INTRODUÇÃO
A paralisia facial é uma afecção produzida pelo comprometimento do nervo facial
em qualquer ponto do seu trajeto. A restauração da mímica facial pode ser
realizada mediante várias técnicas. O nervo massetérico é utilizado como
transferência nervosa na cirurgia de reanimação facial no tratamento da
paralisia facial, com bons resultados funcionais e estéticos1, especialmente quando a
transferência é realizada com o fim de reinervar os músculos bucais.
Consequentemente, a continência oral e a expressão facial são permitidas,
melhorando assim a qualidade de vida dos pacientes. A transferência do nervo
massetérico pode ser total ou parcial, esta última como procedimento
“baby sitting”, tendo o propósito de manter a viabilidade
muscular durante o processo de regeneração axonal de enxertos transfaciais do
nervo facial2. O nervo facial
contralateral utilizado como enxerto transfacial exige um período de 9 a 12
meses para que os axônios migrem através do enxerto, levando os músculos faciais
paralisados durante esse tempo à atrofia. Empregar o nervo massetérico como
transferência nervosa parcial mantém a viabilidade do enxerto transfacial.
A inervação do músculo masseter depende do ramo mandibular do quinto nervo
craniano (nervo trigêmeo). O nervo mandibular sai da fossa craniana média
através do forame oval para a região infratemporal, onde se divide em um tronco
anterior e um tronco posterior. Do tronco anterior origina-se do nervo
temporomassetérico, do qual surge o nervo massetérico. O nervo massetérico
emerge em direção à região massetérica, passando pela incisura mandibular,
abaixo da arcada zigomática, atingindo a face profunda do músculo
masseter3,4.
A utilização do nervo massetérico como transferência nervosa produz um déficit
motor mastigatório mínimo no músculo masseter, já que este músculo apresenta
ramos proximais do ramo descendente do nervo massetérico. Estes permitem que
o
músculo masseter mantenha sua função mastigatória quando o ramo dominante é
utilizado como transferência nervosa, da mesma forma que o sinergismo entre o
músculo masseter e o músculo temporal durante a mastigação4.
Portanto, a identificação do nervo massetérico é essencial para a realização
desta técnica, para a qual foi realizado um estudo anatomotopográfico da
abordagem deste nervo, aplicado à cirurgia de reinervação facial.
OBJETIVO
Estudar a anatomia topográfica da abordagem do nervo massetérico, especificando
as variações em suas relações com estruturas vizinhas, assim como no seu trajeto
e terminação, para obter uma rápida abordagem e dissecção do nervo
massetérico.
MÉTODO
Foram dissecadas 15 regiões massetéricas de cadáveres adultos fixados em
formaldeído. Material de dissecção foi utilizado para abordagem das peças
anatômicas, bem como equipamento fotográfico, paquímetro digital para tirar as
medidas e uso do software Microsoft Windows Excel para coleta e
processamento de dados (Figura 1).
Figura 1 - Abordagem pré-auricular semelhante a abordagem de
facelift em plano sob sistema músculo
aponeurótico superficial (SMAS).
Figura 1 - Abordagem pré-auricular semelhante a abordagem de
facelift em plano sob sistema músculo
aponeurótico superficial (SMAS).
Foi realizada uma abordagem pré-auricular semelhante à abordagem de
facelift em plano sob sistema músculo aponeurótico
superficial (SMAS) (Figura 2). A incisão
foi feita em pele sobre o triângulo subzigomático entre o arco zigomático, o
côndilo mandibular e a borda posterior do fascículo superficial do músculo
masseter (Figura 3). O pedículo massetérico
foi dissecado desde a borda inferior do arco zigomático até sua entrada entre
os
fascículos meio e profundo do músculo masseter (Figura 4). Foram identificados o nervo massetérico e os vasos
massetéricos. Além disso, mediu-se o comprimento do arco zigomático e
identificou-se o ponto de emergência do nervo masseter em relação a ele,
dividindo-o em três terços (anterior, médio e posterior) (Quadro 1).
