ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2005 - Volume20 - Issue 1

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the characteristics of a group of patients suffering from congenital cleft palate, its treatment and the incidence of oronasal fistulas. A retrospective analysis of 98 patients operated on by six plastic surgeons from March 2002 to February 2003 is included. Fifty-one male and 47 female patients with a median age of 34 months were submitted to the surgery. The mean follow-up was 10 months. The length of the cleft was described using the classification by Spina and Veau. The variables observed were age, gender, surgical technique, surgeon and complications. For statistic analysis the Chi-square test of association was utilized. The most common approaches were the Bardach and Veau techniques. Complications occurred in 20.4% of the cases with oronasal fistulas occurring in 15.3% of the palatoplasties. This complication rate gave a significant difference when compared with the length of the cleft (p=0.006). No significant difference was seen in respect to the other variations considered. Our rate of fistulas is similar to that reported in the literature and shows that the different techniques utilized are acceptable in the treatment of cleft palate.

Keywords: Cleft palate. Palate, surgery. Oral fistula, surgery

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar as características de um grupo de pacientes com fissura palatina congênita, seu tratamento e a incidência de fístulas oronasais. Inclui uma análise retrospectiva de 98 pacientes, operados por seis cirurgiões plásticos, no período de março/2002 a fevereiro/2003. Foram 51 pacientes do sexo masculino e 47 do feminino, idade mediana de 34 meses e acompanhamento médio de 10 meses. A extensão da fissura foi descrita pela classificação de Spina e Veau. As variáveis observadas foram: idade, sexo, técnica cirúrgica, cirurgião e complicações. Na análise estatística utilizou-se o teste Qui-quadrado de associação. As técnicas mais utilizadas foram a de Bardach e a de Veau. As complicações incidiram em 20,4% dos pacientes, sendo que a fístula oronasal ocorreu em 15,3% das palatoplastias. Esta taxa de complicação obteve diferença significativa quando relacionada à extensão da fissura (p=0,006); não havendo diferenças quando relacionada a outras variáveis. Nossa incidência de fístula encontra-se equiparada à literatura e mostra que as diversas técnicas utilizadas são válidas no tratamento da fenda palatina.

Palavras-chave: Fissura palatina. Incidência. Palato, cirurgia. Fístula bucal, cirurgia


INTRODUÇÃO

A fissura labiopalatina é a mais freqüente malformação congênita da cabeça e pescoço, com envolvimento de fatores genéticos, ambientais e um importante caráter hereditário1,2.

A fenda palatina pode levar a distúrbios de oclusão dentária, auditivos, foniátricos, respiratórios, nutricionais, além de uma deficiência no desenvolvimento maxilofacial. Isto demonstra claramente que o tratamento de um paciente fissurado é complexo, devendo haver verdadeira integração de uma equipe multidisciplinar, composta por ortodontista, pediatra, fonoaudiólogo, nutricionista, odontólogo, otorrinolaringologista, psicólogo, geneticista e cirurgião plástico2,3.

Desde o século XIX, quando Von Graefe e Roux apresentaram com sucesso o tratamento cirúrgico da fenda do palato mole, vem havendo uma evolução constante destes procedimentos cirúrgicos, com o intuito de atingir o objetivo primordial nas palatoplastias: oferecer uma melhor qualidade na fala e a possibilidade de um desenvolvimento ósseo craniofacial próximo ao normal3-5.

A ocorrência de complicações na cirurgia do palato depende de vários fatores, sendo que a experiência do cirurgião e um pós-operatório cercado de cuidados essenciais estão dentre os principais. Entre as complicações, o sangramento abundante pode necessitar de uma nova abordagem cirúrgica para contê-lo.

A obstrução das vias aéreas é rara na ausência de um sangramento importante. As infecções estão ligadas diretamente à saúde bucal do paciente. As fístulas oronasais podem ser assintomáticas, ou levar a dificuldades na fala e na higiene oral. A ocorrência da fístula oronasal (FON) compromete o resultado do tratamento e seu reparo torna-se um verdadeiro desafio para a equipe multidisciplinar2,6.

O objetivo deste trabalho é avaliar o impacto do método de tratamento para as fendas palatais utilizado no Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP), determinando a incidência de eventuais complicações, especialmente as FONs, tentando estabelecer alguma relação com as diversas variáveis analisadas, com o intuito de aperfeiçoar cada vez mais a forma de tratamento multidisciplinar.


