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Case Report - Year2024 - Volume39 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2024RBCP0912-PT

RESUMO

Síndrome da banda amniótica (SBA) é definida por uma condição em que ocorre uma constrição corioamniótica em partes fetais, causando cicatrizes congênitas. Mais comumente, acomete os membros superiores e inferiores, podendo causar restrição do crescimento da região afetada. Pode, ainda, resultar em amputações intrauterinas, linfedema, pé torto congênito, sindactilias e morte. A estratificação da condição é dada pela escala de Patterson, que leva em consideração a formação anelar e sua consequência para a parte acometida. O objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma paciente feminina advinda de gestação com intercorrências que sofreu acometimento do membro inferior esquerdo pela SBA. A cicatriz causava restrição de crescimento, sendo preciso proceder ao tratamento cirúrgico de reparo. Optou-se pela abordagem de dablioplastia, de modo que, no pós-operatório imediato e tardio, a retração cicatricial foi devidamente corrigida, sem sinais de deiscência ou de inflamação da região.

Palavras-chave: Anormalidades congênitas; Cicatriz; Criança; Relatos de casos; Procedimentos de cirurgia plástica.

ABSTRACT

Amniotic band syndrome (ABS) is defined as a condition in which chorioamniotic constriction occurs in fetal parts, causing congenital scars. Most commonly, it affects the upper and lower limbs and can cause growth restriction in the affected region. It can also result in intrauterine amputations, lymphedema, congenital clubfoot, syndactyly, and death. The stratification of the condition is given by the Patterson scale, which takes into account the ring formation and its consequences for the affected part. The objective of this work is to report the case of a female patient following an uneventful pregnancy who suffered involvement of the left lower limb by ABS. The scar caused growth restriction, requiring surgical repair treatment. We opted for the Wplasty approach, so that, in the immediate and late postoperative period, the scar retraction was properly corrected, without signs of dehiscence or inflammation in the region.

Keywords: Congenital abnormalities; Cicatrix; Child; Case reports; Plastic surgery procedures.


INTRODUÇÃO

A síndrome da banda amniótica (SBA) compreende uma vasta gama de alterações congênitas atribuídas à constrição de partes fetais em anéis corioamnióticos fibrosos. Sua incidência é estimada entre 1:1200 a 1:15000 nascidos vivos1.

Com a finalidade de esclarecer a etiologia dessa síndrome, diversas teorias surgiram. Inicialmente, em 1930, Streeter apresentou a teoria endógena, em que defeitos no plasma germinativo com rotura vascular difusa e alteração morfogenética corioamniótica resultam na formação de bandas fibróticas e anormalidades de desenvolvimento fetal. Em 1968, Torpin2 propôs a teoria exógena, na qual a rotura do âmnio anterior à 12ª semana ocorrida por fatores exógenos proporcionaria o contato direto do feto com a superfície coriônica, com consequente oligodrâmnio após extravasamento do fluido amniótico e fácil protrusão através da rotura. Assim, favorecendo a formação de bandas fibrosas amnióticas na porção rompida, que comprometem o desenvolvimento das estruturas envolvidas distalmente à banda3, 4.

As duas teorias explicam a presença de malformações de membros, parede abdominal, órgãos internos e craniofacial5. As constrições podem resultar em grande sintomatologia, desde linfedema, amputações intrauterinas, sindactilias, pé torto congênito e morte1. Não são conhecidos fatores que possuem associações estatisticamente comprovadas com a SBA. Algumas condições que estão relacionadas, mas não são estatisticamente significantes, incluem: primíparas, idade menor que 25 anos, colagenopatias, traumas decorrentes de tentativas de aborto, índices glicêmicos anormais e prematuridade6, 7.

Patterson enumerou os critérios diagnósticos a partir da sintomatologia em ordem de gravidade crescente como forma de estratificar as sintomatologias da seguinte maneira: 1) anéis de constrição simples com extremidade normal distal ao anel; 2) anel com atrofia e linfedema distais; 3) anel com sindactilia nas extremidades afetadas; 4) anel que provoca amputação1, 8.

OBJETIVO

Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo relatar um caso de uma cicatriz congênita circunferencial em membro inferior devido à síndrome da banda amniótica em uma paciente do sexo feminino de 2 anos de idade detalhando a terapia utilizada, além de proceder a uma revisão de literatura pormenorizando a abordagem cirúrgica dessa síndrome, assim, podendo auxiliar a conduta clínica e o prognóstico de futuros casos relacionados à SBA.

MÉTODO

Trata-se de um estudo documental e retrospectivo, realizado a partir da busca ativa de prontuário de uma paciente diagnosticada com SBA no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), na cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. O hospital é uma unidade que presta assistência de alta complexidade à saúde, além de ser referência para a formação de recursos humanos e o desenvolvimento de pesquisas na área da saúde. Oferece apoio para a rede terciária de assistência do estado do Ceará, atendendo pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Foi realizada a coleta das informações relevantes mediante a avaliação do prontuário da paciente.

