INTRODUÇÃO
O câncer de mama, com exceção dos tumores de pele não melanoma, é a principal causa
de neoplasia em mulheres no Brasil, em grande parte do mundo e, também, o que apresenta
maior letalidade. Portanto, trata-se de um problema de saúde pública1.
Estimativas revelam que, no biênio 2020-2022, haveria incidência de 66.280 novos casos,
correspondendo a 29,7% dos cânceres em mulheres, sendo a sobrevida e prognóstico intimamente
relacionados ao acesso ao sistema de saúde, diagnóstico precoce e tratamento adequado1.
O tratamento baseia-se em terapias locais (cirurgia e radioterapia) e terapias sistêmicas
(quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica)2. A aplicação da reconstrução mamária imediata está cada vez mais indicada, tendo
em vista o avanço da adenomastectomia poupando-se o envelope cutâneo total ou parcial
(nipple sparing ou skin sparing, respectivamente), o que garante pele de melhor qualidade e quantidade para as reconstruções
com próteses ou mesmo com tecido autólogo, no mesmo tempo cirúrgico. Desse modo, atualmente,
o restabelecimento da forma, contorno e volume da mama concomitante à mastectomia
é uma realidade, bem como ponto chave na recuperação psicológica e da qualidade de
vida, mesmo que parcial, diante da doença3,4.
Os procedimentos mais aplicados na reconstrução mamária utilizam-se de implantes e/ou
tecido autólogo. Estes são o retalho miocutâneo pediculado do grande dorsal (GD),
retalho miocutâneo transverso do músculo reto abdominal (TRAM), retalho muscular local
(RL) e o uso de materiais aloplásticos (expansores e próteses de silicone). Embora
saibamos os benefícios em suas aplicabilidades na reconstrução mamária imediata, estas
técnicas não são isentas de complicações como seromas, hematomas, infecção de ferida
operatória, necrose de retalho, extrusão de prótese e contratura capsular. E, por
vezes, estão relacionadas a comorbidades como tabagismo, técnica operatória na adenomastectomia
(especialmente ao cuidado em relação à espessura e à regularidade do retalho cutâneo),
expertise da equipe envolvida na reconstrução mamária e aplicação de radioterapia
e quimioterapia5,6.
OBJETIVO
O presente trabalho visa demonstrar a experiência da equipe na reconstrução mamária
pós-mastectomia com prótese ou com tecido autólogo acrescido ou não de implante mamário,
discutir técnicas operatórias e complicações em relação aos dados da literatura mundial
para, por fim, verificar a aplicabilidade da técnica na prática clínica da equipe.
MÉTODO
Foram analisados, por meio de revisão retrospectiva de prontuários, 791 pacientes
mulheres submetidas a mastectomia com reconstrução mamária imediata ou tardia de janeiro
de 2010 a junho de 2020. O projeto teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
(número do parecer 5.660.021). Foram usadas as técnicas de TRAM, GD, RL (serrátil
anterior e peitoral maior), expansor, expansor reverso, oncoplástica, retalho fasciocutâneo
torácico lateral (Hölmstrom) e reconstrução com implante pré-peitoral, técnicas estas
associadas ou não a implantes de silicone. Quando usados, os implantes mamários eram
de formato natural ou redondo, projeção alta ou extra-alta e com superfície texturizada.
A técnica de reconstrução aplicada foi decidida em conjunto com as pacientes e mediante
análise de alguns fatores. Pacientes submetidas a mastectomia radical modificada com
abdome doador, não tabagistas e sem cicatriz abdominal impeditiva eram candidatas
a reconstrução com TRAM. Pacientes sem estas condições e com intenção de engravidar
eram selecionadas a reconstrução com GD. E aquelas que solicitaram cirurgia de menor
porte ou com comorbidades importantes como pneumopatias e cardiopatias foram indicados
RL ou retalho de Hölmstrom.
Nos casos das pacientes submetidas a mastectomia skin sparing ou nipple sparing, com preservação total ou parcial do envelope cutâneo, optou-se pela reconstrução
com prótese pré-peitoral, desde que o retalho cutâneo tivesse espessura que permitisse.
