ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2006 - Volume21 - Issue 1

ABSTRACT

Background: Bite wounds account for 1% of all emergency department visits and infection is the most common biteassociated complication. The risk for infection of any type of bite wound is determined by local wound care, host factors and bite location. Method: The study was a prospective series of cases seen in the Emergency Unit of the Hospital Regional da Asa Norte (HRAN, Brasília - DF), from January of 1999 to December of 2004. At the patient's arrival at the Emergency Unit was done a primary closure of bites wounds to the face and scalp, independent of the hour or day of the aggression. The primary treatment of the bites consisted on direct suturing, flaps or graft, depending on the type of the bites and the decision of the surgeon. Results: The study analyzes 111 patients, with the ear was the most common site of the injury in the face (31.5%), followed by the lips (17.1%). The children had suffered the injuries more frequently and the canine bites had been most frequent, followed by the human ones. All the patients had received surgical treatment in the first 24 hours after admission. There was no infection in this study. Conclusion: The findings suggest that the immediate closure of the dog or human bites to the face and scalp is safe, even in cases after some hours of the injury.

Keywords: Bites and stings, surgery. Bites, human. Face, injuries, surgery. Facial injuries. Scalp, injuries, surgery, Dogs

RESUMO

Introdução: As mordeduras representam 1% de todos atendimentos nas emergências dos hospitais e a infecção é a principal complicação associada. O risco de infecção de qualquer tipo de mordedura é determinado pelos cuidados locais, fatores inerentes ao indivíduo e localização da lesão. Método: O estudo foi uma série prospectiva de casos atendidos na Unidade de Emergência do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN, Brasília - DF), no período de janeiro de 1999 até dezembro de 2004. No momento da admissão do paciente à emergência, foi realizado o fechamento primário da ferida proveniente de mordedura na face e couro cabeludo, independente da hora ou dia da agressão. O tratamento primário das mordeduras foi realizado por meio de sutura direta, retalhos ou enxerto, conforme o tipo da ferida e da decisão do cirurgião. Resultados: O estudo compreendeu 111 pacientes, sendo que a orelha foi o principal sítio das mordeduras na face (31,5%), seguida pelo lábio (17,1%). As crianças foram as principais vítimas e as mordeduras caninas foram as mais freqüentes, seguidas pelas humanas. Todos pacientes receberam tratamento cirúrgico dentro das 24 horas após a admissão. Não houve complicações infecciosas nos casos estudados. Conclusão: Os achados sugerem que o fechamento imediato das mordeduras humanas ou animais, na face e no couro cabeludo, é seguro, até em casos após várias horas da lesão.

Palavras-chave: Mordeduras e picadas, cirurgia. Mordeduras humanas. Face, lesões, cirurgia. Traumatismos faciais. Couro cabeludo, lesões, cirurgia. Cães


INTRODUÇÃO

As mordeduras representam uma lesão comum geralmente vista nas emergências dos hospitais, correspondendo a cerca de 1% dos atendimentos1. O risco de infecção após mordedura é determinado pelos cuidados locais, localização da lesão, fatores inerentes ao indivíduo, tipo de lesão e animal agressor.

A conduta usualmente recomendada é que as feridas causadas por mordeduras não devem ser suturadas. Portanto, as mordeduras devem ser mantidas abertas e a reconstrução deve ser retardada após passar o período de infecção2. Entretanto, nos últimos anos, vários autores têm preconizado o tratamento cirúrgico primário das agressões humanas ou por animais que ocorrem na face e no couro cabeludo3,4.

O objetivo deste estudo foi avaliar a taxa de infecção dos pacientes submetidos ao fechamento primário das mordeduras caninas e humanas na face e no couro cabeludo.


MÉTODO

O estudo foi uma série prospectiva de casos e compreendeu 111 pacientes que foram atendidos inicialmente na Unidade de Emergência do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte (Brasília-DF), no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2004.

Os pacientes foram admitidos no estudo de forma consecutiva. Os critérios de exclusão foram: pacientes que já apresentaram sinais de infecção no local das mordeduras à admissão; e pacientes com acompanhamento ambulatorial inferior a 30 dias.

Os dados foram colhidos por meio de questionário com o paciente ou responsável legal. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, procedência, intervalo de tempo da agressão ao atendimento hospitalar, agente agressor, local dos ferimentos, características das lesões e tratamento. O seguimento pós-operatório foi feito por meio de uma consulta semanal por pelo menos 30 dias.

