INTRODUÇÃO
Dentre as complicações após a palatoplastia primária, uma das mais discutidas na literatura,
é a formação de fístulas oronasais1-6. Na literatura, observa-se que a ocorrência de fístula de palato é amplamente variável,
encontrando-se autores que reportam ausência destas complicações (0%) até aqueles
que indicam uma ocorrência de 78% fístula de palato após palatoplastia primária7,8. A ampla variação da ocorrência de fístula reflete a diversidade de protocolos para
correção cirúrgica primária da fissura, mas também pode estar relacionada à falta
de consenso quanto à terminologia e a classificação de fístula conforme reportado
por profissionais de distintas áreas da saúde9.
A terminologia encontrada na literatura para classificar a fístula é bastante variada.
Estudos reportam que fístulas localizadas no palato primário (anteriores ao forame
incisivo), por exemplo, podem ser denominadas de fístula de palato, fístula de palato
anterior, fístula labioalveolar, fístula linguoalveolar e ainda fístula vestibular5,10-12. As fístulas localizadas no palato secundário (ou posteriores ao forame incisivo),
por sua vez, também podem ser denominadas fístulas de palato, observando-se variação
quanto a terminologia de acordo com a região afetada (fístula de palato duro, fístula
de transição entre o palato duro e o palato mole, fístula de palato mole)2,3,5,12,13.
Sistemas para classificação de fístula envolvendo uma abordagem sistemática para documentação
da ocorrência e do local da fístula foram descritos na literatura internacional4,14. Um nível aceitável de concordância entre avaliadores na identificação de fístula,
no entanto, pode ser difícil de alcançar mesmo quando um protocolo padronizado é implementado12. Caracterizar os aspectos onde ocorre a falta de consenso entre avaliadores durante
identificação de fístula é importante para o desenvolvimento de um protocolo padronizado
de classificação que possa ser implementado nos serviços craniofaciais brasileiros
de forma a favorecer uma documentação sistemática dos resultados da palatoplastia
primária11.
OBJETIVO
Este estudo teve o objetivo de verificar o consenso entre profissionais da cirurgia
plástica (CP) e da fonoaudiologia (FGA) quanto à ocorrência de fístula em um mesmo
serviço craniofacial.
MÉTODOS
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição
sob número 1.337.917. Este estudo envolveu uma análise quanto a presença e localização
de fístulas em dados registrados em prontuários de 466 pacientes. Os prontuários estudados
pertenciam a pacientes com fissura transforame unilateral, sem síndromes ou malformações
associadas, de ambos os sexos, submetidos à palatoplastia primária em um único estágio
pelas técnicas cirúrgicas de von Langenbeck ou Furlow. As palatoplastia primárias,
para o grupo estudado, foram realizadas no período entre 1996 e 2004. Os relatos quanto
à ocorrência de fístula, de interesse para este estudo, foram obtidos durante a avaliação
clínica e registrados nos protocolos de avaliação pós-cirúrgica nos prontuários dos
pacientes, conforme realizado rotineiramente na instituição da pesquisa, pelas áreas
da CP e FGA. Foram identificados, para este estudo, os registros de fístula registrados
(pela área da CP, pela área da FGA ou por ambas as áreas) até três anos após a palatoplastia
primária.
Neste trabalho, os registros de deiscência (parcial ou total) foram tratados como
fístula. O levantamento dos dados que constavam nas fichas de avaliação pós-cirúrgica
da cirurgia plástica deu origem ao registro de ocorrência de fístula pela área da
CP, enquanto o levantamento dos dados que constavam no protocolo de avaliação fonoaudiológica
deu origem ao registro de ocorrência de fístula pela área da FGA.
Registro clínico de fístula pela cirurgia plástica
O protocolo de avaliação pós-cirúrgica da área da cirurgia plástica, vigente no período
estudado, foi aplicado pelo cirurgião plástico que realizou uma avaliação presencial
a partir de uma inspeção oral das áreas do palato duro e mole após a palatoplastia
primária. A inspeção oral foi realizada com uso de lanterna para iluminar a área avaliada
e de espátula para abaixar a língua e possibilitar visualização de todo o palato mole.
Ao observar no palato uma região sugestiva de fístula falsa (fundo-falso) ou fístula oculta, as provas diagnósticas realizadas pelo profissional incluíram: a) iluminação com
a lanterna para verificar projeção da luz na área nasal; b) palpação/manipulação da
área irregular do palato buscando verificar fundo-falso em reentrâncias de tecido; c) uso de injeção de ar na área (usando equipo odontológico)
para verificar a passagem de ar para as narinas por meio de relato do paciente ou
observação de borbulha.