Em relação aos aspectos éticos, o presente projeto, por se tratar de uma pesquisa com seres humanos, foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa do HUWC de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Todos os preceitos éticos estabelecidos serão respeitados no que se refere a zelar pela legitimidade das informações, preservação do anonimato, privacidade e sigilo das informações retiradas do prontuário do paciente.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 2 anos de idade, oriunda de uma gestação gemelar com síndrome de transfusão feto-fetal descoberta na 17º semana de gravidez. Após uma semana, realizou-se fetoscopia intrauterina para correção da síndrome; contudo, o segundo feto veio a óbito nesta ocasião. Nascida de parto cesariano prematuro (26 semanas de gestação), com sofrimento fetal e pesando 635g (pequeno para a idade gestacional - PIG).

Foi intubada logo após o nascimento devido à imaturidade de seu sistema respiratório, necessitando de três doses de surfactante - a primeira com 40 minutos de vida. Nesse contexto, permaneceu internada em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por 93 dias, sendo 57 dias em ventilação mecânica. Durante a internação, evoluiu com enterocolite necrosante, estágio IIIb, carecendo de laparotomia exploratória com confecção de ileostomia.

Ademais, apresentou ainda durante o internamento hospitalar: infecções neonatais precoces e tardias, infecção fúngica, pneumonia bacteriana e hemorragia peri-intraventricular (HPIV) grau I, além de um episódio convulsivo que cessou com uso de fenobarbital. Recebeu alta hospitalar após 3 meses e 28 dias do seu nascimento, clinicamente estável.

Aos 7 meses de vida, foi diagnosticada com cicatriz de banda amniótica em membro inferior esquerdo, precisamente em região da panturrilha ipsilateral, a qual causava constrição importante do membro, comprometendo seu crescimento e desenvolvimento fisiológicos (Figura 1). Destarte, foi indicada a correção cirúrgica, sendo encaminhada para o serviço de cirurgia plástica.

Figura 1 - Cicatriz circunferencial decorrente de banda amniótica em membro inferior.

Realizou-se o procedimento de correção de retração cicatricial na região acometida, por meio de dablioplastia com paciente sob anestesia geral, em 8 de agosto de 2022 (Figura 2). Foi realizada a infiltração de anestésico com epinefrina, seguida da infusão e do descolamento da área retraída. Prosseguiu-se com incisões para o relaxamento da fáscia, bem como com inspeção hemostática rigorosa. Procedeu-se com o fechamento em planos.

Figura 2 - Ferida intraoperatória da abordagem zetaplastia em “W”.

No pós-operatório (PO) imediato, a paciente evoluiu com ferida operatória íntegra, sem tensão no membro e com a região distal à ferida bem perfundida (Figura 3). Recebeu alta hospitalar no 1º dia do PO, sem queixas, sendo orientado retorno ambulatorial após três dias.

Figura 3 - Ferida pós-operatória imediata, sem tensão e com boa perfusão distal ao sítio abordado.

Na ocasião do retorno, a ferida operatória estava sem sinais inflamatórios, sem deiscência e com bordos bem coaptados não tensionados (Figura 4). A segunda avaliação, no 18º dia de pós-operatório, constatou aspecto ideal da ferida, bem como a tensão normal preservada. Foi realizada a retirada dos pontos e prosseguimento ambulatorial (Figura 5).

Figura 4 - Ferida no 3º dia de pós-operatório, bem coaptada e sem deiscência.

Figura 5 - Ferida no 18º dia de pós-operatório, com tensão preservada e aspecto adequado.

DISCUSSÃO

Sendo um acometimento congênito raro, a maioria da literatura acerca da síndrome de banda amniótica (SBA) ainda é composta por relatos de casos, com uma menor diversidade na abordagem teórica dessa afecção9, 10.

A respeito das terapêuticas reconhecidas, a possibilidade de tratamento cirúrgico depende fortemente da topografia e funcionalidade do órgão acometido. A presença de deformidade perceptível com ou sem linfedema indica a intervenção cirúrgica. A abordagem pode ser realizada entre 3 meses e 2 anos de idade, a menos que haja possibilidade de acometimento neurovascular ou linfedema significativos. Isso não contraindica a realização da liberação posteriormente, mas os resultados em relação ao crescimento do membro são potencializados quando a intervenção é precoce11, 12.

A constrição de membro inferior associado a pé torto é a deformidade mais prevalente no Brasil, seguida do acometimento de membros superiores9, 11. Entretanto, a epidemiologia diverge em relação a artigos internacionais, que definem membros superiores como a área mais acometida, com destaque para os quirodáctilos7, 13.

