ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

Previous Article Next Article

Face I - Year2018 - Volume33 - (Suppl.1)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0060

RESUMO

INTRODUÇÃO: O ectrópio se caracteriza por uma eversão da margem palpebral, e é mais comum na pálpebra inferior. O processo de exposição ocular associado a esse quadro pode levar a sequelas graves, como a perda ocular. Muitos retalhos foram propostos para tratar esse quadro. Contudo, a taxa de recorrência pode ser alta, e quando o defeito se localiza na porção medial da pálpebra, ele se torna muito mais desafiador. Por isso, é fundamental que o cirurgião disponha de uma variedade de estratégias cirúrgicas para tratar adequadamente esses casos, definindo, em cada circunstância, qual a melhor técnica a ser adotada, entre as possibilidades disponíveis. O objetivo é apresentar o emprego do retalho miocutâneo de pálpebra superior para inferior, pediculado medialmente, como alternativa no tratamento de três casos de ectrópio
MÉTODOS: Tratamento de pálpebra inferior com retalho miocutâneo de pálpebra superior para inferior, pediculado medialmente. Três casos pós-ressecção de lesão oncológica que evoluíram com ectrópio de pálpebra inferior (um deles já recidivado) e que foram trados com retalho miocutâneo de pálpebra superior para inferior, pediculado medialmente; nenhum dos 3 casos apresentou recidiva após essa abordagem proposta.
CONCLUSÃO: O retalho miocutâneo de pálpebra superior para inferior com pedículo medial demonstrou-se uma opção viável, com resultado funcional e estético satisfatório, sem trazer grande prejuízo à área doadora e apresentando pele de cor, espessura e textura adequada à reconstrução da pálpebra inferior.

Palavras-chave: Ectrópio; Retalhos cirúrgicos; Pálpebras; Carcinoma; Reabilitação.


INTRODUÇÃO

O ectrópio consiste numa eversão da margem palpebral. A sua causa mais comum é a distração mecânica da pálpebra inferior1. Geralmente, ocorre no contexto de casos de trauma, infecção, contratura de enxerto de pele2, frouxidão ligamentar do tarso, frouxidão horizontal da pele, paralisia do músculo orbicular entre outras1. Quando a margem palpebral fica exposta, um processo inflamatório secundário é desencadeado, o que acaba espessando o tarso, e piora o ectrópio por um fator mecânico3. A relevância do ectrópio está longe de ser puramente estética, uma vez que está associado à queratinização da conjuntiva, o que contribui para a irritação ocular, e pode levar à perda visual1,4.

Uma variedade de técnicas foi descrita para o reparo dos defeitos das pálpebras inferiores. Entre as opções temos: rotação de retalhos do terço médio da face, retalhos da pálpebra superior, retalho da artéria angular, retalho glabelar, retalho de Tenzel, retalho de Fricke ou enxerto de pele total5,6. O retalho de Tripier é tido como uma das melhores opções para reconstrução da pálpebra inferior7. Foi descrito por Leon Tripier em 1889 como um retalho miocutâneo bipediculado da pálpebra superior, sendo o primeiro relato de um retalho musculocutâneo inervado8. Uma modificação desse retalho, descrevendo-o como monopediculado, foi publicada por Dupuis-Dutemps, em 19019. Em 1993, Reali et al.10 descreveram esse retalho pediculado medialmente, com vascularização randomizada, para reconstrução do canto medial para reconstrução imediata (no mesmo tempo cirúrgico) de ressecções tumorais locais.


OBJETIVO

O objetivo do presente trabalho é apresentar o emprego do retalho miocutâneo de pálpebra superior para inferior, pediculado medialmente, como alternativa no tratamento de três casos de ectrópio.


MÉTODOS

A marcação do retalho se dá a partir do pinçamento da pele redundante da pálpebra superior - à semelhança do se faz para definir a pele a ser ressecada na blefaroplastia superior. Dessa forma, deve-se marcar o sulco supratarsal (geralmente entre 6 e 10mm acima da margem palpebral). A altura dessa marcação declina curvilineamente 1 a 2 mm nos limites lateral e medial.

