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Galactocele medicamentosa pós-mamoplastia de aumento: relato de caso e revisão da literatura
Galactocele due to drugs prescribed after augmentation mammoplasty: a case report and literature review
RESUMO
A mamoplastia de aumento é um procedimento cirúrgico muito comum e seguro na cirurgia plástica, mas o mesmo não está isento de complicações. A galactocele após mamoplastia de aumento é raramente descrita na literatura. Este relato de caso refere-se a uma paciente de 34 anos de idade, que fazia uso de sulpirida há 2 anos e 4 meses e desenvolveu galactocele cerca de 100 dias após mamoplastia de aumento. O diagnóstico deve ser suspeitado quando se observar uma mama aumentada de volume, associada a calor local, dor ou desconforto mamário no pós-operatório. Acredita-se que a melhor conduta seja a drenagem cirúrgica, a fim de confirmar o diagnóstico de galactocele e excluir a presença de abscesso mamário.
Palavras-chave:
Doenças mamárias; Cisto mamário; Mamoplastia; Sulpirida.
ABSTRACT
Augmentation mammaplasty is a common and safe plastic surgery procedure, but it is not free from complications. Galactocele after augmentation mammaplasty is rarely described in the literature. We discuss the case of a 34-year-old woman who had been taking sulpiride for 2 years and 4 months and developed galactocele approximately 100 days after augmentation mammaplasty. However, diagnosis should be suspected if breast size increases and it is associated with postoperative local heat, pain or breast discomfort. We believe that the surgeon must surgically drain galactocele to confirm diagnosis, especially to exclude the presence of breast abscess.
Keywords:
Breast diseases; Breat cyst; Mammaplasty; Sulpiride.
INTRODUÇÃO
A mamoplastia de aumento é um procedimento cirúrgico muito comum e seguro na Cirurgia Plástica, mas o mesmo não está isento de complicações. Algumas destas complicações são bem conhecidas, como os seromas, hematomas e abscessos, mas há ainda algumas mais incomuns com as quais o cirurgião pode deparar-se algum dia, como a galactocele após mamoplastia de aumento. Golden & Wangensteen, em 1972, definiram a galactocele como um raro cisto da mama contendo leite1.
A lactação e a formação de galactocele após a mamoplastia de aumento são raramente discutidas na literatura2. Hartley & Schatten3, em 1971, foram os primeiros a relatar o aumento da mama e a lactação após uma mamoplastia de aumento. Devido a sua raridade, a incidência de galactocele após mamoplastia de aumento ainda não foi elucidada.
Caputy & Flowers4, em 1994, encontraram 8 casos de galactorreia após 1000 casos de mamoplastia de aumento. Já Peters et al.5, após reoperar 100 casos de mamoplastia de aumento referidas a eles por complicações, encontraram apenas um caso de galactocele. O último relato de galactocele relacionado a este procedimento estético ocorreu em 20112 e, após revisão da literatura, é descrito o 10° caso de galactocele após cirurgia de mamoplastia de aumento por inclusão de prótese (Tabela 1).
Há ainda alguns poucos relatos de galactocele após mamoplastia redutora6,7, um caso de galactorreia após mastopexia com colocação de prótese8, além de dois casos de galactocele após injeção mamária de hidrogel de poliacrilamida9,10.
Este relato descreve o caso de uma mulher de 34 anos de idade, a qual vinha em uso de sulpirida há 2 anos e 4 meses e desenvolveu galactocele cerca de 100 dias após mamoplastia de aumento.
RELATO DE CASO
Mulher de 34 anos, gesta 2 para 2, previamente hígida (Figura 1). Realizou mamoplastia de aumento bilateral com inclusão de próteses 350 cc, texturizadas, redondas, alta projeção da marca Mentor através de abordagem infra-areolar e transmamária, posicionadas em plano subglandular. Ainda no mesmo procedimento, foram realizadas cirurgia de rinoplastia e lipoaspiração de submento e região axilar anterior. A cirurgia ocorreu sem intercorrências e a paciente teve alta hospitalar no mesmo dia.
Figura 1. Pré operatório. Anterior à mamoplastia de aumento.
Foi prescrita medicação analgésica e antibiótico por 7 dias. Foram realizadas revisões na primeira e segunda semanas pós-cirurgia e no primeiro mês pós-operatório, estando satisfeita com resultados alcançados até aquele momento e não apresentado queixas quanto ao volume mamário.
