INTRODUÇÃO
O mesotelioma epitelioide multicístico é um tumor benigno incomum, que surge a partir
de modificações nas células mesoteliais peritoneais e é responsável por 3 a 5% dos
mesoteliomas peritoneais, com incidência estimada de 2 por 1.000.000 por ano1-3.O primeiro relato foi descrito em 1979, em uma jovem que apresentava envolvimento
omental, peritoneal e pélvico3,4.
De fato, a patologia é mais prevalente em mulheres jovens1,2,5,sendo que sua etiopatogenia ainda é controversa6.Embora existam outras teorias, os processos inflamatórios no peritônio têm sido o
principal mecanismo etiopatogênico associado2.
Assim, relatamos um caso de mesotelioma epitelioide multicístico em paciente do sexo
feminino com infiltração em parede abdominal e coxa.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 49 anos. Há 5 anos apresentou volumoso tumor de partes
moles em parede pélvica ao nível de região pubiana, fixa aos planos profundos. A ressonância
magnética revelava extensa lesão sólido- cística multiloculada acometendo a parede
anterior do abdome inferior comprometendo subcutâneo, os planos musculares e em íntima
relação com a aponeurose posterior medindo 13,8x12,8x10,3cm, foi realizada ressecção
ampla do tumor. O histopatológico revelou uma neoplasia epitelioide multicística e
a imuno-histoquímica confirmou mesotelioma peritoneal multicístico. Após 2 anos apresentou
nódulos sólidos na parede abdominal pélvica, com características neoplásicas e hérnia
umbilical, sendo indicado biópsia. Após mais 2 anos, e sem realizar a biópsia da lesão,
encontrava-se com um volumoso tumor de partes moles em parede pélvica e região pubiana
recidivado (Figura 1). Tomografia da pelve com múltiplas lesões císticas, agrupadas e aglomeradas em região
abdominal anterior medindo 20x9 cm predominantemente à esquerda, estendendo-se à região
inguinal e coxa direita medindo 19x20 cm. A paciente submeteu-se à ressecção ampla
do tumor com reconstrução com múltiplos retalhos fasciocutâneos randomizados em região
do abdômen, flancos, retalhos de coxa direita e esquerda e retalho de vulva (Figura 2). O produto da ressecção pesava 4.832g, com as seguintes dimensões 32,0x21,0x14,0cm
(Figura 2). O histopatológico confirmou mesotelioma epitelioide multicístico infiltrando parede
abdominal e coxa. Evoluiu com necrose parcial do retalho da vulva, no 12º dia do pós-operatório.
Foi realizado tratamento conservador com pomada de colagenase 0,6U/g (Figura 3). Segue há 9 meses com cicatrização completa (Figura 4), sem recidiva e sem queixas. Publicação aprovada pelo comitê de ética e pesquisa
com o parecer de nº 4.311.835.
Figura 1 - Grande tumor de partes moles.
Figura 1 - Grande tumor de partes moles.
Figura 2 - A: Área de ressecção tumoral; B: Peça cirúrgica anterior; C: Peça cirúrgica posterior.
Figura 2 - A: Área de ressecção tumoral; B: Peça cirúrgica anterior; C: Peça cirúrgica posterior.
Figura 3 - Reconstrução com retalho miocutâneo.
Figura 3 - Reconstrução com retalho miocutâneo.
Figura 4 - A: Necrose de retalho no pós-operatório; B: Cicatrização após oito meses de reconstrução.
Figura 4 - A: Necrose de retalho no pós-operatório; B: Cicatrização após oito meses de reconstrução.
DISCUSSÃO
O mesotelioma epitelioide multicístico é uma síndrome rara de cistos mesoteliais peritoneais
recorrentes4.Existem menos de 200 casos relatados em todo o mundo, se considerados os relatos
realizados durante o ano de 20176,7.Devido à sua raridade, sua história natural e patogênese ainda continuam pouco exploradas1,5.A maioria dos estudos existentes na literatura são de séries retrospectivas ou relatos
de caso7.
Atinge mais indivíduos do sexo feminino em comparação ao sexo masculino, tendo maior
incidência durante a idade reprodutiva1,5,a idade média de ocorrência é de 36 anos6,o que diferencia do caso em questão. Trata-se de uma doença extremamente rara em
homens, sendo prevalente em indivíduos com idades na sexta década de vida6.
A literatura mostra que a lesão é distribuída difusamente no abdome e na pelve, sendo
o peritônio dos órgãos pélvicos o local mais comum4.Considera-se que seu surgimento mantém associação com cirurgia prévia, endometriose
ou inflamação abdominal5,6.Existem teorias baseadas em hipótese hormonal, na qual o desenvolvimento e progressão
da doença estaria ligado à sua sensibilidade aos hormônios sexuais6,8.Os sintomas do mesotelioma multicísticos geralmente são ausentes e ocorrem principalmente
devido ao efeito de massa sobre outros órgãos6.Observa-se desconforto abdominal, distensão abdominal e presença de massa abdominal
ao exame físico7,8.
A ressonância magnética tem sido utilizada como método de escolha, embora estudos
demonstrem o pouco valor desse método como diagnóstico preciso do mesotelioma multicístico,
principalmente devido à falta de apresentação clínica e de imagem, o diagnóstico pré-operatório
é desafiador1,5,8.Pode ser uma situação diagnosticada incidentalmente durante a realização de outras
cirurgias abdominais6,9.Seu diagnóstico final requer avaliação histológica de amostra cirúrgica8.
Não existem diretrizes disponíveis para a condução dos casos. No entanto, o manejo
principal é a ressecção cirúrgica completa7,que apresenta uma taxa de recorrência entre de 40 a 50%. Um estudo com 19 casos utilizou
a combinação entre cirurgia citorredutora e quimioterapia intraperitoneal hipertérmica
(HIPEC) e concluíram que tal combinação oferece baixa taxa de recorrência (21%), boa
sobrevida livre de recidiva e morbidade aceitável10.Existem falta de dados comparativos sobre recorrência e complicações da associação
desse tratamento7.
A transformação maligna é rara2,4.Em estudo de acompanhamento com 75 casos, diagnosticou-se transformação maligna em
apenas um caso9e o prognóstico é considerado muito bom, existindo relato de apenas uma morte atribuída
à doença6.
CONCLUSÃO
A neoplasia em questão é rara, sobretudo nas dimensões apresentadas no caso. É importante
que o diagnóstico e o tratamento não sejam postergados. O cirurgião oncológico e o
cirurgião plástico devem discutir e planejar esses casos. Além disso, deve-se atentar
para as recidivas.
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a 17-year single institution experience with a series of 75 cases. Ann Diagn Pathol.
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1. Universidade Estadual do Piauí, Teresina, PI, Brasil.
2. Hospital São Marcos, Teresina, PI, Brasil.
3. Oncocentro, Teresina, PI, Brasil.
Autor correspondente: Danilo Rafael da Silva Fontinele Rua Olavo Bilac, nº 2335 - Centro (Sul), Teresina, PI, Brasil CEP 64001-280 E-mail:
drsilvafontinele@gmail.com
Artigo submetido: 19/05/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.
Conflitos de interesse: não há.