ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Muscle sub-units transplantation in the facial reanimation
Trabalho Premiado em 2005 - Sirley Rinaldi: Transplantes de Subunidades Musculares na Reanimação Facial
Original Article -
Year2006 -
Volume21 -
Issue
1
André Salo Buslik HazanI, Fabio Xerfan NahasII, Rodrigo Tiago FariaIII, Ramil SinderIV, Lydia Masako FerreiraV
ABSTRACT
The purpose of this study is to present a technical alternative to reconstruct muscle-cutaneous defects on the face, with transfer of innervated muscles sub-segments (sub-units) of the latissimus dorsi flap to replace multiples facial mimetic muscles. It is described three clinical cases of mimetic muscle losses associated to the skin after trauma. These cases were treated with microsurgical transfer of the sub-units of the latissimus dorsi muscle that present size, shape and weight similar than mimetic muscles. The segmental ramus of the toracodorsal nerve was anastomosed on buccal ramus in two cases and mandibular marginal ramus of the facial nerve in one case. Each ones of the sub-segments have an artery and vein that nourish and drain the muscle unit and nerve with motor. Studies were done about muscular reconstruction but these present limitations to replace multiple mimetic muscles on different vectors of actions, remaining asymmetry. This technique showed to be safe and efficient after the evaluation and comparison with digital photo and video registration between static and dynamic aspects on pre and post-operative one year and using electromyography digital video registration.
Keywords:
Lip, reconstruction. Facial muscles. Facial paralysis
RESUMO
O objetivo deste estudo é apresentar uma alternativa técnica para reconstrução de perdas músculo-cutâneas na face, com a transferência de subsegmentos (subunidades) inervados do músculo grande dorsal para a substituição dos diversos músculos da mímica facial. São descritos três casos de trauma com perda de pele e músculos da mímica. Foram corrigidos com transferências microcirúrgicas de subunidades de músculo grande dorsal que apresentam, forma, tamanho e peso similares aos dos músculos da mímica. Respeitaram-se as origens e inserções e vetores de ação para a mímica desejada. Cada um dos subsegmentos tem artéria e veia que irrigam a unidade muscular e também nervo com componente motor. Os pacientes foram avaliados, comparando-se o pré e pós-operatório de um ano com foto e vídeo com mímica em repouso e dinâmica e eletromiografia (documentada em vídeo digital). Observou- se atividade mioelétrica dos músculos transplantados. Verificou-se que a técnica foi eficaz do ponto de vista funcional e estético.
Palavras-chave:
Lábio, reconstrução. Músculos faciais. Paralisia facial
INTRODUÇÃO
O tratamento de defeitos após a lesão de músculos da mímica, associados ou não à perda de revestimento cutâneo, tem sido um grande desafio para os cirurgiões reconstrutores. Vários tipos de retalhos foram utilizados para o tratamento destas deformidades e têm sido descritos como retalhos locais, retalho músculo-cutâneo1 e retalhos fáscio-cutâneos inervados livres2 e, recentemente, os perfurantes3, que permitem diminuir a espessura do retalho. Oferecem apenas cobertura cutânea. Estudos sobre retalhos musculares4-13 foram realizados e apresentam limitações.
A dificuldade do cirurgião aumenta nas perdas mistas de músculo e pele, e as técnicas disponíveis descritas oferecem o uso de segmentos musculares que visam a restaurar a mobilização da comissura labial. Entretanto, essas técnicas não permitem trazer quantidade suficiente de músculos em tamanho, espessura e o necessário para repor os múltiplos músculos da mímica facial, em seus diferentes vetores.
O objetivo deste estudo é apresentar uma alternativa técnica para reconstrução de perdas músculo-cutâneas na face, com a transferência de subunidades inervadas do músculo grande dorsal, para a substituição dos diversos músculos da mímica facial.
RELATO DOS CASOS
Caso 1
Paciente do sexo feminino, 44 anos, vítima de mordedura canina. Sofreu amputação de 80% do lábio inferior, incluindo o segmento central do músculo orbicular dos lábios, os músculos depressores direito e esquerdo do lábio inferior. A paciente apresentava incontinência oral, com saída de saliva e perda de água e alimentos. Foram planejadas duas subunidades musculares do músculo grande dorsal associado a perfurantes cutâneas. Uma subunidade para segmento de orbicular do lábio e outra para músculo depressor do lábio inferior (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Paciente do sexo feminino, vítima de mordedura por cão (pit-bull) no dia do acidente e tentativa de reimplante de lábio.