Os dados foram registrados presencialmente pelo cirurgião plástico no protocolo de
avaliação pós-cirúrgica da cirurgia plástica, incluindo as seguintes observações:
registro do método de fechamento do palato anterior e do palato mole (incisões relaxantes;
retalho vomeriano, retalho faríngeo, outros); complicações transoperatórias (esgarçamento
de retalho, sutura sobtensão; revisão de hemostasia, outras) e complicações pós-operatórias
(fístula ou deiscência; infecção, outras). Nos casos de fístula o protocolo de avaliação
também solicita a indicação da área afetada e o desenho da ocorrência em um diagrama
do palato (conforme consta na ficha de avaliação). Do protocolo de avaliação pós-cirúrgica
da área da CP, portanto, identificou-se para o presente estudo o registro quanto à
presença e a localização de fístula no palato.
Registro clínico de fístula pela fonoaudiologia
O protocolo de avaliação da área da fonoaudiologia, vigente no período estudado, foi
aplicado por uma fonoaudióloga no mesmo dia em que foi aplicado o protocolo de avaliação
pós-cirúrgica da CP. Para a inclusão no estudo, portanto, todos os pacientes tiveram
as avaliações da CP e FGA realizadas presencialmente independentemente por cada área,
no mesmo dia.
Durante a avaliação, a fonoaudióloga realizou uma inspeção das áreas do palato duro
e mole usando um lanterna para iluminar a área avaliada e uma espátula para abaixar
a língua de forma a visualizar todo o palato mole, incluindo a úvula. Nos casos de
identificação de área sugestiva de fístula falsa ou oculta a fonoaudióloga reencaminhou o paciente para realização das provas diagnósticas pelo
cirurgião plástico de iluminação, palpação e/ou injeção de ar.
Os dados foram registrados presencialmente pela fonoaudióloga no protocolo de avaliação
da fonoaudiologia incluíram as seguintes informações com relação à fístula: ausente;
vestibular à direita; vestibular à esquerda; no palato duro; no palato mole; na região
de transição do palato duro para o palato mole. Do protocolo de avaliação da área
da FGA, portanto, identificou-se para o presente estudo o registro quanto a presença
e localização de fístula.
Avaliação padrão ouro de ocorrência de fístula (POF)
Uma vez coletados os dados dos protocolos das áreas da CP e da FGA, observou-se divergência
nos registros entre as áreas, e optou-se por aplicar uma avaliação padrão ouro de
ocorrência de fístula (POF). Para a avaliação POF, definiu-se fístula como uma falha
de cicatrização ou uma ruptura da sutura, observada após o reparo primário do palato.
Ou seja, após uma tentativa de reparo dos tecidos na área da fissura de palato ocorreu
abertura indesejada das suturas.
A avaliação POF foi realizada por um único profissional da área da cirurgia plástica,
com mais de 30 anos de experiência clínica na correção cirúrgica do palato e na avaliação
pós-palatoplastia. A POF não foi realizada presencialmente e foi baseada na análise
de todos os registros documentados nos prontuários sobre fístula e também na análise
de imagens fotográficas da fístula, quando existentes. Salienta-se, no entanto, que
na época da avaliação pós-cirúrgica dos casos estudados, os registros fotográficos
das fístulas, apesar de indicados, não foram feitos de forma padronizada nem foram
obtidos para todos os casos. As fotografias existentes no acervo institucional foram
realizadas pelo fotógrafo da instituição e não pelos profissionais das áreas da CP
e da FGA, e estas imagens foram utilizadas de forma complementar ao levantamento dos
registros de fístula do prontuário.
No prontuário foram consultados todos os protocolos documentais existentes onde pudesse
estar registrado a ocorrência de fístula. Ou seja, além da consulta realizada nos
protocolos da CP e da FGA (objetos deste trabalho), foram analisadas as documentações
de outras áreas (enfermagem, pediatria e odontologia). Para a análise das fotografias
o profissional da cirurgia plástica que realizou a avaliação POF usou o forame incisivo
(FI) como marco anatômico1 e agrupou as fístulas de acordo com a localização das mesmas em relação ao FI, indicando,
portanto, se as ocorrências eram anteriores ou posteriores ao FI.
