INTRODUÇÃO
Nos casos de fissura labiopalatina (FLP), a palatoplastia tem como meta a restauração
morfológica e funcional do palato, estabelecendo um mecanismo velofaríngeo funcional
para a fala, deglutição e audição, preservando o potencial de crescimento do terço
médio da face1,2. Complicações pós-palatoplastia podem incluir hemorragia, dificuldade respiratória,
necrose de retalhos, deiscência do reparo. A ocorrência da fístula oronasal (FON)
e a disfunção velofaríngea (DVF), no entanto, são as complicações mais desafiadoras
da equipe interdisciplinar. A FON pode ser resultado de tensão no reparo cirúrgico
do palato e sua cicatrização é acompanhada de fibrose comprometendo a vascularização
do tecido. O processo de cicatrização, portanto, produz retrações com consequências
morfológicas e funcionais. A ocorrência de FON está associada a prejuízos para a fala,
refluxo nasal, halitose e infecções crônicas, sendo um indicador do sucesso ou insucesso
cirúrgico3-8.
A magnitude da ocorrência de FON não é inteiramente conhecida, existindo divergências
quanto aos índices reportados na literatura que variam de 0%9-11 a 78%12. A variação na ocorrência de FON é resultado da falta de padronização de protocolos
de avaliação e inexistência de uma definição sobre o que deve ser considerado fístula13,14. Trabalhos sobre FON de relevância científica foram publicados, incluindo metanálises14, revisões sistemáticas7,15 e revisões de escopo sistemática16. Boa parte dos estudos, no entanto, não controla variáveis que afetam a ocorrência
da FON, não descrevem detalhadamente as técnicas cirúrgicas da palatoplastia primária,
tampouco mensuram a amplitude da fenda antes das cirurgias4,7,8,14,16,17. A falta de relato sobre critérios de inclusão e exclusão das FON nos estudos publicados
também é fator de impacto na porcentagem de ocorrência dessas complicações já que
alguns trabalhos excluem fístulas anteriores ao forame incisivo ou fístulas intencionalmente
não reparadas2,13,18-23.
Entendendo a importância e complexidade da identificação das FON, alguns sistemas
de classificação abordaram tanto a padronização da nomenclatura13,18,24 quanto o gerenciamento cirúrgico dessas ocorrências24,25. Estas publicações refletem a preocupação quanto à resolutividade das FON buscando
favorecer a prevenção e o tratamento destas complicações. Em estudo que envolveu análise
de dados registrados em prontuários de 466 pacientes com fissura transforame unilateral,
Jacob et al. (2020)26 reportaram tanto variabilidade no uso de terminologia quanto falta de consenso entre
as áreas da cirurgia plástica e fonoaudiologia quanto à ocorrência da FON. Foram observados
por Jacob et al. (2020)26: registros ausentes ou incompletos nos prontuários, imagens fotográficas inadequadas
para a identificação das FON e divergências quanto à inclusão de fístulas na região
pré-forame incisivo como complicações cirúrgicas. Os autores sinalizaram a necessidade
de um sistema de classificação de fístulas abrangente, que possa ser utilizado de
forma efetiva por equipes multidisciplinares, e que otimize a documentação sistemática
dos resultados do tratamento da FLP26.
OBJETIVO
O presente estudo teve como objetivo desenvolver um protocolo de classificação de
fístula de palato baseado em critérios morfológicos, embriológicos e da sintomatologia
da fístula.
MÉTODOS
Este estudo foi conduzido no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da
Universidade de São Paulo (HRAC-USP), no período de 2013 a 2017, após aprovação do
Comitê de Ética da instituição (protocolo nº 3.305124).
O desenvolvimento do protocolo se deu após o levantamento de 466 prontuários de estudo
clínico randomizado envolvendo pacientes com fissura completa unilateral de lábio
e palato e 13.876 imagens fotográficas de pacientes da instituição, analisando a presença
e localização da FON, reportado pelas áreas da cirurgia plástica e fonoaudiologia.
