INTRODUÇÃO
O carcinoma basocelular (CBC) de vulva é uma condição rara, pois representa menos
de
0,4% de todos os casos de CBC e de 2% a 4% das neoplasias de vulva. Estima-se
que,
anualmente, ocorram cerca de 6.190 casos no mundo e prevê-se um crescimento de
4,6%
no número de casos a cada 5 anos. A maior prevalência ocorre em mulheres brancas,
multíparas e na pós-menopausa, especialmente na sétima década de vida, sendo,
portanto, a idade avançada um fator de risco, mas pode ocorrer também em pacientes
jovens1,2.
Em relação à apresentação clínica, as lesões podem variar desde pápulas ou placas
solitárias de coloração rósea-avermelhada nos grandes lábios até lesões bilaterais,
múltiplas, e nas fases avançadas ocorre ulceração. Quanto à etiologia, uma vez
que a
região acometida está localizada em uma área protegida da radiação solar,
possivelmente há associação com os seguintes fatores: inflamação crônica, exposição
à radiação ionizante e ao arsênico, imunossupressão, radiação pélvica ou trauma;
ou
seja, danos que não se relacionam com radiação ultravioleta, mas que também podem
gerar mutações. Logo, é importante fazer a pesquisa de condições secundárias como
líquen escleroso, síndrome nevoide e doença de Paget, uma vez que existem casos
documentados na literatura de CBC nestas doenças2.
Os sintomas são inespecíficos e incluem prurido, dor, ulcerações e sangramentos.
Estes fazem parte de um quadro com apresentação clínica tardia e variável, sendo,
pois, fatores que podem atrasar o diagnóstico e o tratamento. O tipo mais comum
é o
nodular, em detrimento de outras variantes mais raras como o superficial, o
infiltrativo e o misto3.
A dermatoscopia apresenta características semelhantes às de outros sítios: ninhos
ovais de coloração cinza-azulada, telangiectasias arborizantes, e estruturas em
formato de folha com áreas claras brilhantes e ulceração4. O tratamento é cirúrgico, mas a recidiva pode
ocorrer devido ao fato de as bordas do tumor não serem facilmente bem delineadas,
dificultando a obtenção de margens cirúrgicas livres e aumentando as chances de
realizar excisões incompletas5,6.
OBJETIVO
O objetivo do estudo foi relatar um caso de CBC de vulva no qual discutiu-se os
aspectos do diagnóstico e tratamento.
RELATO DE CASO
Uma mulher de 63 anos de idade, G1P1A0, apresentou-se ao consultório, em Teresina,
PI, em janeiro de 2022 para tratamento de uma lesão persistente na vulva. Ela
percebeu a presença do nódulo após um pelo encravado persistir em vigência de
depilação no local. Sua história pregressa incluía hipertensão arterial sistêmica
e
uma histerectomia total abdominal, com preservação dos ovários, feita no ano de
2006
devido mioma sintomático e tabagismo há cerca de 30 anos.
O exame ginecológico revelou uma tumoração elevada no terço superior do grande lábio
à esquerda, medindo cerca de 1,0x0,8cm, sem ulceração e bordas levemente
irregulares, além de ausência de linfadenopatia inguinal suspeita ao exame clínico
e
ultrassonográfico (Figura 1).
Figura 1 - Lesão em vulva apresentada pela paciente.
Figura 1 - Lesão em vulva apresentada pela paciente.
Uma ultrassonografia transvaginal e uma vulvoscopia foram indicadas. Identificouse,
respectivamente, pequeno cisto simples no ovário esquerdo e lesão hipercrômica
de
superfície lisa no grande lábio esquerdo, suspeita de neoplasia. O histopatológico
do material da biópsia incisional da lesão (Figura 2) mostrou tratar-se de provável carcinoma basocelular nodular, com
invasão da derme e sem invasão perineural.
Figura 2 - Histopatológico da biópsia incisional (aumento: 100x).
Figura 2 - Histopatológico da biópsia incisional (aumento: 100x).
A paciente submeteu-se a uma ressecção do tumor da vulva com margens macroscópicas
livres e sutura primária. Na cirurgia, não houve complicações e a alta foi obtida
após uma noite após o procedimento. No pós-operatório imediato e tardio, também
não
ocorreram intercorrências, como deiscência e/ou inflamação. O histopatológico
da
peça cirúrgica (Figura 3) mostrou um carcinoma
basocelular nodular com área irregular, plana, branco, medindo 0,7x0,4cm, com
as
margens laterais distando 7,0 e 5,0mm e as profundas, 5,9 mm; todas livres. A
paciente, 14 meses após a cirurgia, encontra-se sem evidência de recorrência local
ou regional.
Figura 3 - Histopatológico da peça cirúrgica (aumento: 400x).
Figura 3 - Histopatológico da peça cirúrgica (aumento: 400x).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do
Piauí (CEPUESPI), Parecer No 4.311.835/2020. A paciente assinou o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para a publicação do caso.
DISCUSSÃO
Atualmente, algumas técnicas como a utilização do dermatoscópio e da microscopia
refletiva confocal estão sendo apontadas como vantagens diagnósticas no contexto
do
CBC. Isso porque proporcionam a visualização de características inerentes ao CBC,
como telangiectasias lineares, veias arborizantes e ninhos de células cinza azuladas
ovais, além de estruturas peroladas7,8. No presente caso,
como a principal suspeita se tratava de neoplasia pela vulvoscopia, optou-se pela
realização da biópsia através de punch. Ressalta-se que, quanto
mais tardio o diagnóstico, maiores as chances de cirurgias mutiladoras que
comprometem a qualidade de vida da paciente.
