INTRODUÇÃO
O uso de alargadores de lóbulos de orelhas é um hábito bastante comum, principalmente
entre os adolescentes. Tais dispositivos provocam uma deformidade no lóbulo da orelha,
com alargamento e de orifícios circulares. Diversas técnicas já foram descritas e
são atualmente utilizadas para fechamento de tais defeitos. Em sua maioria, utilizam-se
diferentes técnicas de retalhos locais como ferramenta para reparo do lóbulo1,2,3.
Nossa proposta é apresentar uma nova opção de correção, mais simples, rápida e barata,
usando o ácido tricloroacético para o fechamento dessas lesões.
O ácido tricloroacético (ATA) em grandes concentrações, induz necrose de todas as
camadas da epiderme, atingindo até a derme papilar, seguida pela reconstituição da
epiderme e da matriz da derme papilar, através de processos de cicatrização de feridas4,5.
O ATA tem efeitos citotóxicos, como a supressão da proliferação de queratinócitos
e fibroblastos e a síntese de proteínas pelos fibroblastos, mas seu mecanismo biológico
ainda não está totalmente esclarecido6.
A pele tratada com ATA estimula as plaquetas, monócitos e queratinócitos a produzir
transitoriamente diferentes fatores de crescimento, incluindo o PDGF-B. O fator de
crescimento derivado de plaquetas estimula fibroblastos teciduais ao redor da ferida
para proliferar, expressar os receptores de integrinas apropriados e migrar para o
espaço da ferida e, assim, presumivelmente, aumentar o fechamento da ferida estimulando
a reepitelização7.
Os queratinócitos tratados com ATA expressaram IL-1 (pró-inflamatórias) e IL-10 (anti-inflamatórias)
dependendo das concentrações de ATA, as quais foram reguladas após o tratamento o
que sugere que a reação inflamatória após o tratamento com ATA é bem equilibrada,
resultando em um resultado cosmeticamente melhor4.
MÉTODOS
Após utilizarmos com frequência o ATA 90% para fechamentos de fissuras parciais em
lóbulos de orelhas, decidimos avaliar sua ação em pacientes com sequelas por uso de
alargadores.
Foram selecionados 4 pacientes com antecedente de uso de alargadores em orelhas bilateralmente,
e 1 com lesão unilateral e com intenção de fechamento (Tabela 1), para avaliar a viabilidade da técnica. Primeiramente, os pacientes foram orientados
quanto ao procedimento e tiveram termos de consentimento livre e esclarecido assinados.
A assepsia foi realizada com clorexidina alcoólica, em seguida feita a aplicação de
uma única camada uniforme de ATA 90%, com auxílio de cotonete ou palito de madeira.
Após aplicação, foi observado o frosting, notando-se uma camada branca sólida, cobrindo toda a superfície interna do orifício.
Um curativo com micropore foi realizado, aproximando-se as bordas da lesão (Figura 1). Os pacientes foram orientados sobre os cuidados locais e agendados retornos semanais
para acompanhamento.
Tabela 1 - Relação entre idade, lado comprometido, sexo, tempo de uso e diâmetro do alargador.
|
Idade |
Lado |
Sexo |
Tempo de uso |
Diâmetro |
Paciente 1 |
14 |
Bilateral |
Feminino |
2 anos |
30 mm |
Paciente 2 |
29 |
Bilateral |
Masculino |
10 anos |
18 mm |
Paciente 3 |
29 |
Bilateral |
Feminino |
8 anos |
18 mm |
Paciente 4 |
22 |
Bilateral |
Feminino |
7 anos |
16 mm |
Paciente 5 |
16 |
Esquerdo |
Masculino |
2 anos |
26 mm |
Tabela 1 - Relação entre idade, lado comprometido, sexo, tempo de uso e diâmetro do alargador.
Figura 1 - A. Paciente com alargador; B. Paciente sem alargador; C. Após a aplicação imediata de ATA; D. 2 semanas após a aplicação; E. 1 mês após a aplicação; F. 2 meses após a aplicação; G. 4 meses após a aplicação; H. 1 ano após a aplicação.
Figura 1 - A. Paciente com alargador; B. Paciente sem alargador; C. Após a aplicação imediata de ATA; D. 2 semanas após a aplicação; E. 1 mês após a aplicação; F. 2 meses após a aplicação; G. 4 meses após a aplicação; H. 1 ano após a aplicação.
RESULTADOS
Após a aplicação do produto, observou-se uma hiperemia ao redor da área onde foi aplicado
o ácido, seguida pelo frosting. A área de frosting foi substituída por uma crosta dentro de alguns dias e foi se soltando com o passar
do tempo, concomitante à redução do diâmetro da lesão. Os pacientes foram avaliados
semanalmente com registro fotográfico para documentar a evolução. Observou-se fechamento
completo das lesões em tempos conforme descrito na Tabela 2. Em apenas 1 paciente foi necessária a reaplicação do produto, que foi feita em intervalos
de 4 semanas. Os lóbulos readquiriam um formato esteticamente satisfatórios. Houve
coaptação das bordas de maneira concêntrica, devolvendo um formato arredondado aos
lóbulos, com uma cicatriz central (Figura 2).