Os achados obtidos a partir da análise de todos os registros documentais do prontuário
mais os achados da análise das fotografias existentes foram combinados estabelecendo-se
a avaliação padrão-ouro da ocorrência de fístula (POF). A POF foi a ferramenta usada como referência para interpretação dos achados
registrados individualmente nos protocolos das áreas da CP e da FGA, permitindo aos
pesquisadores corroborar e comparar os achados deste estudo. De acordo com a POF os
466 pacientes foram agrupados em quatro categorias, quanto à existência e localização
de fístula após palatoplastia primária, incluindo: Grupo 1: pacientes que não apresentaram
fístula (N=302; 65%); Grupo 2: pacientes com fístulas localizadas em área anterior
ao forame incisivo (N=91, 20%); Grupo 3: pacientes com fístulas localizadas em área
posterior ao forame incisivo (N=43; 9%); Grupo 4: pacientes com fístulas abrangendo
área anterior e posterior ao forame incisivo (N=30; 6%). Ou seja, enquanto a maioria
dos pacientes não apresentou fístula (65%), um total de 164 (35%) pacientes apresentou
algum tipo de fístula no palato conforme indicado na POF. Das 164 fístulas identificadas
na avaliação POF, 78 (17%) ocorreram em pacientes que receberam o procedimento de
Furlow e 86 (18%) ocorreram em pacientes que receberam o procedimento de von Langenbeck.
Salienta-se, no entanto, que dados sobre a amplitude transversal da fissura, sobre
a técnica cirúrgica e sobre o cirurgião na palatoplastia primária não foram objetos
deste estudo.
Os dados apresentados a seguir incluem as porcentagens de ocorrência de fístula relatadas
pelas áreas de CP, de FGA e pela POF. A concordância entre os achados foi verificada
com estatística Kappa.
RESULTADOS
Ao analisar os dados obtidos nos registros da área da CP, observou-se que os cirurgiões
reportaram que 275 pacientes (59%) não apresentaram fístulas, 117 pacientes (25%)
apresentaram algum tipo de fístula e 74 pacientes (16%) não apresentaram registros
sobre a presença ou ausência de fístula (sem dados). Dos 117 pacientes que tiveram
fístula reportada pelo CP, 48 pacientes (10%) não tinham indicação do local (dados
incompletos), 31 pacientes (7%) apresentaram fístulas na região anterior ao FI, 32
pacientes (8%) apresentaram fístula na região posterior ao FI e 6 pacientes (1%) apresentaram
fístulas envolvendo ambas regiões, anterior e posterior ao FI.
A mesma análise foi feita para os registros na área da FGA observando-se, que as fonoaudiólogas
reportaram 295 pacientes (63%) sem fístulas e 171 pacientes (37%) com algum tipo de
fístula. Dos 171 pacientes que apresentaram fístula, 69 pacientes (15%) não tinham
indicação do local (dados incompletos), 73 pacientes (15,6%) eram fístulas na região
anterior ao FI, 27 pacientes (6%) eram fístulas na região posterior ao FI e 2 pacientes
(0,4%) eram fístulas envolvendo as duas regiões, anterior e posterior ao FI.
Conforme apresentado na Tabela 1, a avaliação padrão ouro da ocorrência de fístula (POF) identificou fístula em 164
pacientes (35% casos estudados), diferindo da área da fonoaudiologia e de cirurgia
plástica que reportaram 171 (37%) e 117 (25%) casos com fístula, respectivamente.
Ou seja, quando foram considerados os achados reportados no protocolo específico da
cirurgia plástica a ocorrência de fístula foi 10% menor que a ocorrência observada na POF. E quando foram considerados os achados reportados
no protocolo específico da fonoaudiologia a ocorrência de fístula foi 2% maior que a ocorrência observada na POF.
Tabela 1 - Presença e localização de fístulas nos registros dos profissionais da cirurgia plástica
(CP), da fonoaudiologia (FGA) e na avaliação padrão ouro da ocorrência de fístula
(POF).
N=466 |
Sem Fístula |
Total de Fístula
|
Fístula Anterior ao FI
|
Fístula Posterior ao FI
|
Anterior e Posterior ao FI
|
Dado Incompleto
|
Sem Dados |
CP |
275 (59%) |
117 (25%) |
31 (6%) |
32 (7%) |
6 (2%) |
48 (10%) |
74 (16%) |
FGA |
295 (63%) |
171 (37%) |
73 (16%) |
27 (5%) |
2 (1%) |
69 (15%) |
0 |
POF |
302 (65%) |
164 (35%) |
91 (20%) |
43 (9%) |
30 (6%) |
0 |
0 |
Tabela 1 - Presença e localização de fístulas nos registros dos profissionais da cirurgia plástica
(CP), da fonoaudiologia (FGA) e na avaliação padrão ouro da ocorrência de fístula
(POF).
Observou-se também que a indicação da localização da fístula (anterior ou posterior
ao FI) não foi possível para 48 casos avaliados pela CP devido a dados incompletos.
