

Membro Superior e Inferior - Year 2018 - Volume 33 - (Suppl.1)
Utilização do retalho microcirúrgico do músculo grande dorsal para a reconstrução da mão torta congênita
RESUMO
A reconstrução do segmento distal do antebraço, sobretudo a região do punho, pode representar um grande desafio. A Mão Torta Radial (MTR) é uma deficiência longitudinal congênita do rádio que varia desde uma hipoplasia até a ausência completa deste osso longo, com consequente desvio da posição normal dos ossos do carpo, o que confere ao indivíduo uma posição antifuncional e prejuízo na aquisição da pinça digital. A reparação do defeito ortopédico impõe a exposição dos ossos do punho, tendões e eixo vascular. O presente relato demonstra a utilização do retalho microcirúrgico do músculo grande dorsal para a cobertura das estruturas profundas da região do punho na criança.
Palavras-chave: Retalhos cirúrgicos; Reabilitação; Microcirurgia.
As reconstruções do segmento distal dos membros superiores sempre constituíram um grande desafio para a cirurgia plástica reparadora. As restrições referentes às opções de retalhos regionais disponíveis e os casos não infrequentes de insucessos causam limitações significativas nos resultados estético e funcional da cirurgia reconstrutiva da mão.
A Mão Torta Radial (MTR), desde a hipoplasia até a ausência congênita do rádio, é uma deformidade longitudinal complexa que afeta diversas estruturas pré-axiais do membro superior. Dentre as alterações associadas à síndrome estão a ausência ou hipotrofia dos músculos braquiorradial, supinador, extensor do dedo mínimo e da musculatura intrínseca e extrínseca do polegar, independentemente da presença ou não do primeiro raio. Os extensores radiais curto e longo do carpo podem ou não estar presentes.
OBJETIVO
Demonstrar a utilização do retalho microcirúrgico miocutâneo do músculo grande dorsal como uma opção técnica adequada para a reconstrução do segmento do punho e mão em indivíduos com Mão Torta Congênita.
MÉTODOS
Paciente F.L.B.J., masculino, 2 anos, portador de MTR em sua apresentação mais comum: hipoplasia do rádio não associada à deformidade ulnar (tipo Ulna Plus) com perda de substância associada à retração de tecidos moles na circunferência do punho direito e mau posicionamento do carpo - mão torta radial associada a banda amniótica no membro afetado (Figuras 1 e 2). A operação consistiu de uma primeira etapa de reposicionamento do rádio e uma segunda etapa com transplante microcirúrgico do músculo grande dorsal contralateral associada a fios de pele baseado nas perfurantes septomusculares.

Figura 1. Aspecto da criança portadora de mão torta radial - MTR

Figura 2. Aspecto da mão em devido radial.
A angiotomografia para avaliação pré-operatória da vascularização do membro superior demonstrou permeabilidade do arco palmar de forma que a anastomose planejada consistiu de anastomose terminoterminal entre a artéria toracodorsal e a artéria radial. A cirurgia foi realizada sob anestesia geral, decúbito lateral esquerdo com membro superior abduzido e antibioticoterapia profilática (cefazolina 2g endovenoso na indução anestésica com repique de metade desta dose a cada 4 horas).
Inicialmente, a mão com desvio radial foi tratada pela equipe da ortopedia, com o objetivo de correção da deformidade em flexão. O reposicionamento do punho gerou defeito na região de aproximadamente 8cm, circunferencial, com exposição de ossos do punho, aparato flexor e extensor. Como parte do plano de tratamento, foi então realizada a seguir a transplante do retalho microcirúrgico. O retalho escolhido foi o miocutâneo de músculo grande dorsal, devido à possibilidade de atuação de duas equipes ao mesmo tempo, uma no punho preparando os vasos receptores, e outra na confecção do retalho de músculo grande dorsal, miocutâneo.
Após a incisão de pele e subcutâneo, foi liberado o músculo grande dorsal, mantendo o segmento muscular do retalho maior que a ilha de pele. O pedículo do músculo grande dorsal foi facilmente identificado na sua porção proximal, em direção à axila, identificando-se também a artéria, a veia e o nervo toracodorsais, além do ramo para o músculo serrátil. A dissecção foi interrompida na origem da artéria circunflexa escapular.
Posteriormente, o músculo foi liberado na sua inserção do bordo ânteromedial do úmero (Figuras 3 e 4). Após a retirada do músculo para o transplante, foi realizado o fechamento direto da área doadora, evitando o uso de enxertos, visando ao melhor resultado estético. Drenagem tubular a vácuo foi utilizada para prevenção de seromas e vigilância de hematomas, sendo o mesmo retirado com débito inferior a 50 ml/24h.

Figura 3. Zona doadora do retalho microcirúrgico do músculo grande dorsal.