Quando o retalho estava excessivamente fino, optou-se pela utilização do implante
em conjunto com RL ou expansor cutâneo parcialmente preenchido durante a cirurgia.
Além disso, alguns casos receberam expansor cutâneo para cirurgias de resgate e para
reconstruções tardias, em pacientes que não dispunham de área doadora ou não desejavam
outra técnica.
Foram analisados fatores como idade, lateralidade, comorbidades, tabagismo, técnica
da mastectomia, tipos de incisões, momento da reconstrução (imediata ou tardia), complicações
(seroma, hematoma, infecção, necrose, deiscência e exposição de prótese) e necessidade
de segunda cirurgia (troca de tamanho da prótese, reconstrução do complexo areolopapilar
- CAP, simetrização de mama contralateral, lipoenxertia, capsulotomia ou capsulectomia).
RESULTADOS
O número de pacientes operadas no período foi de 791 casos, entre 27 e 79 anos, com
média de 51 anos de idade, tempo de acompanhamento variando entre cinco meses e dez
anos e 11 meses, o que correspondeu a um total de 860 mamas reconstruídas; 356 abordagens
em mama direita, 360 em mama esquerda e 72 casos bilaterais (Figura 1), 84% reconstruções imediatas e 16% tardias (Figura 1).
Figura 1 - A: Percentual de lateralidade de mamas operadas; B: Percentual do momento da reconstrução.
Figura 1 - A: Percentual de lateralidade de mamas operadas; B: Percentual do momento da reconstrução.
Quanto à via de acesso ao tecido mamário, foram empregadas 498 incisões do tipo Stewart;
217 incisões inframamárias estendidas; 75 periareolares; 37 T invertido e 33 incisões
em quadrante superior externo. Foram realizadas 498 mastectomias do tipo radical modificada;
244 nipple sparing; 95 skin sparing; 15 mastectomias profiláticas e 8 quadrantectomias.
Em relação à técnica de reconstrução mamária utilizada, 35,7% foram reconstruções
com GD, 25,6% com prótese pré-peitoral, 20,8% por TRAM, 10,9% com RL (serrátil anterior
e peitoral maior), 3,8% com expansor; 2% oncoplástica; e 1,1% de retalho de Hölmstrom
(Figura 2).
Figura 2 - Números de casos por tipo de técnica de reconstrução mamária.
Figura 2 - Números de casos por tipo de técnica de reconstrução mamária.
As técnicas de reconstrução com prótese pré-peitoral, GD, RL e retalho de Hölmstrom
utilizaram-se de prótese de silicone com volume entre 155 e 640ml (média de 351),
85% com perfil natural e 15% redondo.
As principais comorbidades encontradas nas pacientes foram hipertensão, diabetes,
hipotireoidismo, depressão e obesidade. Em 5% das pacientes (44 casos) o tabagismo
era ativo no momento da reconstrução.
Em se tratando de complicações referentes ao uso de implantes, destaca-se a perda
da prótese em 70 pacientes (20 casos por necrose, 25 devido à infecção de seroma pós-quimioterapia
e 25 por deiscência de ferida operatória) e contratura graus II, III e IV de Baker
em 52 casos.
Nas reconstruções do tipo TRAM, houve seis casos de abaulamento abdominal, dois casos
de hérnia abdominal e três casos de seroma em área doadora.
Nas complicações gerais, identificaram-se 45 casos de deiscência de ferida operatória,
32 casos de necrose de pele devido à mastectomia, 30 casos de seroma em área receptora
e 12 casos em área doadora (três quando TRAM e nove quando GD), 27 casos de infecção
de sítio cirúrgico, oito casos de hematoma, dois casos de necrose parcial de retalho
com boa evolução, quatro casos de necrose total do retalho, dois casos de grande liponecrose,
um caso de ruptura de prótese pós-mamografia, três casos de dor crônica e um caso
de paraplegia por hematoma extradural.
Um segundo procedimento cirúrgico foi necessário em 258 pacientes, assim distribuído:
17 trocas de prótese, 51 reconstruções do CAP, 97 simetrizações da mama contralateral,
38 lipoenxertias, 27 capsulotomias ou capsulectomias, dez reposicionamentos de prótese
e 18 cirurgias redutoras de risco contralateral.