Para que a área doadora possa ser adequadamente fechada, um mínimo de 20mm de pele deve ser deixado entre a margem palpebral superior e a sobrancelha11. O pedículo do retalho é posicionado medialmente, tendo uma base larga, de modo a respeitar a proporção 1:3 (largura da base: comprimento do retalho). O retalho proposto é miocutâneo, englobando a porção ocular do músculo orbicular, e foi dissecado, nos casos relatados, de lateral para medial (Figura 1).


Figura 1. Desenho esquemático demonstrando a elevação do retalho miocutâneo da pálpebra superior para inferior, com pedículo medial (imagem à esquerda) e a sutura do retalho na pálpebra inferior (figura à direita).



RESULTADOS

Caso 1


Paciente masculino, 52 anos, hígido, submetido em 2015 à ressecção de 3 carcinomas basocelulares da pálpebra inferior em outro serviço, evoluindo com ectrópio. Em junho de 2017, foi tratado em nosso serviço com um retalho de Esser. No entanto, em julho do mesmo ano o paciente apresentou recidiva do ectrópio. Um mês depois, o paciente foi reoperado com a confecção de um "tarsal strip" lateral e de um retalho da pálpebra superior para a inferior, pediculado medialmente (uma vez que o pedículo lateral havia sido comprometido com a incisão do retalho de Esser). Seis meses após a última cirurgia, o paciente retornou para seguimento, sem sinais de recidiva (Figura 2).


Figura 2. Foto frontal - à esquerda, foto pré-operatória do paciente referido no "caso 1", com quadro de ectrópio; à direita, foto de 6 meses de pós-operatório de retalho de pálpebra superior para inferior, com pedículo medial, sem recidiva do ectrópio.



Caso 2

Paciente feminino, 62 anos, submetida à ressecção de carcinoma basocelular em pálpebra inferior direita, com reconstrução imediata com retalho de Esser associado a retalho glabelar, pela equipe da Oncologia Cirúrgica, em 2016. Evoluiu com ectrópio cicatricial e epífora à direita. A paciente foi submetida à reconstrução de pálpebra inferior em outubro de 2017, com retalho miocutâneo de pálpebra superior para inferior, com pedículo medial, associado a enxerto de cartilagem conchal e reconstrução de canal lacrimal - perfuração de osso nasal e passagem de fio nylon 2-0 com continuidade para o fundo de saco lacrimal medial. Paciente retornou três meses após a cirurgia, sem sinais de recidiva do ectrópio (Figura 3).


Figura 3. Foto frontal - à esquerda, foto pré-operatória do paciente referido no "caso 2", com quadro de ectrópio; à direita, foto de 3 meses de pós-operatório de retalho de pálpebra superior para inferior, com pedículo medial, sem recidiva do ectrópio.



Caso 3

Paciente feminina, 87 anos, em 2015 foi submetida a exérese de carcinoma basocelular em pálpebra inferior esquerda, com reconstrução com retalho em V-Y da região malar - cirurgia executada pela equipe da Oncologia Cirúrgica. A paciente foi encaminhada para radioterapia no pós-operatório. Tendo evoluído com ectrópio, foi submetida pela equipe da Cirurgia Plástica, em novembro de 2017, à reconstrução com retalho miocutâneo de pálpebra superior para inferior, com pedículo medial, associado a enxerto de cartilagem conchal. Dois meses após a cirurgia, em consulta ambulatorial, não havia recidiva do ectrópio.


DISCUSSÃO

A pálpebra inferior é suportada pelos tendões cantais laterais e mediais, fáscia capsulopalpebral (correspondente da aponeurose do músculo elevador da pálpebra superior), tarso e músculo orbicular. É subdividida em 3 lamelas: anterior (pele e músculo orbicular); média (septo orbital e gordura orbital); e posterior (fáscia capsulopalpebral e conjuntiva). A manipulação de qualquer um dos 3 compartimentos pode evoluir com retração cicatricial e mal posicionamento da pálpebra. Para o correto tratamento cirúrgico, a porção acometida deve ser identificada para o ectrópio possa ser adequadamente tratado a partir da restauração dos componentes envolvidos3.