O levantamento indicou uso de terminologia distinta entre as áreas, falha na documentação
das ocorrências (dados incompletos ou ausentes) e imagens fotográficas inadequadas
para a classificação das FON. Considerando as dificuldades encontradas, o planejamento
para a construção deste protocolo incluiu as seguintes etapas: 1) padronizar a definição
de FON; 2) definir as referências anatômicas; 3) estabelecer critérios embriológicos e morfológicos;
4) incluir a sintomatologia; e 5) estabelecer critérios para imagem fotográfica.
Sistema de classificação Brosco-Dutka
Definição de FON
Neste protocolo definimos fístula como uma falha na cicatrização ou ruptura no reparo cirúrgico primário do palato, conforme Cohen et al. (1991)18 e Muzaffar et al. (2001)27. A deiscência de palato foi definida como a ruptura do fechamento cirúrgico de toda
uma região morfológica do palato e classificada aplicando-se o mesmo protocolo (Figura 1). Postula-se também que todas as fístulas deverão ser reportadas, inclusive fístulas
puntiformes (microfístulas), fístulas assintomáticas e fístulas deixadas intencionalmente.
Figura 1 - A. Deiscência de palato duro; B. Deiscência de palato mole; C. Deiscência de palato duro e mole.
Figura 1 - A. Deiscência de palato duro; B. Deiscência de palato mole; C. Deiscência de palato duro e mole.
Referências anatômicas
As referências anatômicas incluem: forame incisivo, arco alveolar superior, e área
de transição entre o palato duro e o palato mole (Figura 2).
Figura 2 - Referências anatômicas do protocolo: 2.1. Forame incisivo (FI); 2.2. Arco alveolar;
2.3. Área de transição entre palato duro e palato mole.
Figura 2 - Referências anatômicas do protocolo: 2.1. Forame incisivo (FI); 2.2. Arco alveolar;
2.3. Área de transição entre palato duro e palato mole.
Forame incisivo (FI)
O FI é um ponto anatômico demarcatório que separa o palato primário do palato secundário,
no entanto, em pacientes com FLP, ele é inexistente devido à ausência de osso no local
da fenda24. Definir o ponto de transição entre o palato primário e o secundário em pacientes
com história de FLP, é tarefa complexa, dificultada pelas alterações morfológicas
inerentes à fissura e decorrentes do processo de fibrose associado à cicatrização
pós-cirúrgica. Para favorecer esse processo o protocolo Brosco-Dutka estabelece a
linha incisiva, como uma linha imaginária traçada entre os pontos de contato entre
os dentes caninos e o 1º molar decíduo na criança (Figura 3A). No adulto esta linha é traçada entre o ponto de contato entre os caninos e 1º pré-molar
(Figura 3B). Ao considerar-se a análise de imagens fotográficas para a definição do FI, é fundamental
uma padronização para a obtenção das imagens intraorais. A documentação fotográfica
deve ser obtida com o uso de espelhos para fotografia por profissional treinado para
tal.
Figura 3 - Ilustração dos traçados da linha imaginária para identificação do forame incisivo:
A. Na criança; B. No adulto.
Figura 3 - Ilustração dos traçados da linha imaginária para identificação do forame incisivo:
A. Na criança; B. No adulto.
Arco alveolar superior
O arco alveolar superior é a porção da maxila que reveste os alvéolos dentários sendo
importante referência anatômica para identificação das fístulas pré-alveolares e fístulas
do arco alveolar que são aquelas situadas na região do vestíbulo labial e do próprio
arco alveolar. A terminologia “fístulas vestibulares” ou “fístulas buconasais” não
deve ser utilizada nesta classificação.
