ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2017 - Volume32 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2017RBCP0030

RESUMO

INTRODUÇÃO: A orelha de abano é uma deformidade congênita frequente que pode gerar implicações psicológicas desde a infância. Várias táticas cirúrgicas são descritas para correção deste defeito, no entanto, intercorrências frequentemente observadas pela equipe eram a presença de relevos abruptos da cruz posterior da anti-hélice e as recidivas parciais do defeito. O objetivo deste trabalho é demonstrar uma tática cirúrgica que minimiza essas intercorrências.
MÉTODOS: Foram realizadas 65 otoplastias no Hospital Mater Dei, em Belo Horizonte, MG, no período entre 1995 e 2015. Utilizou-se um instrumento cirúrgico elaborado pela equipe de cirurgia plástica, semelhante a uma pinça hemostática de 16 cm. Todos os pacientes foram operados sob anestesia local e sedação assistida por anestesista em ambiente hospitalar.
RESULTADOS: A correção do defeito congênito foi alcançada em todos os casos com o uso de um método comum, mas que cursou com a proposição de táticas novas e simples visando facilitar o ato cirúrgico e adquirir os resultados que foram naturais e satisfatórios.
CONCLUSÃO: As táticas propostas para a cirurgia de otoplastia em abano são simples, de fácil realização, agilizaram o tempo operatório e utilizaram materiais simples, de baixo custo e de fácil aquisição. Também foram alcançados resultados estéticos satisfatórios sem se observar os estigmas decorrentes da quebra da cartilagem auricular.

Palavras-chave: Orelha/anormalidades; Orelha/cirurgia; Terapêutica; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Protruding ears represent a common congenital deformity that can generate psychological implications from childhood. Several surgical techniques have been described to correct this defect; however, clinicians frequently observe the intercurrence of abrupt relief of the posterior crus of the anti-helix and a partial relapse of the original defect. The objective of this study was to demonstrate a surgical technique that minimizes these complications.
METHODS: Sixty-five otoplasties were performed at Mater Dei Hospital, Belo Horizonte, MG, between 1995 and 2015. A surgical instrument similar to a 16-cm hemostatic forceps was developed by the plastic surgery team. All patients were operated under local anesthesia and sedation, under the supervision of an anesthesiologist in a hospital setting.
RESULTS: Correction of the congenital defect was achieved in all cases using a common method that was performed using a simple, novel technique that facilitates surgery and obtains natural and satisfactory results.
CONCLUSION: The proposed techniques for otoplasty of protruding ears are simple, faster, and require easily obtainable and affordable materials. Satisfactory esthetic results were also achieved without observing the stigmas arising from atrial cartilage rupture.

Keywords: Ear/abnormalities; Ear/surgery; Therapeutics; Reconstructive surgical procedures.


INTRODUÇÃO

Orelha em abano é uma deformidade congênita frequente, de característica familiar, geralmente bilateral, cujas alterações principais consistem em aumento do ângulo céfalo-conchal (aumento do ângulo escafoconchal de cerca de 90 para 150 graus ou mais) e apagamento da cruz posterior da anti-hélice, sendo que este segundo componente pode atingir até 75% dos casos.

Apesar de não causarem alterações funcionais, as implicações psicológicas desde a infância são grandes e, muitas vezes, marcantes no perfil psicoemocional da criança. A época ideal para a cirurgia é a partir dos 7 anos de idade, quando as orelhas já estão totalmente formadas e no tamanho adulto.

Várias táticas foram propostas para esta cirurgia e apresentam, de uma maneira geral, excelentes resultados. Entretanto, uma intercorrência relativamente frequente é a presença de relevos abruptos da cruz posterior da anti-hélice e alguns casos de recidiva parcial do defeito original. Então, a equipe propôs uma nova e simples tática com o objetivo de minimizar tais problemas.


OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é demonstrar uma tática cirúrgica que minimiza as intercorrências.


MÉTODOS

Foram realizadas 65 otoplastias, por amostra de conveniência incluindo todos os pacientes que procuraram a clínica particular do Dr. Ronan Horta, em Belo Horizonte, MG, excluídos somente os com risco cirúrgico proibitivo. Foi utilizada esta tática cirúrgica no período entre 1995 e 2015, em pacientes com média de idade de 20,35 anos, sendo 26 do sexo masculino e 39 do sexo feminino.

