INTRODUÇÃO
Os arcos branquiais são os precursores embriológicos da face, pescoço e faringe e
as
anomalias que os acometem são a segunda lesão congênita mais comum de cabeça e
pescoço em crianças, sendo divididas em 4 grupos: as do primeiro, segundo, terceiro
e quarto arco branquial, dependendo de sua localização1. As anomalias do segundo arco branquial são as mais
prevalentes e correspondem a 95% das alterações encontradas no aparato
branquial.
As deformidades dos arcos branquiais podem se apresentar como cistos, tratos
sinusais, fístulas ou remanescentes cartilaginosos2. No caso dos cistos de arcos branquiais (BCC),
ocorrem usualmente em crianças mais velhas e adultos jovens, enquanto as fístulas
estão presentes em lactentes ou crianças menores. No caso descrito, a paciente
apresentou o cisto aos 24 anos.
Os BCC podem ser assintomáticos, apenas percebidos incidentalmente, e não se
apresentar até a idade adulta, ou se manifestar por meio de sintomas inespecíficos,
incluindo edema na região do pescoço ou infecções recorrentes1. O diagnóstico normalmente é feito
com o exame clínico e o auxílio de imagem. O tratamento é cirúrgico, com a excisão
completa da lesão, usualmente por meio de uma incisão cervical transversa e
cuidadosa dissecação das estruturas, com o objetivo de remover toda a
lesão3.
OBJETIVO
Neste relato, apresentamos o caso de uma paciente feminina, de 24 anos, com
diagnóstico de cisto de segundo arco branquial. O objetivo deste relato é
correlacionar o caso descrito com o conhecimento disponível na literatura. Em
função
do BCC de segundo arco ser um dos diagnósticos diferenciais de massas na região
cervical, e muito frequentemente subdiagnosticado, é de suma importância que o
cirurgião saiba identificá-lo, a fim de evitar diagnósticos incorretos e promover
o
manejo adequado do paciente.
RELATO DE CASO
Paciente feminina, 24 anos, primípara, buscou atendimento ambulatorial na
Universidade de Passo Fundo-RS, em dezembro de 2022 por apresentar nódulo em região
cervical anterior, de 7cm de diâmetro, à direita (Figuras 1A, 1C). Refere evolução da
massa cervical com crescimento lento e progressivo e nega história médica prévia
de
doenças crônicas, tabagismo e uso contínuo de medicamentos.
Figura 1 - A, B, C e D: Imagens do pré e
pós-operatório.
Figura 1 - A, B, C e D: Imagens do pré e
pós-operatório.
Ao exame físico, observou-se uma massa móvel, indolor à palpação, sem aderência a
planos profundos, sem indicativos de invasão a tecidos adjacentes e sem complicações
por sinais flogísticos. Ao exame ultrassonográfico de região cervical realizado
previamente à consulta, constatou-se a presença de nodulação ecogênica na região
cervical direita, que mediu 6,69cm.
Foi realizado procedimento cirúrgico de excisão de lesão, por meio de incisão
transversa em região cervical, com cerca de 5cm, conforme orientação das linhas
de
Langer. Prosseguiuse com dissecção tecidual por planos (Figura 2) e ressecção de massa cervical cística de aspecto
cisto-seroso. O ramo mandibular do nervo facial foi identificado e preservado
durante a intervenção. Finalizado com síntese cirúrgica, por planos, e colocação
de
dreno Penrose de número 2 no sítio operatório, com saída externa à ferida
operatória.
Figura 2 - Imagem transoperatória de exérese de cisto do segundo arco branquial,
via incisão cervical.
Figura 2 - Imagem transoperatória de exérese de cisto do segundo arco branquial,
via incisão cervical.
Paciente evoluiu bem clinicamente e com recuperação progressiva. O dreno foi retirado
com cinco dias de pós-operatório. Após o procedimento, a paciente apresentou
paraparesia no canto direito da boca. O músculo depressor do ângulo da boca à
direita com força reduzida ao contralateral. Realizada simetrização com aplicação
de
2 unidades em 1 ponto de toxina botulínica no músculo contralateral e complementado
com fisioterapia motora.
Paciente foi monitorada nos 5º, 10º, 15º, 30º, 45º, 90º dias e 6 meses
pós-operatório. Evoluiu com melhora progressiva de paraparesia e de edema local
(Figuras 1B, 1D).
O resultado do exame anatomopatológico foi compatível com descrições de cisto do
segundo arco branquial - estrutura cística, medindo 6,0 x 5,5 x 4,5cm, que à secção
apresenta conteúdo amarelado e seroso.
DISCUSSÃO
As anomalias de arco branquial geralmente são relatadas na infância ou adolescência,
mas podem ser diagnosticadas pela primeira vez em qualquer idade. Os tratos sinusais
ou fístulas tendem a ser diagnosticados mais cedo devido ao contato com a pele
e
possível drenagem ou infecção. A idade média de diagnóstico de fístula e trato
sinusal é de 2,6 e 3,6 anos, respectivamente. A idade média de diagnóstico para
cistos branquiais é de 4,1 anos4,5. A paciente do caso supracitado
apresentava 24 anos até o momento do diagnóstico e retirada cirúrgica total da
lesão.