Figura 2 - Um ano de pós-operatório e mímica no repouso.
Caso 2
Paciente do sexo masculino, 9 anos, vítima de mordedura canina. Apresentou-se com amputação do segmento superior e direito do lábio, incluindo o segmento correspondente do músculo orbicular do lábio (Figuras 3 e 4).
Figura 3 - Pré-operatório e exposição dentogengival e amputação de segmento superior à direita do lábio, incluindo o músculo orbicular do lábio.
Figura 4 - Seis meses de pós-operatório: mímica do beijo e o músculo esboçando contração (integrado aos músculos adjacentes).
O tratamento proposto foi o enxerto autógeno neurovascularizado de uma subunidade do músculo grande dorsal com porção cutânea suprajacente, associada a perfurantes neurovascularizadas.
As inserções distais dos músculos adjacentes foram reposicionadas no retalho muscular. Os dentes que, anteriormente, estavam expostos, passaram a não aparecer no repouso.
Caso 3
Paciente do sexo masculino, 11 anos, vítima de atropelamento, que apresentava lacerações na hemiface direita que foram suturadas. Após esse evento, desenvolveu infecção. Houve destruição dos músculos elevador do lábio superior, zigomático e orbicular do olho associada à exposição óssea em regiões fronto-nasal e maxilo-malar. Ao exame dinâmico, havia evidente assimetria de mímica e o paciente não conseguia elevar o lado direito do lábio superior, observando-se ausência de sulco nasogeniano (Figuras 5 e 6). Foram transferidas três subunidades musculares (Figura 7).
Figura 5 - Infecção por MARSA, exposição óssea e perda dos músculos elevador do lábio superior, zigomático (observar segmento superior à direita assimétrico em relação ao lado esquerdo) e segmento inferior do orbicular do olho.
Figura 6 - Um ano de pós-operatório: quase simétrico e os dentes superiores do lado direito e o sulco nasogeniano começam a aparecer.
Técnica Cirúrgica
O paciente é posicionado em decúbito lateral, sob anestesia geral. A margem lateral do músculo grande dorsal é marcada e, neste local, a pele é incisada. Identifica-se o pedículo perfurante de pelo menos 1,5mm de calibre e individualiza-se o vaso perfurante que nutre a pele suprajacente, localizada entre 6 a 8cm da margem inferior da escápula e, aproximadamente, a 2cm da margem lateral do músculo grande dorsal. A dissecção prossegue para dentro do músculo, seccionando-se o epimísio e perimísio, individualizando-se o feixe segmentar lateral14 ou inferior3. Observam-se feixes subsegmentares vásculo-nervosos penetrando nos grupos musculares correspondentes.
Os feixes vásculo-nervosos subsegmentares e as subunidades musculares são isolados por dissecção. Verifica-se a existência de sangramento na porção muscular. Em caso afirmativo, as subunidades musculares são transferidas presas aos pedículos subsegmentares, que se originam do vaso segmentar lateral, provenientes dos vasos tóraco-dorsais e subescapular. O segmento de nervo transferido é correspondente, apenas, aos segmentos musculares a serem transferidos. O ramo segmentar medial (ou superior) do nervo é preservado.
Os vasos faciais ou temporais podem ser utilizados como receptores. O ramo bucal e o marginal mandibular do nervo facial podem ser utilizados como receptores para o nervo tóraco-dorsal. Utilizou-se nylon 10-0 com síntese epi-perineural término-terminal com pontos simples nos três casos.
A síntese dos músculos foi realizada com fios absorvíveis (poliglecaprone 25) 5-0 (cinco zeros), inserindo-os "como continuidade", nos casos de perda muscular segmentar e unindo-os superficial e profundamente (casos 1 e 2); ou fixando-os ao periósteo e a outro músculo, inserindo-os superficial e profundamente, nos casos de perdas totais do músculo (caso 3). Procurouse respeitar os vetores de origem e inserção dos neomúsculos, de tal modo a simular os vetores dos músculos lesados.