A frouxidão da pálpebra inferior pode ser tratada pelo seu encurtamento, sendo o procedimento mais popular para isso o "tarsal strip lateral", proposto por Anderson e Gordy, em 19794, que consiste na cantotomia e cantólise lateral, dissecção de uma faixa de tarso que será, então reposicionada e fixada ao periósteo do rebordo orbitário. Esse procedimento permite um adequado posicionamento do ângulo cantal lateral, sem comprometer a fenda palpebral, corrigindo a frouxidão horizontal da pálpebra inferior12. No "caso 1" o "tarsal strip" foi empregado concomitantemente ao retalho miocutâneo da pálpebra superior, com pedículo medial. Isso porque embora houvesse escassez de pele no sentido vertical, horizontalmente havia frouxidão da lamela anterior.

Frequentemente, o tratamento do ectrópio vai requerer uma intervenção cirúrgica. Para frustração do cirurgião, no entanto, a taxa de recorrência do ectrópio pode ser alta2, e por isso é conveniente ter um largo e seguro arsenal de estratégias cirúrgicas terapêuticas.

Descrições semelhantes do retalho proposto neste trabalho atribuíram a sua vascularização aos vasos perfurantes das artérias supra e infratroclear, o que daria a esse retalho um arco de rotação de até 180º13. Outra descrição de retalho semelhante, atribui a vascularização à arcada periférica superior, formada por ramos terminais da artéria oftálmica7. A marcação do retalho nessa publicação foi feita a partir de uma vascularização que consideramos randômica.

Spinelli e Jelks dividiram os defeitos periorbitais em 5 zonas, para que se pudesse, a partir dessa sistematização, analisar as melhores opções de reconstrução. As 5 áreas descritas são: I) pálpebra superior; II) pálpebra inferior; III) canto interno; IV) canto lateral; V) periocular14. A zona 3 é certamente a mais desafiadora para o cirurgião plástico13, isso porque a região medial tem estruturas vizinhas muito significantes15. Os 3 casos relatados neste trabalho apresentavam defeitos das zonas II e III. O reparo da pálpebra inferior deve considerar sempre a preservação ou restauração do sistema lacrimal8, já que esse é um sistema imprescindível de proteção e lubrificação ocular1. Exemplo disso é o "caso 2", em que para fins de preservação das margens oncológicas a via lacrimal foi comprometida, sendo, portanto, necessário proceder a sua reconstrução para diminuição da morbidade local.

A semelhança de tonalidade e espessura entre a pálpebra superior e a inferior, faz com que esse retalho seja superior a outras opções de reconstrução, como outros retalhos locais ou mesmo enxerto de pele13,15. Além disso, esse retalho implica em baixa morbidade da área doadora15 quando adequadamente marcado.

A literatura contraindica a blefaroplastia da pálpebra contralateral no mesmo tempo cirúrgico para fins de simetrização. Isso porque é conveniente que se tenha resguardada a pele da pálpebra contralateral para reconstruções futuras, já que em geral tratam-se de pacientes com história de neoplasias de pele8.

Em nenhum dos três casos relatados houve recidiva do ectrópio, e também não houve complicações pós-operatórias (infecção, perda do retalho etc.). Contudo, ainda temos uma casuística muito pequena de casos e um tempo curto de seguimento dos pacientes operados. Na literatura não há outra publicação do nosso conhecimento com série de casos maior do que a aqui descrita empregando o retalho miocutâneo medial de pálpebra superior para tratamento tardio do ectrópio pós-ressecções tumorais.


CONCLUSÃO

O retalho miocutâneo de pálpebra superior para inferior com pedículo medial demonstrou-se uma opção viável, com resultado funcional e estético satisfatório, sem trazer grande prejuízo à área doadora e apresentando pele de cor, espessura e textura adequada à reconstrução da pálpebra inferior. Planejamos no futuro reapresentar nossa casuística com um número maior de casos, e tempo mais longo de seguimento dos pacientes operados, com o propósito de aumentar a validade interna e externa desse trabalho.