Ainda segundo validação em série de casos recentes, o local mais afetado pelo CBC
de
vulva são os lábios maiores, em cerca de 90% dos casos, e a média de idade das
mulheres acometidas é de 71,9 anos, sendo a etnia mais afetada a caucasiana. Assim
como o exposto, nossa paciente se encontra dentro do intervalo de idade mais
frequentemente acometido pelo CBC de vulva, e o local afetado foi considerado
o mais
frequente na literatura (grandes lábios), apesar de existirem casos em que a lesão
se localiza no clitóris, no lábio menor, no períneo e no introito vaginal1.
Os sintomas iniciais podem ser somente pruridos ou lesões superficiais inespecíficas,
no entanto, se não for diagnosticada e tratada adequadamente podem evoluir para
ulceração, sangramento e dor, uma vez que o câncer na vulva pode ter um
comportamento mais agressivo do que o de áreas fotoexpostas, com mais invasão
perineural e infiltração local. É válido ressaltar que pacientes com a síndrome
do
nevo basocelular, ou seja, mutação no gene PTCH têm mais propensão
a desenvolver a doença e necessitam de exames de pele regulares como seguimento.
Quanto aos tipos, os CBC mais comuns são os tipos nodulares, seguido pelos
superficiais. Geralmente, não há necessidade de abordagem linfonodal, pois o
acometimento metastático é raro. A linfadenectomia inguinal só é indicada na
presença de metástase linfonodal clinicamente evidente. O CBC é uma entidade de
crescimento indolente e de baixa propensão a metástases. Estudos de imagem são
reservados para casos avançados para avaliar o envolvimento de estruturas adjacentes
e ajudar na programação cirúrgica8.
O diagnóstico é feito por biópsia com auxílio da análise histopatológica por meio
dos
corantes hematoxilina e eosina ou a detecção de marcadores típicos por
imuno-histoquímica, com o CK20 sendo o mais indicado, que não foi realizada em
nosso
caso pelo caráter mais morfológico dos achados, podendo gerar questionamento,
e
sendo mais utilizada com finalidade acadêmica. A apresentação pode confundir com
outras doenças, como psoríase, dermatite, líquen escleroso, neoplasias
intraepiteliais vulvares e doença de Paget1,3.
Com relação ao desenvolvimento do câncer, os genes p53 e
BCL2 estão envolvidos, participando da regulação do ciclo
celular. Já os marcadores ki- 67 e PCNA estão ligados à predisposição ao câncer.
Mutações no P53 podem levar à malignização de lesões preexistentes
e no BCL2 à imortalização da célula. Quanto ao marcador PCNA, não
foi utilizado no nosso caso porque é resguardado para identificar lesões
relacionadas a luz UV, sendo o presente caso localizado em uma área não fotoexposta.
Já o ki-67 confere informação prognóstica sobre o tumor, não sendo utilizado no
nosso caso por se tratar de uma lesão não ulcerada e sem sinais de
gravidade9.
Como tratamento pode ser realizado aplicação tópica de imiquimode a 5%, crioterapia,
curetagem ou excisão local ampla, incluindo também mais recentemente a técnica
de
Mohs, com menores índices de recorrência local associados, um problema mais bem
relacionado com localização, e não com o tamanho da lesão.
É válido ressaltar que não existem guidelines que corroborem a
superioridade de qualquer técnica no tratamento desses tumores e as taxas de
recorrência podem chegar a 20%, apesar de alguns autores sugerirem a abordagem
cirúrgica por excisão com margens livres como efetiva. A terapia sistêmica pode
ser
recomendada em casos de margens positivas, metástases e casos avançados, sendo
o
vismodegib uma excelente opção (inibidor da sinalização HH)6,10.
CONCLUSÃO
O caso relatado de CBC de vulva em mulher na pós-menopausa de 63 anos de idade com
história de lesão vulvar após inflamação crônica do local não fotoexposto é raro,
tendo sido o tratamento realizado por meio de ressecção cirúrgica do tumor com
margens. Em 14 meses de seguimento pós-cirurgia, a paciente encontra-se sem
evidências de recidiva local ou regional.
REFERÊNCIAS
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basal cell carcinoma with Slow-Mohs micrographic surgery A case report. Clin
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10. Choi HY, Roh MS, Park JW. Vulvar Basal Cell Carcinoma in
Postmenopausal Women: Two Case Reports. J Menopausal Med.
2023;29(1):40-3.
1. Universidade Estadual do Piauí, Centro de
Ciências da Saúde, Teresina, Piauí, Brasil
2. Centro Universitário Uninovafapi, Teresina,
Piauí, Brasil
3. Medimagem, Teresina, Piauí,
Brasil
4. Oncocenter, Teresina, Piauí,
Brasil
Autor correspondente: Rafael Everton Assunção Ribeiro da
Costa Rua Olavo Bilac 2335, Centro (Sul), Teresina, PI, Brasil. CEP:
64001-280, E-mail: rafaelearcosta@gmail.com
Artigo submetido: 18/09/2023.
Artigo aceito: 05/12/2023.
Conflitos de interesse: não há.