Avaliação Funcional
Na avaliação funcional após um ano de pós-operatório, foram comparados o pré e pós em vídeo e foto digital, com mímicas no repouso e dinâmica e a eletromiografia, bem como o seu registro em papel, foto e vídeo digital.
Com dez meses, foram avaliados todos os subsegmentos musculares por meio da realização da eletroneuromiografia. O estudo eletromiográfico foi realizado com o aparelho modelo Neuropack II e agulha concêntrica NM-320T® (da Nihon-Khoden, Japan), que capta estímulos do músculo puncionado, com a vantagem de diminuir a contaminação de estímulos de outros músculos. Foi demonstrada atividade mioelétrica ao solicitar aos pacientes que realizassem a contração correspondente ao movimento realizado pelo músculo da mímica facial perdido no trauma.
DISCUSSÃO
O objetivo principal da reconstrução de perdas de músculos da mímica é preservar a função muscular, adequada abertura da boca e uma aparência estética aceitável. As reconstruções disponíveis, atualmente, apresentam limitações como microstomia, falta de mobilidade, grande volume muscular e não possibilitam a reconstrução de múltiplos músculos da face.
Zhao et al.14, baseados em estudos de EL-Maasarany et al.15, publicaram um estudo sobre a anatomia dos segmentos musculares do músculo grande dorsal para reconstrução de paralisia facial. Esses retalhos têm múltiplos pequenos vasos subsegmentares, num mesmo segmento muscular.
No presente estudo, foram utilizadas subunidades de músculos independentes entre si, irrigadas por pedículo de vasos subsegmentares que, por sua vez, estão conectados à segmentar lateral ou inferior, que é ramo da tóraco-dorsal (Figura 7). A artéria, duas veias e um nervo seguem unidos (Figura 8) por um tecido conjuntivo, dividindo-se e nutrindo diversos subsegmentos.
Figura 7 - Observar três subsegmentos (subunidades) musculares destacados e unidos pelos pedículos subsegmentares e segmentar lateral. Retalho utilizado no caso clínico número 3.
Figura 8 - Dissecção em cadáver do músculo grande dorsal de ramos subsegmentares e, por sua vez, ramo do pedículo segmentar lateral (ramo do pedículo tóraco-dorsal). Observar que entram em grupos musculares uma artéria, duas veias e um nervo. Realizado no IMLAP-RJ (Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto do Rio de Janeiro).
O estudo eletromiográfico (registrado em vídeo digital e papel) demonstrou atividade mioelétrica nos músculos transplantados no repouso e na contração. Os registros foram semelhantes aos obtidos no músculo simétrico não lesado.
A vantagem do uso destes retalhos na reconstrução de perda cutânea-muscular é que estes são delgados e pequenos, permitindo mimetizar o tamanho e espessura dos músculos da mímica, posicionados em diferentes vetores.
A utilização deste tipo de retalho poderá permitir, no futuro próximo, a reconstrução de todo um lado paralisado da face, em caso de seqüela na reanimação facial, ou até mesmo toda uma face como alternativa aos transplantes homólogos em pacientes com avulsões e queimaduras funcionais graves na face ou em ablação de tumores.
Em resumo, os resultados obtidos com o uso da técnica parecem promissores, uma vez que foi observada continência oral, função plena com simetria e a eletroneuromiografia demonstrou sinais de atividade mioelétrica.
AGRADECIMENTOS
Ao Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e à neurologista e neurofisiologista Dra. Glória Penque, pela seriedade e disponibilidade para realização das eletromiografias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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I. Cirurgião Plástico responsável pela Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Municipal Souza Aguiar e aluno do Curso de Aperfeiçoamento pelo Centro de Estudos da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo.
II. Professor Adjunto da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo.
III. Estagiário da Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Municipal Souza Aguiar.
IV. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal Fluminense.
V. Professora Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo.
Correspondência para:
André Hazan
Av. Princesa Isabel, 323, sala 1110 - Copacabana
Rio de Janeiro, RJ, Brasil -CEP: 22011-010
E-mail: andrehazan@hotmail.com
Os casos foram tratados no Hospital Municipal Souza Aguiar e o trabalho realizado com orientação da Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo e Universidade Federal Fluminense.
Artigo recebido: 20/04/2005
Artigo aprovado: 14/11/2005
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