A longo prazo, 20 pacientes apresentaram recidivas tumorais, dez pacientes desenvolveram
um segundo tumor primário na mama contralateral, 16 pacientes apresentaram metástases,
cinco pacientes foram submetidas a reconstruções de resgate com expansor após perda
da prótese e três pacientes necessitaram de colocação de nova prótese.
DISCUSSÃO
A reconstrução mamária atualmente não se restringe apenas ao conceito de reconstrução
do cone mamário. A naturalidade e semelhança em relação à mama contralateral são altamente
valorizados pela equipe e pela paciente e, neste contexto, os avanços nas técnicas
e nos materiais aloplásticos, quando utilizados, auxiliam nos resultados3,7,8.
No presente trabalho, o percentual de reconstruções imediatas (84%) está de acordo
com a preferência atual em se aplicar a reconstrução mamária imediata à adenomastectomia
e o uso de implantes cresceu na mesma proporção. Estudos mostram que 80% das reconstruções
são imediatas com prótese9,10. Embora seja considerada segura, efetiva, confiável e poder ser usada especialmente
em mulheres com diversas comorbidades, altas taxas de complicações (contratura capsular
e infecção) com o uso das próteses são vistas, principalmente se seguida de radioterapia9. Em nossa casuística de 10 anos, a taxa de perda prótese (8%) está de acordo com
os valores encontrados na literatura (7% - 9%), enquanto as taxas de seroma e contraturas
capsulares são consideravelmente menores (6% e 5% contra 12 - 21% e 19% respectivamente)6.
Metanálises de Toh et al.11 e Gurrado et al.10 mostraram não haver significância estatística entre as taxas de infecção, seroma,
hematoma e de contratura capsular entre a reconstrução imediata com prótese e reconstrução
em dois tempos expansor-prótese. Porém, a incidência de necrose, reoperação e perda
da prótese foram maiores nas reconstruções imediatas com próteses.
Em análise retrospectiva de dez anos, Mak & Kwong5 coletaram dados de 243 pacientes submetidas a reconstruções mamárias imediatas autólogas
e com prótese com seguimento próximo a dois anos. Pacientes submetidas a reconstrução
autóloga apresentaram menores taxas de complicações (24,4%) do que aquelas submetidas
a reconstrução com prótese (50%). Dentre as complicações mais relevantes, destaca-se
o abaulamento e hérnia abdominal (9,1%). Já no presente estudo, a deiscência de sítio
cirúrgico foi a principal complicação desse tipo de reconstrução (5,2% dos casos operados).
Uma grande vantagem da reconstrução com tecido autólogo é que os prejuízos estéticos
na mama são menores após a radioterapia3,4. Nos casos em que a reconstrução mamária imediata é indicada, apesar da certeza da
radioterapia adjuvante, as opções de reconstrução devem ser baseadas em características
do tecido e suprimento sanguíneo e as opções de reconstrução com tecido autólogo devem
ter prioridade por refletir superior vascularização, resistência à radiação, melhor
recuperação sensorial e menores taxas de falha4,6,8. Todavia, fatores como expertise da equipe, melhora no alvo da mama irradiada e espessura
do retalho de pele na mastectomia influenciam diretamente estes resultados4,8.
CONCLUSÃO
A reconstrução de mama com material aloplástico ou com tecido autólogo acrescido ou
não de implante mamário é ferramenta indispensável para a recuperação física e emocional
da mulher. E, mediante bom preparo da equipe, as técnicas são consistentes, confiáveis,
de baixa morbidade e com ótimos resultados estéticos quando bem indicadas.
REFERÊNCIAS
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(INCA). Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2019.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva
(INCA). A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação.
Rio de Janeiro: INCA; 2019.
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1. Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG,
Brasil
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Juiz de Fora, MG, Brasil
Autor correspondente: Larissa Silva Leitão Daroda Rua Catulo Breviglieri, s/nº, Bairro Santa Catarina, Juiz de Fora, MG, Brasil, CEP:
36036-110, E-mail: larissadaroda@gmail.com
Artigo submetido: 03/07/2023.
Artigo aceito: 05/12/2023.
Conflitos de interesse: não há.