INTRODUÇÃO
Robbins1, em 1981, descreveu o retalho músculo cutâneo vertical do abdome com pedículo superior e Dinner et al.2, no ano seguinte, relataram o emprego do retalho em ilha, para reconstrução da mama. Em ambos os procedimentos, o volume de tecido transferido era insuficiente. Hartrampf et al.3 e Gandolfo4, também em 1982, descreveram o retalho músculo cutâneo transverso do reto abdominal (TRAM). Assim, as dificuldades de obtenção do volume de tecido foram solucionadas.
Duas outras contribuições importantes foram acrescentadas: os expansores de tecidos5 e a transferência microcirúrgica do retalho6-9. Esses procedimentos não resolveram alguns problemas como tecidos sem sensibilidade e com coloração de pele diferente da torácica. Os expansores e a troca por próteses solucionaram o problema de volume, mas a incidência de complicações ainda era alta, 21 a 30%, para contratura capsular10,11, e 60%12, em pacientes submetidos previamente à radioterapia. Refinamentos como microanastomoses de nervos do retalho com nervos intercostais, simetrizações, redução de cicatrizes e reconstrução da aréola-papila foram introduzidos, com mais de 2500 publicações sobre esse capítulo.
Neste trabalho é descrita a reconstrução de mama utilizando o retalho TRAM desepidermizado, modelado com proporções e diâmetros adequados, após expansão prévia da área mastectomizada, confluindo as duas grandes opções, retalhos e expansão-prótese. Este método preserva a sensibilidade da pele do tórax pós-mastectomia que recobre a mama, elimina a bicromia de pele da transferência do retalho à distância e garante evolução tardia livre de complicações e reoperações.
MÉTODO
Vinte e cinco pacientes, entre 27 e 66 anos (média de 46,9 anos), foram operadas de maio de 1998 a dezembro de 2001. Em três pacientes, a reconstrução foi bilateral. Pacientes com áreas extensas de cicatrização secundária pós-necrose de pele, cardiopatias, radidermites, fumantes e com abdominoplastia prévia não foram incluídas. Em todas pacientes, a sensibilidade torácica à dor na região mastectomizada foi avaliada, marcando a área com presença de dor à pressão de agulha de injeção 07 e, conseqüentemente, a área de anestesia. Todas tiveram o mapa da área insensível estabelecido. A reavaliação foi repetida a cada dois meses, durante o período de seguimento. A programação cirúrgica foi dividida em três estágios:
Primeiro tempo operatório: Inclusão do expansor de pele - expansores redondos ou oblongos, lisos, de 400 a 600 ml com válvula à distância foram utilizados. Em três pacientes. foram utilizados expansores duplo lúmen texturizados cônicos. Em reconstrução unilateral, a base da mama contralateral guiou a demarcação do descolamento da área de introdução do expansor (Figuras 1A e 1B). Nas reconstruções bilaterais, a posição do expansor foi: caudal - no 5º espaço intercostal; cranial - 5 centímetros abaixo da clavícula; medial - 3 centímetros da linha médio-esternal e lateral - na linha axilar anterior. A via de acesso foi a cicatriz da mastectomia. Áreas de anestesia foram desepitelizadas e recobertas por pele de boa qualidade, melhorando a cobertura do expansor. A válvula foi colocada na região ínfero-esternal, na passagem do retalho para facilitar sua remoção.
Figura 1A - Demarcação da área insensível da região torácica (pontilhada) e da área a ser descolada.
Figura 1B - Expansor sobre a pele para análise dos diâmetros da área onde serão descolados a pele e o subcutâneo.
Segundo tempo operatório: Transferência do retalho - O retalho foi obtido em pacientes do grupo V13 de abdominoplastia clássica. Demarcou-se uma ilha elíptica de pele no hipogástrio, acompanhando as pregas inguinais um a dois centímetros acima, sem cruzá-las, sendo a superior logo acima da cicatriz umbilical. Iniciou-se com incisão superior e descolamento cranial até o apêndice xifóide e rebordos costais. O paciente foi semifletido e testado o deslizamento da pele supra-umbilical, para verificar se havia coincidência com a marcação inferior. Em casos em que foi observada muita tensão, esta foi corrigida para cima. Retornou-se ao DDH e o músculo reto foi isolado até a borda infra-umbilical do retalho. Incisou-se a pele suprapúbica, o músculo foi dissecado, seccionando-o acima da arcada semilunar, deixando íntegras artéria e veia epigástricas inferiores profundas, as quais foram seccionadas na transferência do retalho. O expansor foi removido e feito um túnel desde a cápsula fibrótica até o descolamento epigástrico. A porção medial inferior da cápsula foi ressecada em fuso, próximo ao tórax, por onde o retalho foi passado, procurando-se não estrangular o pedículo muscular (Figura 2). O retalho foi migrado com pele, montado em forma de cone com medidas e proporções adequadas (Figura 3A). Após verificação de cobertura do cone montado pela pele, esse foi decorticado (Figuras 3B e 3C) e a pele do tórax suturada. Foi deixada uma ilha de pele piloto para verificação da vascularização do retalho na projeção da futura aréola (Figura 4A). A abdominoplastia foi concluída com plicatura da aponeurose posterior e anterior do músculo transferido, além da colocação de "mesh" de polipropileno para reforço da parede.
