ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Endogenous suicide: a possible explanation for some death on plastic surgery
Suicídio Endógeno: Uma Possível Explicação Para Algumas Mortes em Cirurgia Plástica
Special Article -
Year2006 -
Volume21 -
Issue
2
Evaldo A. D'Assumpção
ABSTRACT
The author presents his reflexions about some deaths occurred on plastic surgery. He imputes these deaths to a depression of the immunitary system of depressed or hopeless patients. To them he gives the name of endogenous suicide that must be known by plastic surgeons because it occurs during or just after plastic surgeries. Based on the literature and in his own experience, the author describes this possible and serious intercurrence.
Keywords:
Suicide. Plastic surgery, mortality. Self-injurious behavior. Psychology
RESUMO
O autor apresenta suas reflexões sobre algumas mortes ocorridas em cirurgias plásticas, às quais atribui, à luz de seus estudos de tanatologia, a um possível bloqueio, pelo consciente profundo de pacientes em depressão ou desesperança, de seu sistema imunitário. A este bloqueio dá o nome de suicídio endógeno, que deve ser conhecido pelos cirurgiões uma vez que pode ser responsável pela morte de pacientes, durante ou logo após uma cirurgia plástica, com todos os problemas que este óbito pode trazer. Com base na literatura e em sua experiência pessoal, o autor descreve esta possível e grave intercorrência.
Palavras-chave:
Suicídio. Cirurgia plástica, mortalidade. Conduta auto-lesiva. Psicologia
A Tanatologia (tanato = morte, logia = estudo) é uma ciência surgida nos Estados Unidos, na década de 60. No final da década de 70, iniciamos seu estudo, introduzindo-a em nosso país e desenvolvendo a Biotanatologia (bio = vida), que é a ciência da vida vista pela ótica da morte. Paralelamente ao trabalho feito nesta nova área, especialmente no atendimento psicoterapêutico ao luto e às perdas, temos utilizado estes conhecimentos para nos ajudar na relação médico-paciente, no exercício da cirurgia plástica. Esta inter-relação nos levou a refletir sobre algumas mortes ocorridas com pessoas que viviam um profundo estado depressivo ou de desesperança. Acompanhamos diversos casos e alguns deles em óbito acontecido durante ou logo após uma cirurgia plástica. Analisando a história pregressa desses pacientes, constatamos que, a despeito de estarem em busca de uma cirurgia plástica, que se supõe ser desiderato de quem busca melhor qualidade de vida, eles haviam relatado para parentes ou amigos uma enorme falta de vontade de viver, geralmente em decorrência de episódios profundamente frustrantes em que estavam envolvidos. Muitos deles representados por morte de pessoas queridas, das quais ele se sentia culpado, ou então pelo fim de relacionamentos que jamais admitiam perder.
Revendo a literatura especializada nesta área, encontramos diversos trabalhos que apontam para a enorme importância da consciência do ser humano na mobilização ou imobilização de seus sistemas defensivos.
Shekelle et al.1 afirmam que a depressão e o sentimento de desesperança estão fortemente relacionados com o aparecimento de câncer, por uma acentuada depressão do sistema imunitário do paciente, produzida pelo que Freud chamou de "inconsciente" e que nós preferimos chamar de "consciente profundo"2. Paget3, que descreveu uma das formas mais comuns de câncer de mama, afirmava o mesmo, já em 1870.
Everson et al.4, em 1996, confirmaram as pesquisas de Shekelle et al.1, afirmando que a desesperança é muito mais forte do que a depressão, na ocorrência de suicídios.
Simonton et al.5 afirmam que "cada um de nós tem a sua participação na saúde e na doença, a todo o momento, através de nossas convicções, nossos sentimentos e nossas atitudes em relação à nossa vida".
Zonderman et al.6, McGee et al.7, Spiegel8 e Pasacreta9, entre muitos outros, publicaram suas pesquisas comprovando a relação entre depressão e câncer.
A física quântica, demonstrando que o observador interfere com o fenômeno, promovendo alterações no comportamento de partículas subatômicas, confirma a possibilidade do ser humano interferir, substantivamente, em toda a sua estrutura física composta de partículas10.
Levando em conta a afirmação de Fromm de que: "a mente é a benção e a maldição do Ser Humano"11, podemos imaginar o que pode acontecer quando uma pessoa, trazendo dentro de si, sem qualquer manifestação exterior, um elevado grau de desesperança diante dos problemas que enfrenta, se propõe a fazer uma cirurgia plástica. Um comportamento paradoxal como já vimos, uma vez que, de quem procura um procedimento desta natureza, espera-se um desejo de viver, de estar melhor consigo mesmo.
Contudo, profundamente deprimida e sem qualquer esperança de ter seus problemas existenciais resolvidos, procura a cirurgia plástica para nela, durante ou após a cirurgia, bloquear internamente seus mecanismos de defesa e, com isso alcançar a morte de forma socialmente aceitável, sem os traumas psicológicos e religiosos que poderia enfrentar ou deixar, se buscasse conscientemente o suicídio exógeno, clássico2.
