INTRODUÇÃO
Orelha em abano é o mais comum de todos os defeitos congênitos da orelha. Pode ser
notado ao nascimento da criança e geralmente torna-se pior com o passar do
tempo1.
A otoplastia é um procedimento enormemente compensador para o cirurgião e para o
paciente/família, porque se pode esperar por resultados bons e pacientes satisfeitos
na maioria dos casos. Além disso, as manobras técnicas necessárias estão entre
as
mais simples da cirurgia plástica2.
Sua conformação anatômica permite identificar dois eixos, que em média possuem 6cm
o
maior (vertical) e 3cm o menor (horizontal). Ao implantar-se no crânio, a orelha
o
faz em um ângulo de 30º (ângulo cranioconchal), sendo de 90º o ângulo entre a
escafa
e a concha (ângulo escafoconchal)3.
As orelhas em abano ocorrem por mau desenvolvimento da dobra anti-hélice, a qual pode
estar ausente ou insuficiente e ainda por crescimento excessivo da concha. Essas
duas mal formações podem acontecer de forma isolada ou estarem ambas presentes4.
A aparência normal da orelha é a seguinte: (1) vista de frente a rima da hélice deve
ser visível, saindo por detrás da anti-hélice; (2) quando vistos lateralmente,
os
contornos devem ser suaves e arredondados, nunca pontiagudos; (3) finalmente,
e de
maior ajuda ao cirurgião que está sentado atrás do paciente no intraoperatório,
quando visto por trás do paciente, o contorno da rima da hélice deve ser uma linha
reta e não a forma de um “C” ou de um taco de hóquei, ou qualquer outra5.
Vários métodos foram descritos para corrigir as alterações anatômicas relatadas
anteriormente. As técnicas que resistiram à prova do tempo são as mais simples,
mais
confiáveis e com menos probabilidade de trazer complicações ou de ter aspecto
de
“operado”6.
Atribui-se a Dieffenbach, em 1845, a primeira tentativa de correção da orelha em
abano ou orelha protrusa pela exérese de um fuso de pele retroauricular3.
Ely, em 1881, recomenda a ressecção da cartilagem e da pele anterior e posterior da
orelha, assim como fez Morestin (1903) e Luckett (1910), que revolucionaram os
conceitos naquela época, demonstrando que a orelha em abano ocorre devido ao aumento
do ângulo escafoconchal e não devido ao ângulo entre a escafa e a mastoide1.
Mustardé, em 1963, descreve a utilização de pontos em U que são dados a partir da
escafa e/ou fossa triangular até a concha e amarrados com tensão suficiente para
aumentar a definição da dobra da anti-hélice, posicionando assim a borda da hélice
e
da escafa6.
O ângulo entre a concha e a mastoide craniana pode ser diminuído posicionando-se
pontos entre a concha e a fascia da mastoide, conforme descrito por Furnas
(1968)3.
Baumgartner (1966) sugere a excisão de um triângulo horizontal de pele no lado
posterior do lóbulo para tratamento de lóbulo proeminente1.
OBJETIVO
Demonstrar a abordagem cirúrgica, o grau de satisfação e os resultados obtidos da
aplicação de uma técnica formada pela união de diversas técnicas cirúrgicas
consagradas na história da cirurgia plástica para correção de orelhas em abano
realizada a nível ambulatorial pelo Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia
Reconstrutiva do Hospital Universitário Walter Cantídio.
MÉTODO
O presente estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética do hospital e corresponde a
um
estudo coorte retrospectivo transversal de pacientes que foram submetidos à correção
de deformidade orelhas em abano, no período 1 de julho 2014 a 1 de julho de 2017,
realizados no ambulatório do Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia
Reconstrutiva do Hospital Universitário Walter Cantídio, em Fortaleza, CE.
Foram incluídos os pacientes que mantiveram um seguimento ambulatorial de no mínimo
6
meses e com idade igual ou superior a 15 anos.
Foram excluídos os pacientes abaixo de 15 anos e que mantiveram o seguimento
ambulatorial menor que 6 meses.