Figura 2 - Incisão da cápsula fibrótica na parte medial para translocação do retalho e excisão do fuso da cápsula para acomodar o pedículo muscular sem comprimi-lo.
Figura 3A - Forma, projeção, diâmetros, dimensões e planos espaciais da mama no tórax. A proporção 1 do ápice do cone ao sulco e 1,5 do ápice ao pólo superior é semelhante à descrita por Phidias (Phi), escultor da antiga Grécia, de 1:1,618 dita como áurea ou divina.
Figura 3B - Retalho TRAM transposto e modelado.
Figura 3C - Retalho TRAM desepidermizado.
Figura 4A - Ilha piloto de pele do retalho TRAM deixada quando necessário, para controle vascular do mesmo.
Terceiro tempo operatório: Aréola-papila, sulco mamário e simetrização - Metade da papila contralateral foi usada, em todos os casos, como enxerto composto para reconstruir a neopapila (Figura 4C), exceto em três pacientes, nos quais a ilha de pele piloto foi utilizada como retalho para reconstruí-la (Figura 4B). A nova aréola foi reconstruída com enxerto da contralateral ou pele da raiz da coxa.
Figura 4B - Reconstrução da papila com retalho da ilha piloto de pele; da aréola com enxerto de pele da aréola contralateral; do sulco mamário por lipoaspiração superficial e profunda.
Figura 4C - Reconstrução da aréola-papila com enxerto de pele da aréola contralateral e enxerto composto de metade da papila contralateral.
O sulco inframamário foi refeito por lipoaspiração superficial e profunda em toda sua extensão e a fixação da pele ao rebordo costal foi realizada com pontos de colchoeiro (Figura 4B). Simetria foi obtida com pexia ou redução da mama oposta (Figura 4D) e lipoaspiração localizada.
RESULTADOS
A tática foi utilizada em vinte e cinco pacientes. Em três pacientes, a reconstrução foi bilateral. Em uma paciente, a programação cirúrgica não foi concluída, outra abandonou o tratamento após a expansão, optando pelo implante de prótese. Uma terceira paciente, apresentou necrose de pele durante a expansão, sendo utilizado o retalho TRAM clássico com pele. Vinte e duas pacientes concluíram o tratamento, totalizando 25 mamas reconstruídas.
O teste de sensibilidade à dor, usando agulha de injeção 07, realizado no pré-operatório, foi repetido depois da expansão e a cada dois meses após a transferência do retalho. Três pacientes completaram 40 meses e oito, 36 meses. Todas retomaram a sensibilidade à dor, semelhante às condições pré-operatórias. Em outras 10 pacientes, a área insensível foi reduzindo progressivamente, mas o tempo cirúrgico não permitiu determinar a redução da área aos níveis do pré-operatório. Uma paciente (Figuras 5A, 5B e 5C) não apresentou retorno da sensibilidade. O retorno da sensibilidade demorou dois anos, com pequena melhora até o terceiro ano.
Figura 4D - Simetrização com mamoplastia contralateral, copiando o cone modelado com o retalho TRAM.
Figura 5ABC - Pós-operatório de paciente com 25 meses, onde se observa a demarcação das áreas insensíveis. Não houve recuperação aos níveis de pré-operatório.
Quando o subcutâneo remanescente era mais espesso e as cicatrizes da mastectomia transversais, a sensibilidade torácica inicial era melhor e o retorno dela, após a reconstrução, mais rápido. As Figuras 6A a 6F ilustram o pré e pós-operatório de técnica unilateral utilizada, enquanto as Figuras 7A e 7B são da técnica bilateral. Nas Figuras 8A a 8D, observa-se a evolução da área anestesiada, removida no 1º tempo e a redução desta ao final de 40 meses.
Figura 6ABCDEF - Pré-operatório de paciente com 49 anos. A área demarcada corresponde à região insensível à dor no pré e pós-operatório de 24 meses.