Área de transição entre palato duro e palato mole
A área de transição entre o palato duro e mole é uma região onde ocorrem muitas FON
por ser uma das áreas de maior tensão durante a palatoplastia. A identificação de
FON nesta região é complexa devido às alterações morfológicas decorrentes do processo
de cicatrização da fístula que, consequentemente, podem resultar em retração e anteriorização
da musculatura do palato mole, dando a impressão de que a fístula de transição se
prolonga para o palato duro ou para o palato mole. Para favorecer o processo de identificação
da área de transição entre o palato duro e o mole o protocolo Brosco-Dutka estabelece
duas linhas imaginárias conforme ilustradas na Figura 4:
Figura 4 - Ilustração das linhas A e B: A. Na criança; B. No adulto.
Figura 4 - Ilustração das linhas A e B: A. Na criança; B. No adulto.
• Linha A: margeando o rebordo alveolar posterior (Tuber);
• Linha B: tangenciando a face distal dos primeiros molares na dentadura decídua e mista em
crianças (Figura 4A). Nos adultos a linha B tangencia a face distal dos segundos molares (Figura 4B).
Durante a avaliação da FON, a área de transição é aquela circunscrita a um triângulo imaginário cuja base é formada pela linha A
e o ápice se encontra no ponto central da linha B. Durante a análise de imagens fotográficas,
se a documentação fotográfica for inadequada, a definição da área de transição torna-se
complexa ou até mesmo impossível.
Critérios embriológico e morfológico
Do ponto de vista da embriologia, a fístula pode ser denominada fístula PREFI, POSFI ou PREPO (Figura 5). Em relação à morfologia, a fístula pode ocorrer nas Regiões 1, 2, 3, 4 e 5 (Figura 6).
Figura 5 - Após identificar o FI (ponto amarelo indicado pela seta branca nas imagens) é possível
estabelecer se a fístula ocorre na região pré-forame incisivo (PREFI), na região pós-forame
incisivo (POSFI) ou se ocorre em ambas as regiões (PREPO)
Figura 5 - Após identificar o FI (ponto amarelo indicado pela seta branca nas imagens) é possível
estabelecer se a fístula ocorre na região pré-forame incisivo (PREFI), na região pós-forame
incisivo (POSFI) ou se ocorre em ambas as regiões (PREPO)
Figura 6 - Ilustração das 5 regiões morfológicas de localização da fístula e do FI.
Figura 6 - Ilustração das 5 regiões morfológicas de localização da fístula e do FI.
O critério embriológico analisa a presença da fístula no palato primário e/ou secundário,
de acordo com sua localização em relação ao FI (Figura 5). A etapa inicial da aplicação do protocolo, portanto, requer a identificação do
FI e a classificação da fístula em:
• PREFI: fístula localizada em região anterior ao FI (palato primário);
• POSFI: fístula localizada em região posterior ao FI (palato secundário);
• PREPO: fístula que acomete tanto a região anterior quanto posterior ao FI (palato primário
e secundário).
Em seguida o critério morfológico é aplicado verificando-se em qual das cinco regiões
ocorreu a FON, sendo possível o acometimento de mais de uma região morfológica (Figura 6):
• Região 1: envolve a região pré-alveolar e/ou do arco alveolar;
• Região 2: envolve a região pós-alveolar (área do palato duro anterior ao FI);
• Região 3: envolve a região do palato duro pós FI;
• Região 4: envolve a região de transição entre palato duro e o palato mole;
• Região 5: envolve o palato mole.
Sintomatologia
A sintomatologia pode ser observada pelo profissional durante a avaliação clínica
presencial, relatada pelo paciente ou seu responsável ou obtida em registros no prontuário
do paciente. No protocolo a palavra HORA foi usada para caracterizar os sintomas reportados, conforme ilustrado (Figura 7), onde H se refere à hipernasalidade e/ou ao escape de ar nasal ou outra alteração de fala;
O se refere às otites e outros sintomas otológicos; R se refere ao refluxo nasal de alimentos; e A se refere às fístulas assintomáticas.
Figura 7 - Fórmula representando achados embriológicos, morfológicos e sintomatologia.
Figura 7 - Fórmula representando achados embriológicos, morfológicos e sintomatologia.