REFERÊNCIAS

1. Jelks GW, Jelks EB. Prevention of ectropion in reconstruction of facial defects. Clin Plast Surg. 2001;28(2):297-302.

2. Song H, Wu X, Zheng L. Free transplantation of autogenous palmaris longus tendon in the repair of cicatricial ectropion of lower eyelid. J Plast Surg Hand Surg. 2014;48(6):402-6. PMID: 24693868 DOI: http://dx.doi.org/10.3109/2000656X.2014.901970

3. Salgarelli AC, Francomano M, Magnoni C, Bellini P. Cicatricial iatrogenic lower eyelid malposition in skin cancer surgery: results of a combined approach. J Craniomaxillofac Surg. 2012;40(7):579-83. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jcms.2011.10.014

4. Pascali M, Avantaggiato A, Carinci F. Tarsal Strip Versus Tarsal Belt in Ectropion Correction: A Statistical Evaluation. J Craniofac Surg. 2017;28(2):e186-e189. DOI: 10.1097/SCS.0000000000003137 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/SCS.0000000000003137

5. Maghsodnia G, Ebrahimi A, Arshadi A. Using bipedicled myocutaneous Tripier flap to correct ectropion after excision of lower eyelid basal cell carcinoma. J Craniofac Surg. 2011;22(2):606-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/SCS.0b013e318207f2b5

6. Chang EI, Esmaeli B, Butler CE. Eyelid Reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2017;140(5):724e-35e. DOI: 10.1097/PRS.0000000000003820 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0000000000003820

7. Okumuş A, Bilgin-Karabulut A, Aydın H. Axial pattern upper eyelid myocutaneous flap for medial canthal reconstruction. Eur J Plast Surg. 2003;25(7-8):382-6. DOI: 10.1007/s00238-002-0417-1 DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s00238-002-0417-1

8. Bickle K, Bennett RG. Tripier flap for medial lower eyelid reconstruction. Dermatol Surg. 2008;34(11):1545-8.

9. Andrade AA, Freitas RS. Correcting historical errors in lower eyelid reconstruction. Rev Bras Cir Plást. 2017;32(4):594-8.

10. Reali UM, Chiarugi C, Borgognoni L. Reconstruction of a medial canthus defect with a myocutaneous flap. Ann Plast Surg. 1993;30(2):159-62. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00000637-199302000-00011

11. Salgarelli AC, Francomano M, Magnoni C, Bellini P. Cicatricial iatrogenic lower eyelid malposition in skin cancer surgery: results of a combined approach. J Craniomaxillofac Surg. 2012;40(7):579-83. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jcms.2011.10.014

12. Ghafouri RH, Allard FD, Migliori ME, Freitag SK. Lower eyelid involutional ectropion repair with lateral tarsal strip and internal retractor reattachment with full-thickness eyelid sutures. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2014;30(5):424-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/IOP.0000000000000218

13. Martínez-Vera E, Melgarejo-Rivas D, Arrúa-Caballero M, Cardozo-Cabral S. Sistematización del colgajo musculocutáneo unipediculado de párpado superior en reconstrucción de párpado inferior, canto interno y externo. Cir Plást Iberolatinoam. 2015;41(1):49-55. DOI: https://dx.doi.org/10.4321/S0376-78922015000100006 DOI: http://dx.doi.org/10.4321/S0376-78922015000100006

14. Spinelli HM, Jelks GW. Periocular reconstruction: a systematic approach. Plast Reconstr Surg. 1993;91(6):1017-24. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199305000-00007

15. Borman H, Ozcan G. Superomedially based upper eyelid musculocutaneous flap for closure of medial canthal defects. Eur J Plast Surg. 2001;24(5):239-42. DOI: https://doi.org/10.1007/s002380100286 DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s002380100286










1. Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
2. Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil
3. Centro de Atendimento Integral ao Fissurado (CAIF) - Curitiba, PR, Brasil
4. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
5. Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Brasil

Endereço Autor:
Dayane Raquel de Paula
Rua. Gen. Carneiro, 181, 9º andar - Alto da Glória
Curitiba, PR, Brasil - CEP 80060-900
E-mail: dayaneraquel@hotmail.com

 

Previous Article Back to Top Next Article

Indexers

Licença Creative Commons All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license