Ou seja, 10% das fístulas identificadas pela CP não tiveram indicação do local de
ocorrência (dados incompletos). Ainda analisando os achados da CP, verificou-se que
74 pacientes (16%) não tiveram registro quanto à ausência ou presença de fístula (sem
dados). Os dados levantados nos protocolos da FGA, por sua vez, não permitiram a identificação
da localização da fístula para 69 (15%) casos devido a dados incompletos. Não houve
caso sem informação sobre a presença ou ausência de fístula na avaliação da FGA.
A concordância e discordância entre os achados da POF, da CP e da FGA foram apresentadas
em porcentagens e comparadas com estatística Kappa. Os dados reportados na Tabela 2 indicam que os achados quanto à identificação e localização de fístula relatados
nos prontuários pelos cirurgiões plásticos concordaram com a avaliação POF em 59,7%
dos casos, enquanto os registros dos fonoaudiólogos concordaram com a avaliação POF
em 79,6% dos casos. Segundo estatística Kappa, observou-se uma concordância regular entre a POF e os relatos da área da CP (r=0,32) e uma concordância substancial entre a POF e os relatos da área da FGA (r=0,63).
Tabela 2 - Porcentagem de concordância e discordância entre os achados da cirurgia plástica (CP),
da fonoaudiologia (FGA) e da avaliação padrão ouro da ocorrência de fístula (POF).
POF |
Cirurgia Plástica (r=0,32)
|
Fonoaudiologia (r=0,63)
|
CP Concorda |
CP Discorda |
FGA Concorda |
FGA Discorda |
Sem Fístula (N=302) |
233 (77,2%) |
69 (22,8%) |
285 (94,4%) |
17 (5,6%) |
"Fístula Anterior ao FI (N=91)" |
19 (20,9%) |
72 (79,1%) |
65 (71,4%) |
26 (28,6%) |
"Fístula Posterior ao FI (N=43)" |
21 (48,8%) |
22 (51,2%) |
20 (46,5%) |
23 (53,5%) |
"Anterior+Posterior FI (N=30)" |
5 (16,7%) |
25 (83,3%) |
1 (3,3%) |
29 (96,6%) |
Total |
278 (59,7%) |
188 (40,3%) |
371 (79,6 %) |
95 (20,4%) |
Tabela 2 - Porcentagem de concordância e discordância entre os achados da cirurgia plástica (CP),
da fonoaudiologia (FGA) e da avaliação padrão ouro da ocorrência de fístula (POF).
Nota-se que a maior porcentagem de concordância entre os profissionais das áreas da
CP e FGA, com a POF foi observada para os casos onde houve ausência de fístula, sendo
77,2% para a área da CP e 94,4%, para a área da FGA. A maior porcentagem de discordância
com a POF foi para o grupo de fístulas que envolveram tanto a área anterior quanto
posterior ao FI, sendo 83,3% para a área da CP e 96,6% para a área da FGA.
DISCUSSÃO
Os dados do presente estudo refletem discordância entre as áreas da cirurgia plástica
e da fonoaudiologia, em um mesmo centro craniofacial, ao reportarem ocorrência e a
localização de fístula após palatoplastia primária. A dificuldade para interpretar
dados oriundos de prontuários e a falta de informação quanto à ocorrência ou localização
de fístula justifica estes achados e foi mencionada em outros estudos4,5,10,11,13,15,16.
Comparar os achados sobre a ocorrência de fístula observados neste estudo com os achados
reportados na literatura é tarefa complexa, uma vez que, segundo a área da CP, um
total de 25% dos 466 pacientes apresentou fístula e segundo a área da FGA um total
de 37% apresentou fístula. A avaliação POF, por sua vez, sugeriu que um total de 35%
dos casos apresentou fístula. Essa discordância pode ser explicada tanto pela ausência
de dados quanto pelos dados incompletos agravados pela discordância quanto à terminologia
para indicar o local da fístula.
Por se tratar de pacientes com fissura transforame, era esperado que a maior incidência
de fístula ocorresse na região pré-forame incisivo, o que foi documentado neste estudo
pela área da FGA e na avaliação POF. A área da CP, por sua vez, nem sempre considera
a fístula pré-forame incisivo uma complicação cirúrgica, uma vez que a “fístula intencional”
pode ser resultado de uma decisão clínica tomada no momento da cirurgia dependendo
da amplitude transversal da fissura e do procedimento cirúrgico sendo executado, o
que justifica, em parte, a ausência de dados para 74 pacientes observada nos protocolos
preenchidos pela área da CP. Salienta-se, ainda que quando a fístula pré-forame incisivo
acomete apenas a região vestibular, o exame de inspeção e as fotografias intraorais
podem não ser suficientes para a correta identificação deste tipo de fístula. Uma
documentação padronizada, sistemática e consecutiva dos resultados das cirurgias,
portanto, deve ser estabelecida pela equipe interdisciplinar, pois é essencial e necessária
para a identificação de complicações cirúrgicas.