A coexistência de FON e DVF, torna a identificação da sintomatologia relacionada à
fala e deglutição mais complexa. Sempre que possível a avaliação presencial dos sintomas
deve ser realizada em duas condições: com e sem obturação da fístula. Uma fístula
pode ser temporariamente obturada com material odontológico, hóstia ou adesivo para
retenção de prótese odontológica. Mesmo na melhor das tentativas, uma fístula pode
não ser totalmente vedada, o que sempre deixa dúvidas quanto à coexistência da DVF.
A eliminação de sintomas com o vedamento da fístula oferece informação essencial para
a definição da conduta para correção da fístula. Nos casos de DVF, o reparo apenas
da fístula não corrige os sintomas decorrentes da insuficiência velofaríngea. A avaliação
instrumental do funcionamento velofaríngeo para fala por meio da nasofaringoscopia
e/ou da videofluoroscopia é necessária para a decisão entre operar somente a fístula
ou associar este procedimento à veloplastia intravelar secundária para reposicionamento
muscular do palato mole.
Ao finalizar a avaliação da fístula em exame presencial ou ao realizar a análise de
imagem fotográfica na classificação Brosco-Dutka, os achados podem ser representados
por uma fórmula combinando-se os critérios embriológico, morfológico e sintomatologia
(Figura 7).
Documentação fotográfica
Para obtenção de imagens fotográficas adequadas para aplicação do protocolo Brosco-Dutka
é importante o uso de espelho para a fotografia da região intraoral, posicionado em
angulação adequada com relação ao plano oclusal (entre 45º e 60º). A imagem fotográfica
deve possibilitar a visualização da face palatina dos dentes incisivos superiores
ao invés da visão da face anterolabial dos mesmos. A imagem da Figura 8 ilustra o posicionamento adequado do espelho e da câmera durante a tomada fotográfica.
As imagens das Figuras 9A e 9B, ilustram a tomada fotográfica adequada (Figura 9A) e tomada fotográfica inadequada (Figura 9B) em indivíduo sem FLP. As Figuras 9C e 9D ilustram a tomada fotográfica adequada (Figura 9C) e inadequada (Figura 9D) em indivíduo com FLP. Para a visualização fotográfica completa do palato são necessárias
duas tomadas fotográficas: com o uso do espelho para a região anterior e tomada direta
do palato mole com ou sem o uso do espelho para a região posterior. Com uma única
fotografia, a visualização fotográfica adequada de todo o palato (duro e mole) é limitada
devido à configuração do mesmo.
Figura 8 - Posição adequada para realização da fotografia usando o espelho odontológico.
Figura 8 - Posição adequada para realização da fotografia usando o espelho odontológico.
Figura 9 - Posicionamento para imagem fotográfica e para documentação de fístula. A e C. Mostram a face palatina dos dentes incisivos em indivíduo sem e com FLP. O traçado
da linha incisiva permite a identificação correta do FI; B e D. Ilustram o posicionamento inadequado da imagem fotográfica mostrando a face labial
dos dentes incisivos em indivíduo sem e com FLP. Neste caso, o traçado da linha incisiva
não permite a localização adequada do FI.
Figura 9 - Posicionamento para imagem fotográfica e para documentação de fístula. A e C. Mostram a face palatina dos dentes incisivos em indivíduo sem e com FLP. O traçado
da linha incisiva permite a identificação correta do FI; B e D. Ilustram o posicionamento inadequado da imagem fotográfica mostrando a face labial
dos dentes incisivos em indivíduo sem e com FLP. Neste caso, o traçado da linha incisiva
não permite a localização adequada do FI.
RESULTADOS
O protocolo de classificação de fístula de palato Brosco-Dutka encontra-se apresentado
no Anexo 1.
DISCUSSÃO
A incidência de FON é considerada um dos indicadores de insucesso do tratamento cirúrgico
primário da FLP6-8. Embora a literatura apresente publicações sobre os resultados individuais e institucionais
das complicações após palatoplastia, observa-se ainda, a ausência de uma definição
padronizada e universalmente aceita do conceito de fístula13,14,19. Várias definições de fístulas foram utilizadas na literatura incluindo falha na
cicatrização ou ruptura do reparo cirúrgico do palato18,27 ou permeabilidade entre a cavidade oral e nasal13,23,28,29. A ausência da definição padronizada de fístula resulta em grande variabilidade dos
índices de ocorrência de FON14, introduzindo vieses e comprometendo o estabelecimento desse índice8.