MÉTODO

Foi feito um trabalho descritivo tipo corte transversal, avaliando 98 palatoplastias realizadas no IMIP, entre março/2002 e fevereiro/2003. Os pacientes foram avaliados e encaminhados ao tratamento por uma equipe multidisciplinar, composta pelo cirurgião plástico, ortodontista e fonoaudiólogo. A extensão da fenda palatal foi classificada conforme Spina (1974) e Veau (Tabela 1). Foram incluídos nesta avaliação somente os pacientes submetidos ao fechamento primário da fenda palatina congênita neste período. O procedimento cirúrgico foi realizado por um dos seis cirurgiões plásticos do Serviço, com anestesia geral associada à infiltração local de uma solução vasoconstritora (1:150.000). A técnica de palatoplastia dependia da experiência do cirurgião e alternou entre Veau, Bardach, Wardill-Kilner ou Furlow. Os cuidados pós-operatórios incluíram: decúbito lateral de uma hora, evitar chupetas e mamadeiras, asseio bucal com anti-séptico e dieta líquida por um período mínimo de duas semanas. O seguimento foi semanal nas três primeiras semanas, depois se tornou mensal. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, tipo de fissura, técnica utilizada, cirurgião responsável e complicações. Foi feita a análise no programa Epi-Info 2000, utilizando o teste Qui-quadrado de associação a um nível de significância de 5%.




RESULTADOS

Foram 51 pacientes do sexo masculino e 47 do feminino com idade mediana de 34 meses, tendo 66,3% (65) mais de 25 meses e 33,7% (33) entre 12 e 24 meses.

A maioria (58,2%) reside no interior do estado. O tipo de fissura que mais ocorreu foi a tipo III da classificação de Veau (Tabela 2). A técnica cirúrgica preconizada por Bardach foi a mais freqüente (45%), seguida pela de Veau (24,5%), Wardiil-Kilner (19,4%) e Furlow (6%). A média de acompanhamento foi de 10 meses.




Vinte (20,4%) pacientes apresentaram vinte e seis complicações, sendo que a FON foi a que mais incidiu, estando presente em 15 (15,3%) pacientes. As FONs localizaram-se preferencialmente na área de transição dos palatos (46,7%), seguido pelo palato anterior (33,3%) e palato mole (20%). Na Figura 1, podese observar a distribuição de fístulas oronasais, conforme a técnica cirúrgica empregada, porém não houve diferenças estatísticas.


Figura 1 - Técnica cirúrgica x fístula oronasal.



Não observamos diferenças significantes quando analisamos a relação das fístulas oronasais com sexo, idade e cirurgião responsável.

Contudo, a ocorrência da FON foi diretamente proporcional à extensão da fenda palatal, obtendo diferença estatística (Figura 2).


Figura 2 - Extensão da fissura x fístula oronasal.



DISCUSSÃO

Observamos que a maioria dos pacientes origina-se do interior do estado, região onde o acesso à rede de saúde e a disposição de profissionais para este tipo de tratamento ainda é precária. Talvez por isso o início do tratamento cirúrgico tenha sido um pouco retardado.

A importância da cirurgia precoce na fissura palatal é tema de controvérsias. Rohrich e Byrd7, em 1990, concluíram não haver na literatura estudos que dessem suporte estatístico ao fato de que o tempo de fechamento possa influenciar os objetivos primordiais da palatoplastia: obtenção de uma boa fala e crescimento maxilofacial adequado3-5. O mesmo autor8, em 1996, após avaliar dois grupos de pacientes (cirurgia precoce x tardia), observou uma deficiência na fonação bem maior, sem diferença importante no desenvolvimento ósseo facial, no grupo de fechamento tardio, com significância estatística. Sugeria, então, que o adiamento da palatoplastia comprometia a fonação, sem nenhum benefício ao crescimento maxilofacial.

Esta opção de fechamento precoce da fenda palatina é advogada na maioria dos grandes centros de tratamento de fissurados, exceto nos serviços onde a área de atuação primordial é a cirurgia craniofacial.

A ocorrência de FON se deve a uma deficiente cicatrização da palatoplastia por tensão, ausência de várias camadas de fechamento ou falta de cuidados pós-operatórios9. As FONs permitem a passagem de ar, levando a um escape nasal durante a fala, e fluido, trazendo ao paciente embaraços sociais e dificuldade na higiene oral. Cerca de 50% dos pacientes com FON requerem reoperação, demonstrando a importância de se evitar a ocorrência destas8,9.