A força tarefa conhecida como “Task Force Beyond Eurocleft”17, relata a importância de estudos multicêntricos (nacionais e internacionais) para
documentar os resultados do gerenciamento da fissura labiopalatina, de forma que se
possa estabelecer evidências científicas que substanciem o uso de protocolos de tratamento
com resultados aceitáveis mundialmente. A ausência de um protocolo padronizado e validado
para documentação de complicações após cirurgias primárias na fissura labiopalatina
no Brasil justifica, em parte, a existência de relatos divergentes e também torna
a realização de estudos comparativos entre diferentes centros craniofaciais uma tarefa
complicada.
A avaliação padrão ouro da ocorrência de fístula usada como ferramenta para comparar
os achados deste estudo deve ser considerada com cautela, uma vez que, além de não
ser uma avaliação realizada presencialmente, considerou dados de várias áreas do prontuário
(além da CP e FGA) combinados aos achados da análise de fotografias. Salienta-se também
que as fotografias intraorais não foram obtidas para todos os casos (com fístula e
também sem fístula). Ou seja, todos os 466 casos deveriam ter imagens fotográficas
intraorais obtidas por meio de protocolo padronizado e com controle de qualidade.
A falta de uma terminologia única e de um protocolo de avaliação pós-cirúrgica padronizado
e usado em consenso pelas áreas da CP e FGA, portanto, justifica a divergência encontrada
neste estudo.
Além das limitações metodológicas com relação às imagens fotográficas que não foram
obtidas para todos os 466 casos e quanto à avaliação POF não ter sido realizada presencialmente,
salienta-se também que informações sobre a amplitude transversal da fissura e sobre
o cirurgião na palatoplastia primária não foram objeto deste estudo.
Independente das limitações existentes na metodologia implementada no presente estudo,
os presentes dados evidenciaram a falta de consenso quanto aos relatos de fístula,
sugerindo que uma documentação sistemática e adequada dos resultados da palatoplastia
primária somente será possível a partir de um registro fidedigno dos achados clínicos
registrados de forma interprofissional, presencial e também com registro de imagens
fotográficas. Sugere-se, portanto, a necessidade de estabelecer e validar um protocolo
de classificação de fístula, que possa ser aplicado tanto durante a inspeção oral
presencial quanto a partir de análise de fotografias intraorais (as quais devem ser
obtidas para todos os casos: com e sem fístula).
CONCLUSÃO
Observou-se neste estudo a existência de discordância entre as áreas da fonoaudiologia
e da cirurgia plástica quanto à ocorrência e localização da fístula após a palatoplastia
primária, em um mesmo centro craniofacial. Os dados apontam para a necessidade de
ajustes nos protocolos de avaliação de forma a considerar-se a terminologia e localização
da fístula.
Sugere-se ser essencial a criação e implementação de um sistema de classificação de
fístula padronizado, que possa ser utilizado de forma efetiva, consecutiva e sistemática,
por equipes craniofaciais, de forma a favorecer estudos multicêntricos que possam
estabelecer evidências científicas dos resultados do tratamento da fissura labiopalatina.
COLABORAÇÕES
MFJ
|
Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, aprovação final do manuscrito,
coleta de dados, concepção e desenho do estudo, gerenciamento do projeto, metodologia,
redação - preparação do original, redação - revisão e edição.
|
GAP
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, coleta de dados,
redação - preparação do original, redação - revisão e edição.
|
TVSB
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, coleta de dados,
redação - preparação do original, redação - revisão e edição.
|
HLAS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, coleta de dados,
metodologia, redação - revisão e edição.
|
JCRD
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Redação - Preparação do original,
Redação - Revisão e Edição, Supervisão
|
REFERÊNCIAS
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1. Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo,
Bauru, SP, Brasil.
2. Universidade de São Paulo, Bauru, SP, Brasil.
*Autor correspondente: Jeniffer de Cassia Rillo Dutka Rua Silvio Marchione, nº3-20, Vila Nova, Cidade Universitária, Bauru, SP, Brasil.
CEP: 17012-900 E-mail: jdutka@usp.br
Artigo submetido: 27/06/2019.
Artigo aceito: 29/02/2020.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de
São Paulo, Bauru, SP, Brasil.