A descrição de critérios de inclusão e exclusão das FON nas publicações também é limitada,
existindo grande heterogeneidade entre os pesquisadores. Alguns excluem as fístulas
anteriores ao FI e intencionalmente não reparadas, considerando apenas as fístulas
no palato secundário2,13,18-23. Documentar somente fístulas no palato secundário modifica o índice de ocorrência
de FON, e caso seja este o critério aplicado, deve ser claramente indicado na publicação.
Um sistema de classificação de fístula que possa ser aplicado com boa confiabilidade
entre os membros da equipe é apontado como essencial para um controle adequado da
variação dos índices de FON8,13,18. Os sistemas de classificação de Cohen18 e de Pittsburgh13 foram baseados em critérios anatômicos, são similares e não mencionam os sintomas.
Sitzman et al. (2016)8 avaliaram a confiabilidade do sistema de classificação de fístulas de Pittsburgh,
envolvendo oito cirurgiões como avaliadores. Os resultados indicaram que a classificação
de Pittsburgh mostrou boa confiabilidade intra-avaliador, porém os índices de concordância
interavaliadores não foram tão bons como o esperado. Uma documentação fotográfica
inadequada foi um dos fatores limitantes citados pelos autores.
O sistema de classificação de Richardson e Agni (2014)25 propõe um algoritmo para gerenciamento das fístulas baseado em parâmetros que envolvem:
1) a dimensão da fístula (longitudinal ou transversa); 2) o local acometido (palato
mole e úvula, palato duro posterior e médio, palato duro anterior); 3) classificação
da fenda (unilateral, bilateral); e 4) número de procedimentos cirúrgicos prévios
no palato. Segundo os autores a classificação proposta possibilita ao cirurgião avaliar
o grau de dificuldade para a correção da fístula bem como prever o prognóstico do
procedimento. Mais recentemente um sistema de classificação de fístula de palato foi
proposto por Fayyaz (2019)24. Os autores publicaram uma casuística muito expressiva de 2.537 fístulas que foram
analisadas. A classificação baseia-se em quatro características incluindo: 1) localização
da fístula, 2) tamanho da fístula, 3) competência velofaríngea e 4) presença de deiscência.
Quando presentes, fístulas múltiplas foram referidas. O algoritmo proposto pelos autores
possibilita estabelecer diretrizes para o gerenciamento cirúrgico. Fayyaz (2019)24 mencionam que a correção da insuficiência velofaríngea é realizada junto com a correção
da fístula, porém não reportam o uso da nasoendoscopia e da videofluoroscopia do funcionamento
velofaríngeo durante o processo de definição da conduta para gerenciamento da DVF.
A classificação proposta no presente estudo, embora se assemelhe àquelas propostas
por Cohen et al. (1991)18 e Smith et al. (2007)13, inclui 5 possíveis regiões de ocorrência ao invés de 7 e propõe critérios que favorecem
a identificação de referências anatômicas essenciais para a aplicação do novo protocolo.
A introdução da linha incisiva (para auxiliar na localização do FI) e linhas A e B
(para auxiliar na localização da área de transição entre palato duro e mole), visam
favorecer uma maior confiabilidade entre os avaliadores durante a aplicação do sistema
de classificação. Nos casos com sequelas cirúrgicas graves, envolvendo deformidades
ósseas e perdas significativas de elementos dentários, essa classificação poderá não
ser completamente aplicável devido à ausência dos elementos de referência.
Propõe-se também que este protocolo seja usado para documentação de fístulas intencionalmente
deixadas pelo cirurgião no momento da palatoplastia primária bem como devem ser documentadas
as fístulas assintomáticas e as fístulas puntiformes (microfístulas) com a sinalização
clara de sua condição clínica de não relevância para fala, alimentação e audição.