Figura 7A - Pré-operatório de paciente com 61 anos, mastectomia bilateral. As áreas demarcadas (cicatrizes), que correspondem à região insensível, foram removidas.
Figura 7B - Pós-operatório de 24 meses sem áreas insensíveis à dor.
Figura 8ABCD - A: mostra área insensível na cicatriz; B: após a expansão; C: após transferência do retalho; D: ao final de 24 meses, com mínima área insensível na cicatriz.
A cor da pele da nova mama foi homogênea e a cicatriz, a mesma da mastectomia. O volume, a textura dos tecidos e a forma mamária foram mantidos e melhorados no pós-operatório tardio. A simetrização e a reconstrução do sulco mamário foram os procedimentos de maior dificuldade. A reconstrução da aréola com a ilha de pele não deu projeção perfeita à mesma.
DISCUSSÃO
O uso desse procedimento começou com o tratamento de três pacientes com mastectomia subcutânea e implante de silicone, com resultados tardios inaceitáveis, forte contratura capsular, deformidade e dor. A tríade DDD (dura, deformada, dolorida) era comum nas inclusões de próteses, quando essas não eram de gel coesivo. Estas pacientes foram submetidas ao procedimento descrito com bom resultado, removendo-se as próteses e cápsulas e substituindo-as por retalho decorticado. Com base nesses resultados, propõe-se prévia expansão em pacientes mastectomizadas pré-selecionadas, como alternativa para redução do estigma provocado pela mastectomia. As três pacientes que receberam expansores de perfil alto, cônicos com válvula acoplada à pele expandida, ajustaram-se melhor ao retalho e o resultado final foi superior. Nas outras pacientes, foram utilizados expansores lisos redondos, por razões financeiras. O volume injetado nos expansores foi sempre maior do que o que seria proposto para o retalho modelado, tentando obter-se pequena ptose natural.
A cápsula fibrosa não foi removida no segundo estágio operatório, sendo realizadas somente capsulectomias localizadas no pilar peitoral, para ajustar um prolongamento do retalho modelado e reconstruí-lo. Quando a expansão ultrapassou sessenta dias, a cápsula fibrosa foi curetada até sangrar, para melhor contato entre ela e o TRAM desepidermizado. A remoção parcial da cápsula e a curetagem reduziram o edema pós-operatório e uma textura melhor da mama reconstruída foi observada. A cápsula fibrosa na porção ínfero-medial, onde se transpôs o retalho, foi removida em fuso semelhante ao volume do músculo e o restante ressuturado. A pele expandida tem tendência de retração e o retalho de deslizamento através do túnel, abaulando a região infra-esternal.
A montagem do retalho foi feita com fios inabsorvíveis, com o cuidado de não estrangular a vascularização de extremidades. Foram utilizados somente retalhos monopediculados, ipsilaterais, nos casos da reconstrução das duas mamas.
Reconstrução mamária sem o material aloplástico resulta em pacientes satisfeitas, além disso, alivia suas mentes da presença do corpo estranho sujeito a revisões futuras. O implante de silicone em reconstruções apresenta contratura em 21 a 30% dos casos e até em 60%, quando houve radioterapia prévia.
As pacientes foram submetidas a um questionário aplicado por profissional não ligado à equipe cirúrgica, após 12 e até 40 meses de seguimento. Avaliaram o procedimento, atribuindo notas de 0 a 10, quanto à qualidade dos resultados, conforto físico e psíquico; retorno às atividades habituais e possibilidade de recomendação do método a outras pacientes. A média de notas pelos resultados obtidos foi de 9,28.
Um tempo cirúrgico adicional, a inclusão do expansor, é uma desvantagem do método. É possível aboli-lo se o mesmo for colocado e expandido durante a mastectomia. Também será possível, no tempo seguinte, transferir o retalho, reconstruir o sulco mamário, a aréola-papila e simetrizar a mama contralateral. O entendimento entre as equipes de mastologia e cirurgia plástica nos dará essa possibilidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Professor Doutor em Cirurgia Plástica pela UNIFESP, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - SP.
Correspondência para:
Antonio Roberto Bozola
Hospital Imagem de Cirurgia Plástica - Av. José Munia, 6777
São José do Rio Preto, SP, Brasil - CEP: 15085-350
Tel: 0xx17 227-9200
E-mail: bozola.imagem@riopreto.com.br
Trabalho realizado no Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e Imagem Hospital de Cirurgia Plástica de São José do Rio Preto.
Artigo recebido: 15/10/2004
Artigo aprovado: 11/02/2005