Estima-se que até 95% dos casos de malformações do aparato branquial são derivados
do
segundo arco branquial, os quais podem ocorrer em qualquer área entre o terço
anterior do músculo esternocleidomastóideo e a fossa tonsilar. O diagnóstico é
por
meio de análise clínica e pode ser auxiliado por avaliação radiológica para exclusão
de possíveis diagnósticos diferenciais3,6. No caso ressaltado,
a paciente apresentava abaulamento importante na porção lateral direita do pescoço
-
quadro compatível com malformações do aparato branquial - e exame ultrassonográfico
que evidenciava nodulação em região cervical, sem indícios de complicações locais
e
comprometimento de estruturas vasculares e nervosas.
De forma geral, não apresentam importante predominância de sexo ou lado de
ocorrência7. O mecanismo
fisiopatológico da formação do BCC geralmente resulta da obliteração incompleta
das
fendas branquiais, com subsequente formação de cistos e fístulas2. Os cistos apresentam revestimento
epitelial sem aberturas externas, enquanto as fístulas da fenda branquial são
verdadeiras comunicações que conectam a faringe ou a laringe à pele externa e
que
podem drenar secreção mucosa7,8. No relato citado, o quadro clínico
presente era correspondente à apresentação cística de BCC, sem complicações
evidentes e sem drenagem de conteúdo mucoso.
O exame ultrassonográfico geralmente mostra um cisto bem circunscrito. No entanto,
há
variabilidade na aparência ultrassonográfica dos BCC de segundo arco quando há
infecção secundária ou quando septos ou detritos celulares estão presentes dentro
do
cisto, resultando em uma aparência pseudossólida ou heterogênea9. O ultrassom cervical realizado no
caso constatou nodulação ecogênica, bem delimitada, na região cervical à direita,
sem indícios de presença de infecção associada ao cisto.
A tomografia computadorizada auxilia no diagnóstico e estudo topográfico da lesão
e
suas relações com estruturas cervicais vasculares e nervosas importantes, porém
não
é essencial3. No contexto relatado, não foi realizado exame tomográfico,
visto que a apresentação clínica e ultrassonográfica não eram compatíveis a sinais
de alerta para malignidade e comprometimento de estruturas importantes, evidenciado
pela a ausência de aderência a planos profundos e de infiltração de tecidos
adjacentes da lesão.
As anomalias do segundo arco branquial devem ser consideradas como um dos possíveis
diagnósticos diferenciais de massas cervicais, especialmente as que se manifestam
como abaulamento em região lateral do pescoço. Ademais, ressalta-se a alta taxa
de
diagnósticos clínicos equivocados, sobretudo em relação aos cistos e fístulas
branquiais, o que torna evidente que essas alterações são constantemente
negligenciadas em relação aos diagnósticos diferenciais4,9.
Além disso, destaca-se que o tratamento é cirúrgico, com a excisão completa da lesão,
usualmente por meio de uma incisão cervical transversa e cuidadosa dissecação
das
estruturas, com o objetivo de extirpar toda a lesão3. Dessa forma, foi a abordagem terapêutica de escolha
no caso relato, a qual foi seguida de análise anatomopatológica do cisto extirpado,
que confirmou a compatibilidade com cisto do aparelho branquial. Ademais, também
pode ser feita uma abordagem transcervical assistida por endoscópio, que apresenta
menor tamanho na incisão10.
Estudos sobre procedimentos menos invasivos para várias anomalias são promissores,
incluindo escleroterapia e excisão endoscópica do BCC de segundo arco11.
Por fim, o BCC de segundo arco é um dos diagnósticos diferenciais de massas na região
cervical, e muito frequentemente é subdiagnosticado, além de que, na população
adulta, os cistos branquiais são um desafio pela possibilidade de metástase cística
de carcinoma oculto1,11. Logo, é de suma importância que o
cirurgião saiba identificá-lo, a fim de evitar diagnósticos incorretos e para
promover o manejo adequado do paciente.
CONCLUSÃO
Como observado, o cisto branquial é o subtipo mais prevalente de malformações do
segundo arco branquial, sendo um importante diagnóstico diferencial de massas
na
região cervical. O tratamento de escolha é a excisão cirúrgica, sendo uma opção
para
a extirpação dessa deformidade por fornecer um resultado estético adequado e com
altas taxas de resolutividade, apresentando baixos índices tanto de recorrências
quanto de complicações.
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1. Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS,
Brasil
Autor correspondente: Eduardo Madalosso Zanin Rua
Uruguai, 1932, 3º andar, Passo Fundo, RS, Brasil, CEP: 99010-112, E-mail:
eduardo.zanin@gmail.com
Artigo submetido: 09/07/2023.
Artigo aceito: 23/10/2023.
Conflitos de interesse: não há.