Dentre as deformidades anatomofuncionais que podem estar incluídas no rol de consequências da SBA, Drury & Rayan13 elencaram: constrição parcial de membro, banda de constrição completa, amputação intrauterina, acrossindactilia fenestrada, sindactilia parcial, crescimento ósseo em sítio de amputação intrauterina, espaço interdigital deficiente, linfedema, remanescentes de dígitos, implantação ectópica de dedos amputados em outra parte do corpo, contratura de articulação interfalangeana proximal, compressão de nervos, ruptura completa de nervo, dentre outras.

Nessa perspectiva, há indicações desde ressecção da brida, com dissecção profunda e liberação do feixe neurovascular, reconstrução de retalhos por zetaplastia, dablioplastia e até, nos casos mais graves, a amputação de membros acometidos. Quando o membro superior ou inferior é acometido isoladamente, a liberação das estruturas retraídas com posterior zetaplastia, única ou múltipla, possui alto potencial de bom prognóstico, sendo os procedimentos únicos com menos relatos de complicação.

Ainda, a bibliografia aponta que a abordagem por dablioplastias, apesar de não ter um número expressivo na prática, é vista como uma técnica segura e com resultados satisfatórios no pós-operatório. Nos casos de membros inferiores associados ao acometimento dos pés, o tratamento cirúrgico em dois tempos sequenciados é preconizado9.

No caso, a paciente se beneficiou da terapia de dablioplastia em apenas um tempo cirúrgico, uma vez que a constrição era isolada na panturrilha esquerda, e, apesar de ter havido atraso de crescimento, não havia tortuosidade ou deformidade nos pés. Segundo análise da literatura, a abordagem em um tempo cirúrgico não foi responsável por aumento de complicações isquêmicas ou evolução com congestão venosa12.

Entretanto, a discussão acerca da realização da abordagem das bridas constritivas circunferenciais em um ou mais tempos cirúrgicos permanece frutífera. A questão discutida envolve a personalização do tratamento, necessária a partir do grande número de possibilidades de deformidades decorrentes da banda amniótica. Ressalta-se a importância do planejamento cirúrgico para obtenção do melhor resultado possível dentro de aspectos estéticos e funcionais da criança7.

Deve-se analisar quais as estruturas acometidas, se há linfedema, qual o impacto no crescimento do membro, dentre outros fatores. A abordagem em dois ou mais tempos cirúrgicos pode ser preferível em casos de associação de múltiplas deformidades (que dificultariam a abordagem em apenas uma ocasião), distúrbio de circulação sanguínea ou linfática do segmento distal, necessidade de acomodação de crescimento, e em pacientes que têm tendência a pior cicatrização (pois abordagens mais ostensivas podem acarretar maiores riscos quanto a essa questão)11, 12, 14.

Em qualquer um desses casos, a mobilização de um flap de tecido adiposo pode melhorar a estética do reparo na área da constrição. Após a excisão da pele ao redor da banda, pode haver uma deformidade em formato de ampulheta do membro acometido, de modo que, mesmo após resolução da constrição, o paciente permanece com prejuízo estético. Uma forma de minimizar essa questão é excisionar o tecido adiposo em excesso das áreas circundantes11.

Optou-se pela realização de uma incisão e descolamento da área de retração, seguida de um relaxamento da fáscia local por outra incisão, finalizando com fechamento em planos. No pós-operatório a paciente evoluiu sem queixas e sangramentos. À ectoscopia, a ferida estava bem coaptada, sem tensão ou áreas de deiscência e com perfusão adequada. Recebeu alta hospitalar e com retorno agendado para acompanhamento ambulatorial.

CONCLUSÃO

Por ser uma malformação de natureza disruptiva, a síndrome da banda amniótica compromete a vida do feto e altera seu desenvolvimento, podendo causar desde a amputação de um ou mais membros até a morte fetal. Logo, o diagnóstico precoce é de suma importância para que haja escolha da melhor conduta, podendo esta ser auxiliada pela aplicação da classificação de Patterson8, e devendo ter como ponto principal a preservação da funcionalidade dos membros acometidos, visando melhorar o prognóstico do paciente.

Salienta-se que estabelecer uma boa relação médico-paciente com os pais é de extrema relevância para tranquilizá-los tanto sobre a gestação quanto sobre o desenvolvimento da criança. Outrossim, é fundamental que haja um tratamento multidisciplinar, com o intuito de obter melhores resultados a longo prazo, sejam estes funcionais ou estéticos.

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1. Hospital Universitário Walter Cantídio, Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva, Fortaleza, CE, Brasil
2. Universidade de Fortaleza, Curso de Medicina, Fortaleza, CE, Brasil

Autor correspondente: Isabela Franco Freire Av. Engenheiro Santana Júnior, 2937, apto 202, Cocó, Fortaleza, CE, Brasil. CEP: 60192-205. E-mail: isabelafrancofreire@edu.unifor.br

Artigo submetido: 15/12/2023.
Artigo aceito: 27/07/2024.

Conflitos de interesse: não há.

 

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