Quadro 1 - Comprimento do arco zigomático identificando-se o ponto de emergência
do nervo masseter em relação a ele, dividindo-o em três terços (anterior
médio e posterior).
|
Lado do cadáver |
Comprimento do arco zigomático (mm) |
Relação com 1/3 da arcada zigomática |
Distância da borda inferior da arcada - ponto de
emergência na incisura zigomática (mm)
|
Distância do côndilo - emergência na incisura
zigomática (mm)
|
Com primento (mm) |
Largura no setor terminal (mm) |
Relacionament o com A. e V. massetéricas |
1 |
Esquerdo |
34,76 |
Posterior |
2,34 |
4,63 |
25,74 |
1,17 |
Superficial |
2 |
Esquerdo |
39,53 |
Posterior |
10,19 |
11,44 |
20,83 |
1,14 |
Profundo |
3 |
Esquerdo |
44 |
Posterior |
9 |
15,05 |
21,1 |
0,9 |
Profundo |
4 |
Direito |
51,4 |
Posterior |
10,4 |
12,33 |
12,8 |
1,5 |
Superficial |
5 |
Direito |
41,96 |
Médio |
12,41 |
27,91 |
19,7 |
0,58 |
Superficial |
6 |
Direito |
42,06 |
Anterior |
7,89 |
35,43 |
16,34 |
1,12 |
Profundo |
7 |
Esquerdo |
33,36 |
Posterior |
6,43 |
14,7 |
33,21 |
2,12 |
Profundo |
8 |
Direito |
53,26 |
Médio |
16,86 |
21,41 |
21,47 |
3,36 |
Profundo |
9 |
Esquerdo |
25,83 |
Posterior |
8,78 |
16,75 |
13,41 |
1,1 |
Superficial |
10 |
Esquerdo |
37,34 |
Posterior |
6,1 |
11,94 |
14,04 |
1,75 |
Superficial |
11 |
Direito |
49,54 |
Posterior |
14,7 |
14,22 |
8,5 |
1,51 |
Superficial |
12 |
Direito |
28,93 |
Posterior |
11,15 |
8,34 |
11,7 |
1,59 |
Superficial |
13 |
Esquerdo |
31,55 |
Posterior |
5,31 |
15,64 |
11,52 |
0,9 |
Superficial |
14 |
Esquerdo |
42,26 |
Posterior |
9,62 |
5,11 |
23,31 |
2,38 |
Profundo |
15 |
Direito |
50,45 |
Posterior |
1,9 |
5,4 |
18,6 |
1,9 |
Profundo |
Quadro 1 - Comprimento do arco zigomático identificando-se o ponto de emergência
do nervo masseter em relação a ele, dividindo-o em três terços (anterior
médio e posterior).
Figura 2 - Triângulo subzigomático entre o arco zigomático, o côndilo
mandibular e a borda posterior do fascículo superficial do músculo
masseter.
Figura 2 - Triângulo subzigomático entre o arco zigomático, o côndilo
mandibular e a borda posterior do fascículo superficial do músculo
masseter.
Figura 3 - Pedículo massetérico dissecado desde a borda inferior do arco
zigomático até sua entrada entre os fascículos meio e profundo do
músculo masseter.
Figura 3 - Pedículo massetérico dissecado desde a borda inferior do arco
zigomático até sua entrada entre os fascículos meio e profundo do
músculo masseter.
Figura 4 - Emergência do nervo masseter em relação a ele, dividindo-o em
três terços (anterior médio e posterior).
Figura 4 - Emergência do nervo masseter em relação a ele, dividindo-o em
três terços (anterior médio e posterior).
Também foi verificada a relação do nervo massetérico com os vasos massetéricos.
Mediu-se a distância do curso do nervo massetérico, desde sua emergência debaixo
da arcada zigomática até sua terminação. Logo, foi mensurada a distância entre
o
côndilo mandibular e o ponto de emergência do nervo massetérico debaixo da
arcada zigomática. Por último, foi medida a distância entre a origem do nervo
massetérico e a borda inferior da arcada zigomática (Figura 4).
RESULTADOS
O comprimento da arcada zigomática apresentou uma variação entre 53,3mm e 25,8mm,
com um comprimento médio de 40,4mm e uma mediana de 42,0mm.