Foi empregado um questionário sobre o grau de satisfação do paciente, realizado ao
completar 6 meses de pós-operatório que continham notas de 1 a 4, onde: 1 (péssimo
resultado); 2 (regular resultado); 3 (bom resultado) e 4 (ótimo resultado).
A técnica utilizada resultou da união de diversas técnicas consagradas pela história
de cirurgia plástica para correção da deformidade orelhas em abano que incluem
a
ressecção de excesso de cartilagem conchal, fixação da concha ao periósteo da
mastoide com pontos de Furnas, raspagem da cartilagem conchal e formação da
anti-hélice através dos pontos de Mustardé.
Técnica operatória
I. Marcação:
Iniciou-se com a marcação da pele, com caneta de marcação cirúrgica, com o
paciente em decúbito dorsal e cabeça levemente virada para o lado oposta à
orelha. Identificou-se e marcou-se o sulco retroauricular. Em seguida,
marcou-se cerca de 3mm acima e paralelo a esta linha, a faixa de pele a ser
ressecada, em formato de cunha de aproximadamente 4 cm de comprimento e 3mm
de diâmetro, em região retroauricular com base em lóbulo da orelha e de
formato triangular (Figura 1).
Figura 1 - Marcação da pele.
Figura 1 - Marcação da pele.
II. Antissepsia, Assepsia e Colocação de Campos
Estéreis
III. Anestesia:
Realizou-se a infiltração de solução de 10,0 ml de lidocaína a 2% com
adrenalina em 10,0 ml de soro fisiológico a 0,9% ao redor de cada orelha,
seguido de infiltração da pele a ser ressecada e, por último, realizou-se a
confecção de um botão anestésico na pele em região anterior da cartilagem
conchal.
IV. Incisão:
Iniciou-se com a incisão e ressecção da pele previamente demarcada em região
retroauricular, seguido de descolamento da pele em região mastoidea e
descolamento da pele em região escafal, afastando-a do pericôndrio.
Identificou-se ainda e secciona-se o músculo auricular posterior,
facilitando a formação dos pontos de Furnas.
Realizou-se a incisão de aproximadamente 2mm na porção posterior da
cartilagem conchal, por onde foi introduzido o descolador para confecção de
um túnel na face anterior da cartilagem, em todo o trajeto da anti-hélice
que se pretendeu moldar em sua porção superior e inferior.
V. Ressecção da cartilagem conchal e confecção dos pontos de
Furnas:
Delimitou-se o a cartilagem conchal com 3 agulhas 25 x 7, transfixando a
cartilagem da região anterior para posterior e, desta forma, definiu-se o
excesso de cartilagem conchal a ser ressecada (Figura 2).
Figura 2 - Delimitação do excesso de cartilagem conchal.
Figura 2 - Delimitação do excesso de cartilagem conchal.
Realizou-se ainda a fixação de ambas as margens da cartilagem conchal, após a
ressecção do excesso de cartilagem, ao periósteo da mastoide com nylon 4:0
através dos pontos de Furnas que foram mantidos reparados por pinças e
tracionados posteriormente (Figura 3).
Figura 3 - Formação dos pontos de Furnas.
Figura 3 - Formação dos pontos de Furnas.
VI. Confecção dos pontos de Mustardé para formação da
anti-hélice:
Através da manobra de pinçamento digital, definiram-se os pontos superiores e
inferiores em região escafo/conchal e escafo/fossa triangular, seguido de
transfixação por agulhas 25 x 7 para passagem dos pontos de Mustardé com
nylon 4:0 incolor para definição e formação da anti-hélice, mantendo-se os
fios reparados com pinças para tração posterior dos pontos de acordo com a
necessidade (Figura 4).
Figura 4 - Pontos de Mustardé.
Figura 4 - Pontos de Mustardé.
VII. Finalização dos pontos reparados de furnas e Mustardé:
Tracionaram-se os pontos reparados sempre da porção inferior da orelha para
porção superior, realizando a tensão do nó de acordo com a necessidade e
desta forma aproximou-se a orelha para o local desejado e definiu-se a
anti-hélice.