O instrumento inicialmente observado e que foi motivo desta proposição tática foi a pinça hemostática de 16 cm, que apresentava curvatura semelhante à da cruz posterior da anti-hélice. No entanto, o serrilhamento grosseiro e largo, e a diferença de largura em seu trajeto estimulou a criação de um instrumento semelhante, mas que apresentasse maior delicadeza e um trajeto de largura uniforme.

A avaliação crítica da equipe de cirurgia plástica do Hospital Mater Dei evidenciou, em um pequeno grupo, um ponto de irregularidade de superfície na porção média da orelha, que coincidia com o local de acesso feito pelo bisturi, para entrada da pinça hemostática. Assim, passou-se a utilizar a extremidade superior do planejamento da cruz posterior para fazer este acesso, visto que a curvatura natural da hélice iria encobrir essa irregularidade. Todos os pacientes foram operados sob anestesia local e sedação assistida por anestesista em ambiente hospitalar.

Após antissepsia cuidadosa e anestesia local com lidocaína a 0,5% e adrenalina a 1:300.000, é feita a tatuagem do trajeto da cruz posterior com pontos de azul de metileno.

A incisão posterior dá acesso à cartilagem auricular, que é desnudada de seu pericôndrio. Neste momento, é realizada a incisão na extremidade superior da cartilagem já marcada, com um bisturi número 11 (2 a 3 mm), procedendo a um descolamento da pele anterior e posterior com uma tesoura delicada e de ponta fina.

Com este trajeto livre, a pinça hemostática modificada é introduzida em direção inferior, estando a cartilagem entre os ramos da pinça. Assim, observa-se a projeção da curvatura da pinça sobre a nova anti-hélice, previamente demarcada (Figura 1). São feitos movimentos de pressão sobre a cartilagem para quebrar a sua mola e criar uma zona de enfraquecimento que, após hemostasia cuidadosa, vai ser retro angulada, com pontos de polipropileno, para a criação de nova cruz posterior da anti-hélice.


Figura 1. Projeção da pinça.



Os procedimentos de fechamento do ângulo céfalo-conchal são realizados pelas técnicas convencionais, quando necessários, e então procede-se à síntese de pele e curativo final, que será removido após 48h, quando as orelhas são fixadas na região mastoidea com pequenas tiras de esparadrapo de papel. Para dormir, o paciente faz uso de uma faixa de contenção, a fim de evitar dobras ocasionais.


RESULTADOS

A correção do defeito congênito foi alcançada em todos os casos com o uso de um método comum, mas que cursou com a proposição de táticas novas e simples, visando facilitar o ato cirúrgico e adquirir resultados bastante naturais e satisfatórios.

Houve um caso de hematoma, que foi identificado e drenado dentro das primeiras horas, e um caso de cicatriz hipertrófica em decorrência de agressão sofrida pelo paciente no pós-operatório recente, sem comprometimento dos resultados. Outros dois casos de recidiva parcial e discreta do abano foram identificados, mas não incomodaram os pacientes a ponto de solicitarem nova cirurgia. A tabela 1 resume as características dos pacientes. As figuras 2 e 3 ilustram o pré e pós-operatório com a técnica descrita.




Figura 2. Pré-operatório.


Figura 3. Pós-operatório.



DISCUSSÃO

Na busca de táticas que facilitassem o ato cirúrgico e que trouxessem baixos índices de queixas pós-operatórias, duas observações levaram à técnica que atualmente é utilizada pela equipe. Primeiro, observou-se que a pinça hemostática curva tinha a mesma curvatura da cruz posterior da anti-hélice e que, assim, poderia ser utilizada para criar o trajeto de angulação, macerando a cartilagem auricular, para posterior sutura e dobra, formando o novo contorno da cruz posterior das orelhas.

A segunda tática, criada alguns anos depois, veio da observação de um pequeno ponto de quebra da cartilagem auricular, no encontro das duas cruzes da anti-hélice, por onde se introduzia a pinça hemostática. Por se localizar em numa área bem visível, na porção mediana da orelha, a pequena incisão feita com o bisturi neste trecho da cartilagem era o único ponto que se evidenciava como quebra, desde que, ocasionalmente, não mostrasse um contorno natural.