A emergência do nervo massetérico foi abaixo do terço posterior da arcada
zigomática em 80% dos casos, abaixo do terço médio em 13% e abaixo do terço
anterior em 7%.
A distância entre a borda inferior da arcada zigomática e a emergência do nervo
massetérico debaixo dela variou de 16,9mm a 1,9mm, com média de 8,9mm e uma
mediana de 9,0mm. A distância entre o côndilo mandibular e o ponto de emergência
do nervo massetérico abaixo da arcada zigomática variou de 35,4mm a 4,6mm, com
média de 14,7mm e uma mediana de 14,2mm.
Em 53% dos casos o nervo massetérico foi encontrado superficialmente aos vasos
massetéricos, enquanto em 47% foi encontrado profundamente aos vasos
massetéricos.
O comprimento do trajeto do nervo massetérico desde sua origem sob a arcada
zigomática até sua terminação apresentou uma variação 33,2mm a 8,5mm, com média
de 18,2mm e uma mediana de 18,6mm.
A largura do nervo ao nível da sua terminação apresentou uma variação de 3,4mm a
0,6mm, com média de 1,5mm e uma mediana de 1,5mm.
DISCUSSÃO
Para topografar o nervo massetérico, foram utilizadas duas referências anatômicas
palpáveis na superfície, o côndilo mandibular e a borda inferior da arcada
zigomática. Estes apresentam pouca variabilidade e sua anatomia não é distorcida
durante o ato cirúrgico. Collar et al.1 propõem o triângulo subzigomático para topografia do
nervo massetérico. Tal triângulo é delimitado pela arcada zigomática, uma linha
vertical que passa pelo côndilo mandibular e pelo ramo frontal do nervo facial,
sendo uma região questionável para a dissecação do nervo massetérico devido à
presença de uma estrutura de anatomia variável como o ramo frontal do nervo
facial.
Utilizando o côndilo mandibular, a borda inferior da arcada zigomática e a borda
posterior do músculo masseter, um triângulo com limites mais precisos pode ser
determinado para topografar o nervo massetérico, reforçando uma ferramenta mais
precisa para a cirurgia de reanimação facial com transferência nervosa do
referido nervo.
CONCLUSÃO
Relações anatômicas confiáveis foram determinadas para a identificação do nervo
massetérico durante a cirurgia de transferência massetérico-facial. Pode ser
identificado em uma área entre a arcada zigomática, músculo masseter e côndilo
mandibular.
REFERENCES
1. Collar RM, Bryne PJ, Boahene KDO. The subzygomatic triangle: rapid,
minimally invasive identification of the masseteric nerve for facial
reanimation. Plast Reconstr Surg. 2013 Jul;132(1):183-8. DOI:
10.1097/PRS.0b013e318290f6dc
2. Rodriguez ED, Neligan PC. Plastic surgery: Volume 3: Craniofacial,
head and neck surgery and pediatric plastic surgery. 4th ed.
Philadelphia; Elsevier; 2017.
3. Kaya B, Apayadin N, Loukas M, Tubbs RS. The topographic anatomy of
the masseteric nerve: A cadaveric study with an emphasis on the effective zone
of botulinum toxin A injections in masseter. J Plast Reconstr Aesthet Surg.
2014;67(12):1663-8. DOI: 10.1016/j.bjps.2014.07.043
4. Cotrufo S, Hart A, Payne AP, Sjogren A, Lorenzo A, Morley S.
Topographic anatomy of the nerve to masseter: an anatomical and clinical study.
J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2011;64(11):1424-9. DOI:
10.1016/j.bjps.2011.05.026
1. Facultad de Medicina Universidad de la
Republica, Departamento de Anatomía, Montevideo, Montevideo,
Uruguai
2. Facultad de Medicina Universidad de la
República, Cátedra de Cirugía Plástica Reparadora y Estética Hospital de
Clínicas, Montevideo, Montevideo, Uruguai
Joaquín Calisto Tacuarembó
1429/315, Montevideu, Uruguai, E-mail: joaquin.calisto@gmail.com
Article received: August 06, 2023.
Article accepted: July 26, 2024.
Conflitos de interesse: não há.