VIII. Reparação do Lóbulo da Orelha:
A reparação do lóbulo da orelha proeminente foi feita como última etapa pela
excisão de um triângulo horizontal de pele no lado posterior do lóbulo,
colocando-o em posição harmônica de acordo com a nova posição da orelha.
Finalizou-se o procedimento cirúrgico com pontos em U da pele evertendo as
bordas em região retroauricular.
IX. Curativo:
Foi realizado com algodão umedecido com soro fisiológico a 0,9%, para moldar
a orelha na sua porção anterior. Foi coberto por gaze para auxiliar na
proteção e acolchoamento da orelha. Realizou-se, ainda, curativo com
“capacete” de atadura, que permaneceu por 48 a 72 horas, sendo trocado no
ambulatório da cirurgia plástica por uma faixa para otoplastia com velcro,
protegendo a orelha de eventuais traumas e foi mantida por 30 dias, seguido
do uso de mais 30 dias somente ao deitar.
RESULTADOS
Um total de 38 pacientes portadores de orelhas em abano foram submetidos à
otoplastia, cuja idade variou de 15 a 53 anos, com média de 27,2 anos, sendo 24
do
sexo masculino e 14 do sexo feminino.
Em relação à satisfação, apenas 1 (2,6%) paciente declarou regular resultado, 2
(5,3%) declararam bom resultado e 35 (92,1%) afirmaram ótimo resultado satisfatório
(Figura 5).
Figura 5 - Grau de satisfação dos pacientes
Figura 5 - Grau de satisfação dos pacientes
Identificamos 16 pacientes que apresentavam somente hipertrofia da concha, 9
pacientes com mal formação da anti-hélice e 13 pacientes apresentavam ao mesmo
tempo
hipertrofia da concha e mal formação da anti-hélice.
Tivemos como complicação 2 casos (5,2%) de mau posicionamento da orelha, identificada
pela queixa do paciente e interesse por novo procedimento para correção da
deformidade da orelha externa, e não tivemos nenhum caso de hematoma, infecção,
dor,
necrose de pele ou extrusão de fio de sutura.
A Figura 6 ilustra alguns pacientes operados
pertencentes à casuística.
Figura 6 - Pré-operatório e pós-operatório. Em A, C, E, G, I e K vista anterior.
Em B, D, F, H, J e L vista posterior.
Figura 6 - Pré-operatório e pós-operatório. Em A, C, E, G, I e K vista anterior.
Em B, D, F, H, J e L vista posterior.
DISCUSSÃO
Realizou-se a incisão a 3mm do sulco retroauricular, seguida de excisão de 3mm de
pele em formato de cunha, evitando assim o excesso de pele retroauricular resultante
da redução da cartilagem conchal ressecada, em consonância com Weinzweig7, que afirma que a excisão de pele em região
retroauricular é feita para evitar a redundância de pele no sulco.
Realizou-se a combinação de ressecção do excesso de cartilagem conchal com pontos
de
Furnas na concha e na mastoide, e, desta forma, permitiu-se a ressecção de menor
quantidade de concha (3mm), minimizando a deformidade iatrogênica. Grabb &
Smith6 afirmam que a excisão da concha de
forma isolada pode resultar em deformidade da parede posterior e a utilização
isolada de ponto de Furnas pode resultar em correção inadequada, dor, estreitamento
do canal auditivo externo e diminuição da profundidade do sulco retroauricular.
Realizou-se somente a raspagem da anti-hélice sem haver incisões na cartilagem nesta
região, pois estas incisões relacionam-se a uma incidência maior de complicações,
confirmada por Mélega1, que refere que se a
cartilagem for incisada uma, duas ou várias vezes, como proposto por muitas
técnicas, o resultado final pode apresentar dobras salientes dos fragmentos de
cartilagem, resultando em aparência deselegante e desgraciosa.
Optou-se pela formação do sulco cartilaginoso na área da anti-hélice, com pontos
transfixantes através da cartilagem (pontos de Mustardé), corrigindo assim
cartilagens de consistência amolecida, acrescentando o uso da raspagem para as
cartilagens de consistência endurecida, e, desta forma conservadora, sem incisões
cartilaginosas, permitiram-se reparos posteriores, quando necessário, confirmado
por
Pitanguy4, que afirma que a principal
vantagem dessa técnica é que qualquer resultado inadequado pode ser corrigido.