Assim, passou a ser adotado um novo acesso para a criação da cruz posterior dessa estrutura, sendo encoberto pela curvatura da porção superior da hélice. Existem estudos demonstrando que a área com melhor localização para a incisão está no sulco da dobra da anti-hélice, de acordo com os resultados mais estéticos.

Dentre as diversas técnicas de otoplastia para correção do abano, algumas táticas foram propostas com o intuito de sempre alcançar resultados satisfatórios e naturais, mas que também sejam simples, rápidas, de fácil execução e que utilizem instrumentos cirúrgicos habituais1-5. Por meio dessa proposição, observou-se que a otoplastia pode ser realizada em uma média de 45 minutos e, portanto, não alongou a média de tempo de sua execução.

A pinça hemostática não é um instrumento novo e nem de difícil aquisição. Além disso, apresenta uma curvatura bem semelhante àquela da cruz auricular posterior. Esta coincidência agilizou muito o ato cirúrgico, sendo que as modificações realizadas nessa pinça compensaram tanto as diferenças de largura quanto de força de pressão, tornando-se mais homogênea tanto na base quanto na extremidade do instrumento.

A naturalidade é alcançada desde que a cartilagem auricular seja enfraquecida por movimentos de suave pressão, pelo uso da pinça hemostática modificada, não havendo quebra da sua estrutura, como pode acontecer com o uso do bisturi, raspas de cartilagem ou mesmo cureta6. Além disso, a raspagem da cartilagem não aumenta o índice de complicações cirúrgicas, o que torna a técnica segura.


CONCLUSÃO

As táticas propostas pelo estudo para a cirurgia de otoplastia em abano são simples, de fácil realização, agilizaram o tempo operatório e utilizaram materiais simples, de baixo custo e de fácil aquisição. Foram alcançados resultados estéticos satisfatórios sem se observar os estigmas decorrentes da quebra da cartilagem auricular que ocorre em algumas técnicas e que, por vezes, mantêm as frustrações dos pacientes em não poder expor suas orelhas sem se incomodarem com seus desconfortos ou com os olhares curiosos7. Quando comparada a outros estudos, a técnica proposta demonstrou menor índice de recidivas e melhor localização da cicatriz8.


COLABORAÇÕES

ARHA
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

LRCI Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

MSDP Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

AVCM Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.


REFERÊNCIAS

1. Furnas DW. Otoplasty. In: Grabb WC, Aston SJ, Smith JW, eds. Grabb and Smith's Plastic Surgery. Philadelphia: Lippincott Raven; 1997.

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3. Shokrollahi K, Au-Yeung K, Javed M, Sadri A, Molajo A, Lineaweaver W. The discrete scar in prominent ear correction: a digital 3-dimensional analysis to determine the ideal incision for otoplasty. Ann Plast Surg. 2015;74(6):637-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/SAP.0000000000000421

4. Pitanguy I, Müller P, Piccolo N, Ramalho E, Solinas R. The treatment of prominent ears: a 25-year survey of the island technique. Aesthetic Plast Surg. 1987;11(2):87-93. PMID: 3630840 DOI: http://dx.doi.org/10.1007/BF01575492

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6. Ruschel FF, Giglio A, Terres M, Weissheimer L, Costa LAL, Ferreira MT, et al. Comparação entre otoplastia com e sem raspagem de cartilagem. ACM Arq Catarin Med. 2007;36(Supl. 1):33-8.

7. Soares PW, Sanches PDC. O uso de condrotripsia na correção da orelha em abano. In: Stocchero IN, Tournieux AB, eds. Atualização em cirurgia Plástica Estética Reconstrutiva. São Paulo: Livraria e Editora Santa Isabel; 1994. p. 255-61.

8. Aki F, Sakae E, Cruz DP, Kamakura L, Ferreira MC. Complicações em Otoplastia: Revisão de 508 Casos. Rev Bras Cir Plást. 2006;21(3):140-4.










1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil

Instituição: Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Autor correspondente:
Leandro Ramalho Chaves Isobe
Rua Martin Luther King, 783, Jardim Lago Parque
Londrina, PR, Brasil CEP 86015-300
E-mail: leandro_isobe@hotmail.com

Artigo submetido: 1/3/2016.
Artigo aceito: 21/2/2017.
Conflitos de interesse: não há.

 

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