Tabela 2 - Relação entre tempo de fechamento e número de aplicações.
|
Tempo de fechamento |
N. de aplicações |
Paciente 1 |
3 semanas |
1 |
Paciente 2 |
2 semanas |
1 |
Paciente 3 |
2 semanas |
1 |
Paciente 4 |
2 semanas |
1 |
Paciente 5 |
12 semanas |
3 |
Tabela 2 - Relação entre tempo de fechamento e número de aplicações.
Figura 2 - A. Paciente com alargador; B. Paciente sem alargador, com defeito em lóbulo de orelha direita; C. Após a aplicação imediata de ATA; D. 2 semanas após a aplicação; E. 2 meses após a aplicação; F. 1 ano após a aplicação.
Figura 2 - A. Paciente com alargador; B. Paciente sem alargador, com defeito em lóbulo de orelha direita; C. Após a aplicação imediata de ATA; D. 2 semanas após a aplicação; E. 2 meses após a aplicação; F. 1 ano após a aplicação.
DISCUSSÃO
A utilização de ATA 90% se mostrou uma opção simples e eficaz para o fechamento de
lóbulos de orelhas alargados. Pode ser uma excelente alternativa às cirurgias para
correção, que exigem tempo operatório, material cirúrgico e tem um custo mais elevado.
O procedimento pode ser realizado em consultório, em poucos minutos, sem a necessidade
de material cirúrgico ou auxiliar. O custo do procedimento é baixo, não há necessidade
de anestesia ou qualquer outro material adicional. Os pacientes não precisam de afastamento
das atividades laborais. Entendemos assim, ser essa uma técnica bastante promissora
para a solução de uma queixa frequente em nossos consultórios.
CONCLUSÃO
Apesar da nossa casuística não ser suficientemente significativa para criar uma conduta
clínica, o uso de ATA para correção de alongamento de lóbulo de orelha demonstrou
ser um procedimento de baixo risco, econômico e que não precisa de um ambiente cirúrgico
para sua execução. São necessários mais estudos para avaliar sua eficácia nos diferentes
cenários da lobuloplastia por uso de alargador.
COLABORAÇÕES
JGS
|
Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Realização das
operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Supervisão
|
DOT
|
Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia,
Redação - Revisão e Edição
|
JP
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Supervisão
|
ACN
|
Coleta de Dados, Metodologia
|
CP
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Coleta de Dados
|
FGM
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Gerenciamento do Projeto, Metodologia
|
RPG
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Gerenciamento
do Projeto
|
REFERÊNCIAS
1. Pek WS, Goh LHT, Pek CH. The rolling earlobe flap for dilated ear holes following
ear gauging: a novel approach to aesthetically preserving earlobe soft tissue. Arch
Plast Surg. 2017 Sep;44(5):453-6.
2. Collins J, Harvey J, Hilinski JM. Reconstructing the gauge earlobe defect. JAMA Facial
Plast Surg. 2015 Mar/Apr;17(2):144-8.
3. Snell BJ, Caplash Y. A novel way to repair the earlobe after ear-gauging. J Plast
Reconstr Aesthet Surg. 2013 Jan;66(1):140-1.
4. Kimura A, Kanazawa N, Li JH, Yonei N, Yamamoto Y, Furukawa F. Influence of chemical
peeling on the skin stress response system, Exp Dermatol. 2012 Jul;(21 Suppl 1):8-10.
5. Nguyen TH, Rooney JA. Trichloroacetic acid peels. Dermatol Ther. 2000;13(2):173-82.
6. Rakic L, Lapière CM, Nusgens BV. Skin. Pharmacol Appl Skin Physiol. 2000;13:52-9.
7. Yonei N, Kanazawa N, Ohtani T, Furukawa F, Yamamoto Y. Induction of PDGF-B in TCA-treated
epidermal keratinocytes. Arch Dermatol Res. 2007 Nov;299(9):433-40.
1. Hospital Irmãos Penteado, Serviço de Cirurgia Plástica Professor Dr. Ricardo Baroudi,
Campinas, SP, Brasil.
*Autor correspondente: Juliana Gulelmo Staut, Carlos Eduardo Correia de Negreiros, 50, Campinas, SP, Brasil. CEP: 13049-352. E-mail:
jgstaut@gmail.com
Artigo submetido: 08/11/2019.
Artigo aceito: 22/02/2020.
Conflitos de interesse: não há.