INTRODUÇÃO
A mamoplastia de aumento com uso de implantes é um procedimento realizado com alta
frequência no mundo. Somente no ano de 2020, foram 1.624.281 cirurgias realizadas,
segundo a International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS)1. Embora muito seguro, não está isento de complicações. Algumas dessas complicações
são bem conhecidas, como hematoma, seroma, contratura capsular, infecção, cicatriz
inestética e mau posicionamento dos implantes, e algumas são incomuns, como a galactorreia2,3.
A galactorreia e a galactocele podem acontecer em até 0,96% das pacientes submetidas
a mamoplastia de aumento com implantes. Em média levam um período de 15-90 dias para
se manifestar. A galactocele foi definida como acúmulo de leite na loja cirúrgica,
podendo este conteúdo ser drenado de maneira espontânea através da ferida operatória4. Já a galactorreia é definida como excreção espontânea de leite pela papila, sem
estímulo de sucção3.
A causa da galactorreia e galactocele no pósoperatório ainda não foi completamente
elucidada. Acredita-se que o gatilho possa se dar pelo aumento na prolactina devido
ao estímulo cirúrgico ou pela compressão nervosa do gradil costal. Também há teorias
que apontam que a compressão mecânica dos implantes sobre a glândula ou até efeito
de outros medicamentos tomados pela paciente podem ser os responsáveis por tal intercorrência5.
O tratamento se baseia em inibidores da prolactina como bromocriptina4,6,7 e pode estar associado a drenagem cirúrgica da galactocele de forma percutânea ou
aberta7. Por ser uma intercorrência rara, com a qual o cirurgião pode se deparar algum dia,
apresentamos um caso vivenciado em nosso serviço, bem como o esquema de tratamento
utilizado e o seguimento pós-operatório com 10 meses de cirurgia.
OBJETIVO
Apresentar um caso de galactocele em uma paciente que foi submetida a mamoplastia
de aumento com implantes, relatar a condução do caso, tratamento aplicado e resultados.
RELATO DE CASO
Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, de 35 anos, com queixa de mamas
hipoplásicas e desejo de aumento mamário (Figuras 1A e 1B), internada Hospital Irmãos Penteado, Serviço de Cirurgia Plástica Dr. Ricardo Barouldi,
em Campinas, S P. Apresentava duas gestações prévias e amamentação cessada há um ano
da cirurgia. Paciente apresentava tendência à formação de cicatriz queloide, sem outros
antecedentes importantes. Em 09 de outubro de 2020 foi realizada a cirurgia de mamoplastia
de aumento utilizando implantes texturizados de 300ml no plano subglandular e por
via de acesso no sulco inframamário. O pós-operatório ocorreu sem intercorrências
e a paciente evoluiu adequadamente.
Figura 1. A - Paciente no pré-operatório (vista frontal). B: Paciente no pré-operatório (vista lateral).
Figura 1. A - Paciente no pré-operatório (vista frontal). B: Paciente no pré-operatório (vista lateral).
Trinta dias após o procedimento cirúrgico, apresenta secreção de aspecto leitoso (Figura 2) drenando espontaneamente pela ferida operatória, sem dor, febre ou outros sintomas,
além de galactorreia bilateral. Foi utilizada cabergolina 0,5mg de 12h/12h associada
a cefadroxila 500mg de 12h/12h por 48h. Este esquema de pulsos de cabergolina foi
repetido com 45 dias após o procedimento cirúrgico. Com esta conduta, a paciente apresentou
diminuição progressiva da quantidade de secreção drenada pela ferida operatória, cessando
totalmente com 60 dias de pós-operatório.
Figura 2 - Drenagem espontânea pela ferida operatória de secreção de aspecto leitoso.
Figura 2 - Drenagem espontânea pela ferida operatória de secreção de aspecto leitoso.
A paciente evoluiu com cicatriz hipertrófica na região do sulco inframamário, que
foi tratada com quatro sessões de infiltração intracicatricial de acetato de triancinolona.
Com seis meses de pós-operatório (Figuras 3A e 3B), as mamas se encontram simétricas, sem sinais de contratura ou alterações adicionais,
paciente satisfeita com o resultado e sem novos episódios de galactorreia ou galactocele.
Figura 3. A - Pós-operatório com seis meses (vista frontal). B: Pós-operatório com seis meses (vista
lateral).
Figura 3. A - Pós-operatório com seis meses (vista frontal). B: Pós-operatório com seis meses (vista
lateral).
DISCUSSÃO
A galactorreia é uma intercorrência rara que ocorre nas cirurgias de aumento mamário.
Foi primeiramente descrita em 1971 e é definida como a saída espontânea de leite não
associada à amamentação6,7. Inicialmente, pode se confundir com infecção ou abscesso mamário por conta do edema,
da dor e aspecto da secreção8. Entre as causas de galactorreia, podemos destacar estímulo do mamilo, gestação,
uso de medicações que aumentam a produção de prolactina, hiperprolactinemia iatrogênica
acima de 27ng/ml, alterações tireoideanas, alterações renais e prolactinomas9.