A conduta nos casos de mordedura na face e no couro cabeludo foi de irrigação copiosa da ferida, e a limpeza com solução degermante de polivinilpirrolidona (P.V.P.I.) e soro fisiológico. O fechamento primário no dia do atendimento foi feito por meio de sutura direta, retalho local ou enxerto. Não havia limite de horas ou dias entre o momento da agressão e o procedimento cirúrgico, ou seja, no momento em que o paciente chegava à emergência do hospital era realizado tal procedimento, independente da hora ou dia da agressão. Os tecidos desvitalizados foram desbridados e não havia sinal de infecção da ferida no momento do fechamento. Em casos de lesão próxima ao duto parotídeo principal ou ao canal lacrimal, foi avaliada a integridade dessas estruturas e realizada a reparação, quando necessário.

A profilaxia do tétano e da raiva foi realizada conforme o caso. A utilização de antimicrobianos foi feita em todos pacientes do estudo, durante sete dias. O antibiótico de escolha foi a cefalexina.

As suturas foram retiradas entre o sétimo e o décimo quinto dia pós-operatório. Não foi realizada profilaxia para hepatite, sífilis ou infecção pelo vírus da imunodeficiência humana.


RESULTADOS

O estudo compreendeu 111 pacientes, com média de idade de 19 anos (variação de 1 a 87 anos). A maioria dos pacientes era do sexo masculino (68,4%) e 83 (74,7%) eram procedentes do Distrito Federal. As crianças menores de 10 anos foram as principais vítimas. As mordeduras caninas foram as mais freqüentes, seguidas pelas humanas (Tabela 1).




Em relação ao tempo de atendimento, 63 (56,7%) pacientes foram atendidos nas primeiras seis horas após o acidente (Tabela 2).




A orelha foi o principal sítio das mordeduras na face, seguido pelo lábio (Figuras 1 e 2). Nenhuma ferida apresentou sinais de infecção na admissão. Todos pacientes receberam tratamento cirúrgico dentro das 24 horas após a admissão (Figuras 3 a 5).


Figura 1 - A, B e C: Mordedura humana na orelha com perda de substância. O paciente foi submetido à reconstrução imediata com retalho local retroauricular de base inferior. A evolução foi sem intercorrências, com 3 meses de pós-operatório.


Figura 2 - A e B: Mordedura humana na orelha com perda de substância. O paciente foi submetido à reconstrução imediata com retalho local de avançamento condrocutâneo da hélice, no 15º dia pós-operatório.


Figura 3 - A, B, C e D: Paciente de 31 anos com mordedura canina em couro cabeludo, sem perda de substância. Submetida ao fechamento imediato da lesão, evoluiu satisfatoriamente com 22 dias de pós-operatório.


Figura 4 - A, B e C: Criança com lesão extensa de couro cabeludo por mordedura canina, sem perda de substância. Submetida ao fechamento imediato da lesão, evoluiu satisfatoriamente, com 2 meses de pós-operatório.


Figura 5 - A, B e C: Criança vítima de mordedura canina em região frontal, palpebral e auricular. A orelha encontra-se fixada apenas pelo lóbulo auricular. Submetida ao fechamento imediato da lesão, evoluiu satisfatoriamente, com 3 meses de pós-operatório.



Quanto à gravidade das lesões, 61 (54,9%) pacientes apresentavam perda de substância (Figuras 6 e 7). Houve um caso de fratura de ossos da face e do crânio. Esse paciente apresentou lesões extensas de couro cabeludo, associadas a fraturas de osso occipital, temporal e zigomático, tendo sido submetido a tratamento neurocirúrgico e das partes moles (Figura 8).


Figura 6 - A, B, C e D: Criança de 6 anos, com avulsão parcial do couro cabeludo por mordedura canina, submetida a enxertia imediata do segmento avulsionado. Após 6 meses de enxertia, foi submetida à ressecção da área enxertada com alopécia e fechamento direto do couro cabeludo.


Figura 7 - A, B, C e D: Criança de 7 anos, com avulsão extensa de couro cabeludo por mordedura canina, submetida à enxertia imediata do segmento avulsionado. Após 4 meses, foi submetida à expansão do couro cabeludo remanescente durante 3 meses, e ao avançamento do retalho expandido sobre a área de alopécia.


Figura 8 - A, B e C: Criança de 5 anos, com fratura de osso temporal por mordedura canina, submetida a tratamento neurocirúrgico e fechamento imediato das lesões em face. Evidencia-se a lesão suturada com cinco dias e 3 meses de pós-operatório.



O tipo de tratamento mais comum foi a sutura direta em 75 (67,5%) casos, seguida por retalhos locais (26,1%) ou enxerto (6,4%). O tipo de anestesia mais utilizado foi a infiltração local com lidocaína 1% e em 46 (41,4%) casos foi necessária a anestesia geral devido ao fato de serem crianças com lesões extensas. Nenhum caso de raiva humana ou animal ocorreu; assim como não houve mortes ou casos de infecção no estudo.


DISCUSSÃO

Os ataques caninos a crianças e adultos têm ocupado as páginas dos jornais quase que diariamente, tornando-se uma importante causa de morbidade e, em menor proporção, de letalidade, representando 80 a 90% de todas as mordeduras atendidas nas unidades de emergência. Enquanto as mordeduras humanas representam 3,6 a 23% do total de mordeduras5.

