo JS.
Complicações em reconstrução de mama com retalho pediculado do músculo reto
abdominal transverso. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(4):552-5. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752012000400014
1. Hospital Universitário das Ciências
Médicas, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Endereço Autor: Claudia Mariel Herrera
Gallardo
Rua dos Aimorés, nº 2896 - Santo Agostinho
Belo Horizonte,
MG, Brasil CEP 30140-073
E-mail: draclauditaherrera@hotmail.com