Dentre as causas de galactorreia pós-operatória de mamoplastia de aumento, tem sido
sugerido o aumento da prolactina em resposta às células lactotróficas da pituitária
anterior, o que leva à produção de leite; a prolactina pode se elevar em até 5 vezes
decorrente do estímulo cirúrgico9. Outra teoria indica que a irritação dos nervos costais pela cirurgia leva a uma
supressão do eixo hipotalâmico, com diminuição da liberação da dopamina4. Porém, na revisão sistemática publicada por Sharma & Basu4 foi encontrado que nem todas as pacientes apresentavam níveis elevados de prolactina
no período pós-operatório.
Podemos apontar alguns fatores de risco que estão associados com a galactorreia, como
última gestação próxima ao período da cirurgia, maior número de gestações, lactação
prévia e uso de medicação anticonceptiva.
Sobre o plano de inserção do implante, os alocados em posição subglandular e incisão
periareolar estão mais relacionados com a galactorreia4. Segundo Chun & Taghinia10, isto é decorrente da obstrução de alguns ductos galactóforos da mama. O início de
sintomas é citado em média de 15 dias, podendo se manifestar após 90 dias de pós-operatório3,6.
Alguns exames podem ser rotineiramente empregados, como dosagem dos níveis séricos
de prolactina, Beta-HCG, hemograma, proteína C reativa, provas tireóideas e prova
de Sudan IV para determinação de leite6,7,11. Em relação aos exames de imagem, ultrassonografia, culturas da secreção, ressonância
magnética da pituitária em caso de hiperprolactinemia acima de 100ng/ml4 podem ser necessários para confirmação diagnóstica.
Após confirmação do quadro, devemos prosseguir com o tratamento medicamentoso. Autores
propõem abordagens distintas, que incluem o uso de bromocriptina na dose 2,5mg duas
vezes ao dia como primeira linha e cabergolina 0,5mg 1-2 cp por semana e como segunda
linha2,4,11. Também pode ser incluído tratamento com antibiótico por risco de infecção associado
ao implante4,11, inibidores de dopamina, inibidores dos leucotrienos, a fim de evitar chance de contratura
capsular6, e explante com lavagem de loja4,6,11.
Na revisão da literatura encontramos que a maioria dos estudos publicados são relatos
de casos similares com este: duas séries de caso e uma revisão sistemática.
Acreditamos que ampliar o número de estudos sobre este tópico será importante para
unificar condutas e minimizar esta intercorrência.
CONCLUSÃO
A galactorreia e galactocele são intercorrências raras da mamoplastia de aumento.
Com um diagnóstico adequado e um tratamento precoce conseguimos tratála sem modificar
o resultado das nossas cirurgias. Mais investigações precisam ser realizadas a respeito
desta intercorrência rara a fim de unificar condutas e minimizar complicações.
REFERÊNCIAS
1. International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS). Pesquisa global de 2020
da ISAPS observa mudanças significativas nos procedimentos estéticos durante a pandemia.
West Lebanon: ISAPS; 2021.
2. Ayestaray B, Dudrap E, Chaibi A. Galactorrhea after aesthetic breast augmentation
with silicone implants: report of two cases and management of postoperative galactorrhea.
Aesthetic Plast Surg. 2011;35(3):408-13.
3. Basile F V, Basile AR. Diagnosis and management of galactorrhea after breast augmentation.
Plast Reconstr Surg. 2015;135(5):1349-56.
4. Sharma SC, Basu NN. Galactorrhea/Galactocele After Breast Augmentation: A Systematic
Review. Ann Plast Surg. 2021;86(1):115-20.
5. Schusterman MA 2nd, Bruce MK, Nicholas K, Diego E, La Cruz C. Galactorrhea After Nipple-Sparing
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Ann Plast Surg. 2022;88(4):467-9.
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7. Viaro MSS, Viaro PS, Batistti C. Galactocele due to drugs prescribed after augmentation
mammoplasty: a case report and literature review. Rev Bras Cir Plást. 2016;31(2):287-91.
8. Guerra M, Codolini L, Cavalieri E, Redi U, Ribuffo D. Galactocele After Aesthetic
Breast Augmentation with Silicone Implants: An Uncommon Presentation. Aesthetic Plast
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9. Macedo JLS, Rosa SC, Naves LA, Motta LACR. Galactorrhea after augmentation mastoplasty.
Rev Bras Cir Plást. 2017;32(1):155-6.
10. Chun YS, Taghinia A. Hyperprolactinemia and galactocele formation after augmentation
mammoplasty. Ann Plast Surg. 2009;62(2):122-3.
11. Ascenço ASK, Graf R, Maluf Junior I, Balbinot P, Freitas RS. Galactorrhea: how to
address this unusual complication after augmentation mammoplasty. Rev Bras Cir Plást.
2016;31(2): 143-7.
1. Hospital Irmãos Penteado, Serviço de Cirurgia Plástica Dr Ricardo Barouldi, Campinas,
São Paulo, Brasil
Autor correspondente: Raphaela Silveira do Amaral Av. José Bonifácio, 2001, Campinas, S P, Brasil. CEP: 13092-305 E-mail: rapha_samaral@hotmail.com
Artigo submetido: 21/06/2022.
Artigo aceito: 16/11/2022.
Conflitos de interesse: não há.