Figura 4. Aspecto do músculo grande dorsal na criança.
As anastomoses vasculares foram iniciadas pela artéria, em grafia terminoterminal entre a artéria toracodorsal e a artéria radial receptora, por meio de pontos separados em técnica microcirúrgica sob luz de microscopia óptica em magnitude de 300x. As anastomoses venosas foram realizadas entre a veia comitante radial mais calibrosa e entre a veia toracodorsal e a veia cefálica do membro afetado1.
RESULTADOS
Paciente obteve excelente evolução pós-operatória, permanecendo em Unidade de Tratamento Intensivo por dois dias em função do constante monitoramento do retalho microcirúrgico e necessidade de infusão contínua de soro para facilitar a perfusão do retalho. O paciente não foi anticoagulado. Após 48 horas, obteve alta para o quarto e permaneceu hospitalizado por uma semana após o procedimento, quando obteve alta hospitalar com tala gessada para proteção da região operada, sendo estimulado a movimentar os dedos dentro do aparato gessado.
O membro superior direito permaneceu imobilizado durante 15 dias. Foi encaminhado à fisioterapia para recuperação funcional, por um período de 6 meses, quando se observou adequada recuperação da pinça digital com o polegar e segundos e terceiro dedos da mão.
A correção ortopédica da posição do punho na mão torta radial permitiu melhor função da mão (Figura 5). Desde então, o paciente tem sido acompanhado no ambulatório de cirurgia da mão para observação do crescimento ósseo do membro afetado. Até quatro anos após o procedimento, tem-se observado perceptível diferença - cerca de 3cm - no comprimento dos ossos do antebraço em relação ao lado oposto, o que pode representar um achado esperado na vigência desta alteração congênita.

Figura 5. Correção do defeito ortopédico associado a tipo de cobertura proporcionada pelo transplante microcirúrgico do músculo grande dorsal.
DISCUSSÃO
O retalho do músculo grande dorsal foi inicialmente descrito por Tansini em 1895 e sua forma microcirúrgica preconizada por Maxwell et al. em 1978. O retalho do músculo grande dorsal, muscular ou miocutâneo tornou-se uma das principais opções terapêuticas nas reconstruções com retalhos microcirúrgicos em função do grande volume de tecido oferecido.
Além disso, há substituição de suas funções de abdução, extensão e rotação interna do úmero pelos músculos peitorais maior e menor, subescapular e redondo maior1-6. As primeiras descrições anatômicas do retalho do grande dorsal foram de De Coninck et al.3 e Taylor & Daniel4 e as primeiras aplicações clínicas são atribuídas a Fujino e Saito, Boeckx e de Coninck, além de Baudet et al.6.
O músculo grande dorsal proporciona um retalho volumoso ou de menor volume, podendo ser extraído com base na segmentação muscular, e apresenta pedículo vascular constante baseado na artéria e veia toracodorsais. Pode ser também utilizado para cobertura de áreas mais extensas de até 15cm de comnprimento. A fáscia muscular deve ser dissecada junto com o retalho, pois esta camada pode ser usada para manter o músculo firmemente aderido.
Em defeitos menores no adulto, entretanto, outros retalhos regionais ou microcirúrgicos podem ser também realizados, como é o caso dos retalhos fasciocutâneos e o retalho muscular do músculo grácil, que costuma deixar um defeito menos aparente na zona doadora do que o da extração do músculo grande dorsal.
Outra vantagem do retalho miocutâneo de grande dorsal no presente relato foi o de permitir o posicionamento de duas equipes simultâneas de trabalho, diminuindo o temp cirúrgico, uma vez que a área doadora se encontra distante do leito receptor7-9.
CONCLUSÃO
Os autores deste trabalham concluem que o transplante microcirúrgico - retalho miocutâneo - do músculo grande dorsal representa uma alternativa confiável para a reconstrução dos tecidos moles consequentes ao tratamento cirúrgico da Mão Torta radial na criança.
REFERÊNCIAS
1. Maxwell GP, Stueber K, Hoopes JE. A free latissimus dorsi myocutaneous flap: case report. Plast Reconstr Surg.1978;62(3):462-6. PMID: 358230 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-197809000-00033
2. Daniel RK, Taylor GI. Distant transfer of an island flap by microvascular anastomoses. A clinical technique. Plast Reconstr Surg. 1973;52(2):111-7. PMID: 4578998
3. De Coninck A, Boeckx W, Vanderlinden E, Claessen G. Autotransplants avec microsutures vascularies: anatomie des zonas donneuses. Ann Chir Plast. 1975;20(2):163-70.
4. Taylor GI, Daniel RK. The anatomy of several free flap donor sites. Plast Reconstr Surg. 1975;56(3):243-53. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-197509000-00001
5. Boeckx WD, De Coninck A, Vanderlinden E. Ten free flap transfers: use of intra-arterial dye injections to outline a flap exactly. Plast Reconstr Surg. 1976;57(6):716-21. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-197606000-00006
6. Baudet J, Guimberteau JC, Nascimento E. Successful clinical transfer of two free thoraco-dorsal axillary flaps. Plast Reconstr Surg. 1976;58(6):680-8. PMID: 792917 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-197612000-00005
7. Mathes SJ, Vasconez LO. Myocutaneous free-flap transfer. Anatomical and experimental considerations Plast Reconstr Surg. 1978; 62(2):162-6.
8. Chen YX, Chen LE, Seaber AV, Urbaniak JR. Comparision of continuous and interrupted suture techniques in microvascular anastomosis. J Hand Surg. 2001;26(3):530-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1053/jhsu.2001.22933
9. Mathes SJ, Nahai F. Classification of the vascular anatomy of muscles: experimental and clinical correlation. Plast Reconstr Surg. 1981;67(2):177-87. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-198167020-00007
Hospital São Lucas da PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil
Endereço Autor:
Cristiano Duncan Aita
Rua Coronel Bordini, 643, apto 02 - Auxiliador
Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90440-001
E-mail: cristianoaita@hotmail.com