Tratando-se de mecanismos internos, não conscientes, esse comportamento pode passar despercebido à maioria dos cirurgiões plásticos, geralmente mais voltados para as condições físicas e os aspectos morfológicos do paciente, do que para seus problemas psíquicos ou emocionais.
Não como casuística, mas apenas ilustrativamente, relatamos um caso bastante típico, que acompanhamos. Uma jovem senhora foi submetida a uma pequena lipoaspiração abdominal. Recuperou-se bem, porém à noite apresentou forte diarréia e vômitos. Na manhã seguinte, apesar de medicada, teve seu quadro clínico bastante deteriorado e foi transferida para a UTI. Durante uma semana recebeu tratamento sintomático, porque nenhum diagnóstico foi estabelecido. Diversos exames complementares foram realizados, todos dentro de limites normais. Seu quadro piorou progressivamente até o óbito no sétimo dia. Não foi feita necropsia, que teria sido imperiosa, e o clínico atestou óbito com o diagnóstico provável de septicemia. Posteriormente, a fisioterapeuta, com quem a paciente tratava antes da cirurgia, informou que ela havia perdido recentemente um irmão muito querido, com Aids, e que sofria muito, dizendo ter perdido a vontade de viver. Mesmo assim decidiu fazer a lipoaspiração do abdome que, segundo ela não lhe agradava. E veio a falecer de causa não definida. O cirurgião foi processado pela família, tendo sido absolvido no CRM com a ajuda de nosso depoimento, mas o processo prossegue na justiça comum.
Sem dúvida, a sua prevenção é bastante difícil, pois esses pacientes podem dissimular muito bem seu sofrimento interior. Cabe ao cirurgião plástico, conhecendo esta possibilidade, procurar fazer uma anamnese mais rigorosa no que diz respeito à vida emocional e psicológica do paciente. Além disso, o cirurgião deve investigar se existe alguma razão para uma condição depressiva, ou um estado de profunda desesperança, mascarado pelo desejo, aparentemente justo, de buscar uma melhora do seu aspecto físico.
O maior risco para o cirurgião plástico é que a especialidade apresenta grande facilidade para um suicídio endógeno. Afinal, qualquer pessoa sempre tem uma alteração corporal de maior ou menor intensidade, passível de uma correção estético-reparadora. Solicitando a sua correção a um cirurgião plástico, não haverá razão para que ele deixe de realizá-la, se tecnicamente existe uma indicação e também a possibilidade cirúrgica. Por esta razão, se defende a necessidade de uma boa formação psicológica para todos os cirurgiões plásticos e o conhecimento desta possibilidade trágica a que denominamos suicídio endógeno2. Para o qual propomos um estudo mais aprofundado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Shekelle RB, Raynor WJ Jr, Ostfeld AM, Garron DC, Bieliauskas LA, Liu SC et al. Psychological depression and 17-year risk of death from cancer. Psychosom Med. 1981;43(2):117-25.
2. D´Assumpção EA. Suicídio. Belo Horizonte: Fumarc;2004.
3. Paget J. Surgical pathology. London:Longman´s Green; 1870.
4. Everson SA, Goldberg DE, Kaplan GA, Cohen RD, Pukkala E, Tuomilehto J et al. Hopelessness and risk of mortality and incidence of myocardial infarction and cancer. Psychosom Med. 1996;58(2):113-21.
5. Simonton OC, Matthews-Simonton S, Creighton JL. Com a vida de novo. 6a ed. São Paulo:Summus Editorial;1987.
6. Zonderman AB, Costa PT, McCrae RR. Depression as a risk for cancer morbidity and mortality in a nationally representative sample. JAMA. 1989;262(9):1191-5.
7. McGee R, Williams S, Elwood M. Depression and the development of câncer: a meta-analysis. Soc Sci Med.1994;38(1):187-92.
8. Spiegel D. Cancer and depression. Br J Psychiatry Suppl. 1996;168(suppl.30):109-16.
9. Pasacreta JV. Depressive phenomena, physical symptom distress, and functional status among women with breast cancer. Nurs Res. 1997;46(4):214-21.
10. Zoahar D. O ser quântico. São Paulo:Best Seller;1990.
11. D´Assumpção EA. Os que partem, os que ficam. 7a ed Petrópolis:Vozes;2001.
Titular-Senior da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Presidente da Academia Mineira de Medicina
Correspondência para:
Evaldo A. D'Assumpção
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Trabalho realizado na CIRPLAST - Clínica de Cirurgia Plástica Dr. Evaldo D'Assumpção, Belo Horizonte, MG.
Artigo recebido: 09/06/2006
Artigo aprovado: 12/07/2006
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