Na literatura as taxas de complicações são variáveis, tendo relação direta com a
experiência do cirurgião e a técnica empregada. Shiffman8 afirma que as complicações da otoplastia podem ser divididas
em categorias precoce e tardia. As complicações precoces ocorrem dentro de horas
a
dias e incluem hematoma e infecção etc. As complicações tardias manifestam-se
em
semanas a meses e incluem a insatisfação do paciente, complicações de sutura (por
exemplo, granuloma de extrusão), recidiva ou deformidade residual, má cicatrização
(queloide e cicatriz hipertrófica) e hipoestesia.
No estudo de Aki et al.9 foram
revistos 508 casos de otoplastia, com tática cirúrgica predominante a associação
de
pontos de Mustardé e Furnas, operados por residentes de cirurgia plástica sob
supervisão, com ocorrência de infecção em 5,1% dos casos, seguido pela formação
de
hematoma em 4,2% e necrose de pele em 2,5%. A complicação tardia mais frequente
foi
o mau posicionamento, que ocorreu em 11% dos casos, sendo que 3,1% dos pacientes
necessitaram de reoperação devido à recidiva. Complicações relacionadas à sutura
foram observadas em 6,1% dos casos, extrusão tardia em 4,1% e granuloma em 2%,
seguidas por cicatrizes hipertróficas e queloide (3,3%).
Em nosso estudo de 38 pacientes submetidos à otoplastia bilateral a nível
ambulatorial e sob bloqueio anestésico local, observamos 2 casos de mau
posicionamento da orelha (5,2%) e nenhum caso de infecção. Atribuímos este resultado
à assepsia e antissepsia rigorosa no momento da cirurgia e uso de antibiótico
terapia com cefadroxil de 12/12h por 7 dias no pós-operatório. Não observamos
nenhum
caso de hematoma, dor, necrose de pele ou extrusão de fio de sutura.
Propomos ainda novos estudos e que a técnica referida sirva de inspiração para novos
trabalhos e maior comparação dos resultados obtidos.
CONCLUSÃO
A técnica apresentada fundamentada nos resultados encontrados e comparados com a
literatura, é recomendada para uso universal, fornecendo baixo número de
complicações e ótima satisfação pela maioria dos pacientes.
REFERÊNCIAS
1. Mélega JM. Cirurgia plástica fundamentos e arte: princípios gerais.
2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
2. Neligan PC, Gurtner GC, eds. Cirurgia Plástica: Estética. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Elsevier; 2015.
3. Franco T. Princípios de cirurgia plástica. 1ª ed. São Paulo:
Atheneu; 2002.
4. Pitanguy I. Cirurgia Plástica: Uma visão de sua amplitude. 1ª ed.
São Paulo: Atheneu; 2016.
5. Aston SJ, Steinbrech DS, Walden JL. Cirurgia Plástica Estética.1ª
ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2011.
6. Grabb WC, Smith JW. Cirurgia Plástica. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 2009.
7. Weinzweig P. Plastic Surgery Secrets Plus. 2nd ed. Philadelphia:
Mosby Elsevier; 2010.
8. Shiffman AM, ed. Advanced Cosmetic Otoplasty: Art, Science, and New
Clinical Techniques. 1st ed. Berlin Heidelberg: Springer Verlag;
2013.
9. Aki F, Sakaem E, Cruz DP, Kamakura L, Ferreira MC. Complicações em
otoplastia: revisão de 508 casos. Rev Bras Cir Plást.
2006;21(3):140-4.
1. Hospital Universitário Walter Cantídio,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São
Paulo, SP, Brasil.
Endereço Autor: Rogerio de Oliveira
Ribeiro
Av. General Osório de Paiva, nº 857, Apto 810-A - Parangaba
Fortaleza, CE, Brasil CEP 60720-015
E-mail: roimed@yahoo.com.br