No transcorrer de 100 dias procurou novo atendimento preocupada com assimetria mamária, observando menor tamanho da mama esquerda em relação à direita. A paciente não apresentava sintomas sistêmicos. Ao exame, observavam-se mamas com grande volume, consideravelmente maior à direita, palpando-se prótese a esquerda. Não se percebiam sinais flogísticos em nenhuma das mamas (Figura 2).
Figura 2. Pós operatório. Após mamoplastia de aumento. Assimetria mamária na galactocele.
Foram solicitados exames laboratoriais, sem alterações, e ecografia mamária bilateral, que demonstrava descontinuidade da prótese mamária esquerda, com provável ruptura da mesma. A paciente tinha histórico de uso de anticoncepcional e medicação antidepressiva denominada sulpirida, prescrita pelo seu ginecologista. Havia iniciado uso da sulpirida há 2 anos e quatro meses atrás. Eventualmente, apresentava galactorreia bilateral, sintoma este colateral ao medicamento utilizado. Após a inclusão das próteses mamárias, nunca mais havia apresentado este sintoma.
Seis dias após o exame ecográfico foi submetida a novo procedimento cirúrgico com objetivo de troca da prótese mamária esquerda, supostamente rompida e também da prótese mamária direita, por volumes menores (275 cc bilateral), pois a paciente estava insatisfeita com o volume acentuado das mamas. A cirurgia foi iniciada pela mama direita (maior volume), abordando-se a mesma cicatriz infra-areolar. Quando a cápsula do implante direito foi aberta, encontrou-se grande quantidade de secreção leitosa, que não parecia coleção purulenta. Na mama esquerda observou-se a presença da mesma secreção leitosa, em menor quantidade, e a prótese mamária íntegra (Figura 3).
Figura 3. Transoperatório. Realizada cirurgia de reintervenção para drenagem da galactocele.
Os implantes foram retirados, as cavidades lavadas abundantemente com solução salina e, posteriormente, recolocadas. Por decisão prévia com a paciente, também se realizou redução do diâmetro do complexo aréolo mamilar. A secreção foi enviada para culturais, não se observando crescimento de microrganismos. Suspendemos a medicação sulpirida e iniciamos bromocriptina 2,5 mg 2 vezes ao dia por 7 dias para suspensão do estímulo de produção hormonal.
A paciente fez uma última consulta de retorno cerca de 60 dias após o último procedimento e tratamento farmacológico com bromocriptina, apresentando-se assintomática e satisfeita com o resultado (Figura 4).
Figura 4. Pós operatório. Resultado final após drenagem da galactocele.
DISCUSSÃO
Quando se estuda a lactação, vê-se que a produção e expressão de leite ocorrem devido à interação de alguns hormônios. A lactação parece ocorrer devido ao aumento dos níveis de prolactina, na presença da queda dos níveis de estrogênio e progesterona8, e, enquanto isso, a ocitocina regula a ejeção de leite e é estimulada pelo reflexo de sucção2. Já o neuromodulador dopamina age inibindo a secreção de prolactina pela neuro-hipófise.
Devemos compreender esta fisiopatologia a fim de entendermos como a sulpirida e outros inibidores da dopamina, que interagem nesse ciclo hormonal, podem estimular a produção de leite e estar envolvidos na formação da galactocele. De modo contrário, agonistas da dopamina, como a bromocriptina, também inibirão a prolactina e consequentemente a lactação, sendo, portanto, essenciais no tratamento da galactocele.
Harper et al.18 orientam que uma pronta drenagem do fluido e terapia hormonal concomitante com agonistas dopaminérgicos devem ser iniciados imediatamente ao diagnóstico de galactocele. Já Chun & Taghinia11 recomendam apenas manejo clínico com bromocriptina, se o diagnóstico de galactocele estiver claro.
A dosagem da bromocriptina deve ser titulada para o efeito, mas infelizmente não existe consenso quanto a duração da terapia2. No caso descrito foi utilizada a dose de 2,5 mg 2 vezes ao dia por 7 dias, assim como Tung & Carr2. Em ambos os casos, obteve-se êxito e as pacientes não referiram efeitos colaterais. São necessários mais estudos, mas acredita-se que essa dose possa ser usada com segurança em casos semelhantes.
O diagnóstico de galactocele deve ser suspeitado clinicamente, mas a intervenção cirúrgica geralmente é necessária para drenar a coleção e confirmar o diagnóstico11.O principal sintoma da galactocele é o aumento de volume mamário, como no caso descrito, mas essa afecção pode ainda manifestar-se por dor2,11,12, hiperemia8,12, desconforto2,12 ou ainda sensação de queimação13. Ao exame físico, podemos notar assimetria mamária, se unilateral, além de tensão a palpação da mama afetada.