Nossa incidência de FON é de 15,3%, comportando-se de maneira similar aos dados literários (Tabela 3). Não observamos diferença da mesma quando a relacionamos com sexo, cirurgião e idade, como o estudo de Emory Jr. et al.10 (1997), que concluiu haver relação entre a incidência de fístulas e o cirurgião. No entanto, concordamos que a ocorrência de FONs estabelece uma relação direta com a extensão da fenda palatina. Esses resultados coincidem com os encontrados por Amaratunga11 (1988) e Cohen et al.12 (1991). Além do mais, Amaratunga11 teve mais fístulas com a cirurgia de Von Langenbeck do que com Wardill-Kilner. Cohen et al.12, por sua vez, observaram um número maior de fístulas no procedimento de Wardill-Kilner.




Observamos com a revisão literária que não existem dados consolidados a respeito de qual técnica de palatoplastia leva a menor número de complicações. O uso de diversas técnicas em nossa casuística mostrou que todas são válidas e seguras, sendo a experiência e a segurança do cirurgião responsável os fatores determinantes para a escolha do procedimento a ser adotado.

Fica bem estabelecida a relação direta da ocorrência da fístula oronasal com a extensão da fissura palatal, devendo nestes casos ser dada atenção mais especial pela equipe multidisciplinar.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hagberg C, Larson O, Milerad J. Incidence of cleft lip and palate and risks of additional malformations. Cleft Palate-Craniofac J. 1998;35(1):40-5.

2. Carreirão S, Lessa S, Zanini SA. Tratamento das fissuras labiopalatinas. 2aed. Rio de Janeiro: Revinter; 1996.

3. De La Pedraja J, Erbella J, McDonald WS, Thaller S. Approaches to cleft lip and palate repair. J Craniofac Surg. 2000;11(6):562-71.

4. Hobar PC, Johns DF, Flood J. Cleft palate, repair and velopharyngeal insufficiency. In: Grabb WC, Smith JW, editors. Grabb & Smith's plastic surgery. 5th ed. Philadelphia: Lippincott-Raven; 1997. p. 263-70.

5. Randall P, LaRossa D. Cleft palate. In: McCarthy JG, editor. Plastic surgery. 1st ed. Philadelphia: WB Saunders; 1990. p. 2723-52.

6. Muzaffar AR, Byrd HS, Rohrich RJ, Johns DF, LeBlanc D, Beran SJ et al. Incidence of cleft palate fistula: an institutional experience with two-stage palatal repair. Plast Reconstr Surg. 2001;108(6):1515-8.

7. Rohrich RJ, Byrd HS. Optimal timing of cleft palate closure: speech, facial growth, and hearing considerations. Clin Plast Surg. 1990;17(1):27-36.

8. Rohrich RJ, Rowsell AR, Johns DF, Drury MA, Grieg G, Watson DJ et al. Timing of hard palatal closure: a critical long-term analysis. Plast Reconstr Surg. 1996;98(2):236-46.

9. Wilhelmi BJ, Appelt EA, Hill L, Blackwell SJ. Palatal fistulas: rare with two-flap palatoplasty repair. Plast Reconstr Surg. 2001;107(2):315-8.

10. Emory Jr. RE, Clay RP, Bite U, Jackson IT. Fistula formation and repair after palatal closure: an institutional perspective. Plast Reconstr Surg.1997;99(6):1535-8.

11. Amaratunga NA. Occurrence of oronasal fistulas in operated cleft palate patients. J Oral Maxillofac Surg. 1988;46(10):834-8.

12. Cohen SR, Kalinowski J, LaRossa D, Randall P. Cleft palate fistulas: a multivariate statistical analysis of prevalence, etiology, and surgical management. Plast Reconstr Surg. 1991;87(6):1041-7.











I. Membro Associado e Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. II. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco.
III. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Médico do Serviço de Cirurgia Plástica do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco.

Correspondência para:
Eduardo Victor de Paula Baptista
Rua Charles Darwin, 138/201 - Boa Viagem
Recife,PE - Brasil - CEP: 51021-520 - Tel: 00xx81 3462-8819
E-mail: edvictor@globo.com

Trabalho realizado no Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP). Núcleo de Assistência aos Defeitos da Face do IMIP (NADEFI). Serviço de Cirurgia Plástica do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco.

Artigo recebido: 18/01/2004
Artigo aprovado: 25/03/2004

 

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