Somente com este cuidado de registrar todas as ocorrências de fístula possíveis é
que estudos comparativos futuros poderão gerar evidências científicas adequadas da
real ocorrência das FON, contribuindo assim para a prevenção e tratamento destas complicações7.
O registro completo dos dados sobre complicações pós-cirúrgicas deve estar inserido
no prontuário do paciente em um protocolo para avaliação destas ocorrências, sendo
fundamental para uma documentação adequada dos resultados institucionais do gerenciamento
da FLP. A obtenção de imagens fotográficas com qualidade que permita a visualização
do palato completo é essencial para verificar a confiabilidade durante aplicação do
protocolo. Diferentes serviços podem estabelecer estratégias distintas para fotografia
intraoral, sendo possível o uso da cadeira odontológica com espelho ou da mesa cirúrgica
com o paciente anestesiado para a correção da fístula. A qualidade da imagem deve
ser auditada periodicamente, garantindo-se acervos fotográficos adequados para futuros
estudos intercentros nacionais e internacionais. A capacitação da equipe (cirurgião,
odontólogo e fonoaudiólogo) para a aplicação do protocolo é essencial na rotina dos
serviços especializados, sendo recomendada uma calibração periódica e estabelecendo-se
estratégias para melhorar ou manter a confiabilidade intra e interavaliadores.
CONCLUSÃO
O protocolo Brosco-Dutka de classificação fístula de palato tem como finalidade principal
sua utilização por equipe multidisciplinar, visando possibilitar tanto a comparação
de resultados intra como intercentros craniofaciais. Apesar de ser possível a sua
aplicação nas consultas ambulatoriais ao vivo, recomenda-se a obtenção de imagens
fotográficas adequadas do palato de forma que a classificação das complicações pós-cirúrgicas
possa ser feita por avaliadores múltiplos internos e externos ao centro craniofacial
avaliado. A classificação da fístula por múltiplos avaliadores, por sua vez, requer
uma documentação fotográfica adequada, incluindo também a documentação da sintomatologia
relacionada à fístula.
O protocolo define o que é fístula e padroniza a terminologia a ser utilizada pela
equipe multidisciplinar. A classificação proposta, é baseada em critérios embriológicos
e morfológicos, incluindo estratégias para a identificação das referências anatômicas
de complexa visualização. A partir dos cuidados ressaltados pelos autores, a aplicação
do protocolo possibilita um monitoramento sistemático e padronizado da ocorrência
das FON favorecendo a identificação da relevância destas complicações para a fala,
audição e alimentação. A validação clínica deste protocolo é necessária sendo que
os futuros estudos envolvendo aplicação do mesmo devem deixar claros os critérios
de inclusão e exclusão das FON. Ou seja, é essencial declarar na metodologia se as
fístulas intencionalmente deixadas pelo cirurgião (que não são consideradas complicações
cirúrgicas) e fístulas assintomáticas (que não necessitam gerenciamento cirúrgico
nem protético), por exemplo, serão computadas na porcentagem geral de ocorrência.
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31. Silva HLA. Atlas de cirurgia plástica na fenda labiopalatal [dissertação]. São Paulo
(SP): Universidade de São Paulo - Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais;
2019.
1. Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo
- HRAC-USP, Bauru, SP, Brasil.
2. Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru, Bauru, SP, Brasil.
Autor correspondente: Telma Vidotto de Sousa Brosco, Rua Sílvio Marchione, 3-20, Vila Nova Cidade Universitária, Bauru, SP, Brasil. CEP:
17012-900 E-mail: telmabrosco@gmail.com
Artigo submetido: 21/07/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.
Conflitos de interesse: não há.
COLABORAÇÕES
TVSB Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia,
Redação - Preparação do original
GAP Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Metodologia, Redação - Preparação do original
HLAS Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Metodologia, Redação - Revisão e
Edição
JCRD Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia,
Redação - Preparação do original, Supervisão