O ultrassom é inicialmente uma boa modalidade de exame de imagem no estudo da consistência da lesão9. No caso acima descrito, o radiologista identificou uma descontinuidade da prótese mamária e sugeriu como diagnóstico ruptura de prótese. Já Chun & Taghinia11 identificaram uma coleção de 8 cm de diâmetro bem organizada sugestiva de abscesso, enquanto Tung & Carr2 encontraram, à ecografia, uma complexa coleção ao redor da prótese, não típico de seroma.
Sawhney et al.17, em 2001, estudaram a aparência ultrassonográfica de 10 casos de galactocele previamente descritos e definiram, mais precisamente, a aparência ecográfica dessas lesões. Elas são geralmente lesões solitárias, bem delimitadas, com paredes finas, ecogênicas e com algum grau de reforço posterior. A aparência de seu conteúdo interno varia de um conteúdo homogêneo a heterogêneo, com fendas e rimas anecoicas internamente.
A galactocele pode ter uma aparência bastante semelhante a um cisto, como descrito acima, pois seu conteúdo leitoso está contido por uma fina parede, não devendo ser confundido com uma ruptura de prótese, já que isso pressupõe uma descontinuidade da parede com extravasamento de líquido.
Quanto à técnica cirúrgica, como podemos observar na Tabela 1, a maioria das pacientes com galactocele foi submetida ao implante da prótese através de incisão periareolar e, desse modo, isso pode ser mais do que mera coincidência. Mas ainda há muita controvérsia sobre essa possível associação. Chun &Taghinia11 afirmam que a abordagem pela incisão periareolar pode ter levado à obstrução dos ductos e contribuído para a formação da galactocele.
A respeito da possibilidade de um plano de dissecção subglandular ou submuscular estar relacionado a formação da galactocele, também não há consenso2. Conforme Tung & Carr2, teoricamente, um plano de dissecção verdadeiramente submuscular através de uma incisão não periareolar seria menos invasivo quanto a manipulação da glândula mamária. Enfim, é bastante provável que a manipulação do tecido mamário (com incisões feitas através do tecido ductal) possa ter causado ou agravado a formação de galactocele12.
Rothkopf & Rosen8 relataram que a lactação após mamoplastia de aumento foi tratada com sucesso com bromocriptina. Há ainda outros possíveis tratamentos, conforme relatos na literatura, entre eles o bloqueio intercostal, a drenagem cirúrgica isolada, além de uma possível conduta expectante. Golden & Wangensteen1 defendem que a simples excisão da galactocele tem resultado em cura efetiva em todas as séries relatadas.
Mas Vassilikos16 manteve apenas observação e reavaliação da paciente e após 2 semanas a lactação parou espontaneamente. Enfim, ao suspeitar de galactocele, a lesão deve ser drenada cirurgicamente, para que o diagnóstico seja confirmado e a possibilidade de um abscesso e consequente necessidade de antibioticoterapia sejam afastadas.
Rothkopf & Rosen8 afirmam que presença de leite subcutânea põe a prótese sob o risco de infecção. A necessidade de tratamento farmacológico com bromocriptina ou outro agonista da dopamina é controversa, mas opta-se por utilizá-la devido ao seu possível benefício e ausência de efeitos adversos significativos.
CONCLUSÃO
Enfim, ao suspeitar de galactocele, a lesão deve ser drenada cirurgicamente, para que o diagnóstico seja confirmado e a possibilidade de um abscesso e consequente necessidade de antibioticoterapia sejam afastadas. Rothkopf e Rosen afirmam que presença de leite subcutânea põe a prótese sob o risco de infecção8. A necessidade de tratamento farmacológico com bromocriptina ou outro agonista da dopamina é controversa, mas opta-se por utiliza-la devido ao seu possível beneficio e ausência de efeitos adversos significativos.
COLABORAÇÕES
MSSV Cirurgião responsável e orientador.
PSV Revisão da literatura e concepção do manuscrito.
CB Revisão da literatura e concepção do manuscrito.
REFERÊNCIAS
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1. Hospital de Clinicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
2. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
3. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil
4. Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
Instituição: Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.
Autor correspondente:
Mauricio Schneider Salomone Viaro
Rua José Paulo Teixeira, 271 - Camobi
Santa Maria, RS, Brasil CEP 97110-750
E-mail: msviaro@hotmail.com
Artigo submetido: 20/1/2014.
Artigo aceito: 22/1/2015.
Conflitos de interesse: não há
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