As crianças são as vítimas mais comuns das mordeduras caninas e, na maioria dos casos, os ataques envolvem cães conhecidos ou da família. Até 80% das mordeduras caninas em crianças ocorrem na cabeça e pescoço, enquanto essa região é afetada nos adultos em menos de 10% dos casos. Neste estudo, a média de idade foi de 19 anos, sendo que 46,8% dos pacientes tinham menos de 10 anos. Esta alta prevalência em crianças é atribuída à baixa estatura das crianças e à exposição aumentada da face, associada à espontaneidade de levar a face próxima aos cães6.

Embora não tão comuns como as mordeduras caninas, as mordeduras humanas são consideradas graves devido ao risco elevado de infecção. A mordedura humana é pouco notificada devido sua associação com brigas, discussões e atividades sexuais exageradas. Além disso, essas mordeduras têm sido implicadas na transmissão de hepatite B e C, tuberculose, sífilis, tétano e do vírus da imunodeficiência humana7,8.

O local mais comum dos ataques caninos ou humanos na face foi a orelha (Tabela 2). Entretanto, outros estudos apontam o lábio ou zigoma como o sítio mais freqüente (Figura 9)3,8.


Figura 9 - A, B e C: Paciente de 29 anos, com perda de substância em lábio superior e inferior por mordedura humana, submetido a fechamento imediato das lesões. Evidencia-se a lesão suturada com cinco dias e quatro meses de pós-operatório.



A profilaxia para infecção pelo vírus da imunodeficiência humana deve ser considerada quando fatores de risco são identificados na história clínica. Nas agressões caninas, é obrigatória a profilaxia do tétano e da raiva. No Brasil, entre 1991 e 2001, cães e gatos foram responsáveis pela transmissão de 80,5% dos casos de raiva humana9.

O antibiótico de escolha após mordeduras na face e no couro cabeludo é a amoxicilina com ácido clavulônico ou a cefalexina10. O uso da cultura para escolher o antibiótico só é feito em casos em que a infecção está estabelecida, sendo os estreptococos e os estafilococos os germes mais freqüentes4.

As mordeduras puntiformes, mordeduras nas mãos, mordeduras humanas, lesões com mais de 8 horas e ferimentos em pacientes imunocomprometidos apresentam o maior risco de infecção7,11. Considerando-se que a maioria das mordeduras foi canina e a ausência de doenças associadas (imunodeficiências primárias ou secundárias) nos pacientes acompanhados, esses fatores podem ter contribuído para a inexistência de infecção no estudo. Além disso, as mordeduras na face têm menor chance de infecção que em outros locais do corpo devido à rica vascularização e drenagem postural desse segmento do corpo10.

O tratamento primário das mordeduras foi realizado por meio de sutura direta, retalhos ou enxerto, conforme o tipo da ferida e a decisão do cirurgião. Nada impede que, no momento da sutura, proceda-se não apenas à cobertura da lesão, mas se inicie a reconstrução em casos de perda de substância, independente do tempo decorrido da agressão. É importante efetuar um desbridamento adequado da ferida e minimizar o uso de suturas profundas ou subdérmicas. Sempre que possível, as feridas suturadas são mantidas sem curativo fechado12.

Na reconstrução da orelha, foi utilizado o fechamento direto da lesão, o retalho retroauricular com base inferior ou avançamento condrocutâneo da hélice. O reimplante microcirúrgico de segmentos avulsionados após mordedura canina ou humana pode ser tentado com bons resultados estéticos13. No nosso estudo, não foi utilizada a reconstrução com retalhos microcirúrgicos.

Caso o paciente apresente fraturas faciais decorrentes de mordedura, o tratamento das fraturas não difere dos métodos tradicionais de fixação14.

Não foram identificadas complicações infecciosas nos pacientes do estudo. O fechamento imediato das mordeduras caninas ou humanas na face e no couro cabeludo é seguro, até em casos após várias horas da lesão1,3,4,12,14,15.


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I. Cirurgião Plástico do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade de Brasília. Docente de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS), Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SESDF), Brasília, DF.
II. Acadêmico de Medicina da ESCS, FEPECS, SES, Brasília - DF e bolsista do CNPq.

Correspondência para:
Jefferson Lessa Soares de Macedo
SQS 213 Bloco "H" Apto 104 - Asa Sul
Brasília, DF, Brasil - CEP 70292-080
Tel: 0xx61 9989-5746 - Telefax: 0xx61 3327-8415
E-mail: jlsmacedo@yahoo.com.br

Trabalho realizado na Unidade de Emergência do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília, DF.

Artigo recebido: 20/10/2005
Artigo aprovado: 03/03/2006

 

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