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Supplement Symposium Miner of Intercurrences 13th SYMPOSIUM - 2019 - Year2019 - Volume34 - (Suppl.2)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0097

RESUMO

As complicações pelo uso de preenchedores a base de ácido hialurônico podem ser decorrentes de inexperiência do injetor, técnica incorreta ou inerente ao próprio produto. As infecções de partes moles, comumente, ocorrem nas primeiras duas semanas da aplicação do produto. O caso relatado apresenta uma paciente feminina que se submeteu ao preenchimento com ácido hialurônico, na face, por profissional da saúde não médico. Evoluiu com sinais flogísticos no segundo dia após a aplicação, com piora significativa do quadro, edema e rubor facial, e abscessos bilaterais até o sétimo dia, necessitando de drenagem cirúrgica e antibioticoterapia endovenosa. Apresentou melhora importante do quadro após cinco dias de internação, terminando o tratamento no domicílio, com resolução completa do quadro. Apesar de serem complicações pouco frequentes, as infecções de partes moles devem ser precoce e adequadamente abordadas devido ao alto risco de desenvolver biofilme, que é uma entidade de tratamento mais difícil. Por isto, este procedimento deve ser realizado por profissional médico capacitado.

Palavras-chave: Preenchedores dérmicos; Ácido hialurônico; Complicações; Celulite; Abscesso


INTRODUÇÃO

Os preenchimentos faciais têm se popularizado nos últimos anos. Esse aumento da demanda levou a um crescente número de profissionais que buscam capacitação para realizá-los. Atualmente, os preenchimentos faciais com ácido hialurônico (AH) têm sido realizados por profissionais da área da saúde não médicos, havendo um grande aumento da oferta destes procedimentos, levando inclusive a uma desvalorização desses serviços. Ao mesmo tempo que se realizam mais procedimentos, o volume de complicações tende a aumentar em proporção inversa à quantidade de profissionais habilitados e capacitados a resolvê-las.

As complicações pelo uso de preenchedores à base de AH podem ser decorrentes de inexperiência, técnica incorreta ou inerente ao próprio produto1. Podem ser divididas em precoces (até 14 dias) e tardias. Nas complicações precoces temos eritema, edema, equimose, hematoma, necrose e nódulos; enquanto nas complicações tardias podem ocorrer os granulomas e as cicatrizes hipertróficas2. O profissional médico, notadamente o cirurgião plástico, é comumente procurado para abordar tais complicações, havendo uma necessidade de não apenas aprender as técnicas de preenchimento, como também suas intercorrências, pois, em última análise, é uma característica que o diferencia no mercado.

OBJETIVOS

Apresentar o caso de abscesso de face após preenchimento com ácido hialurônico realizado por profissional não médico e realizar uma breve revisão na literatura à sua abordagem.

MÉTODO

Este trabalho é baseado no relato de caso com revisão do prontuário da paciente atendida em clínica privada e no Hospital Beneficente Portuguesa de São José do Rio Preto, SP, Brasil, no ano de 2018. A revisão da literatura foi possível a partir da busca de artigos afins nos periódicos PubMed e LILACS.

Não foram observados conflitos de interesse, tampouco foram verificadas fontes de financiamento. Foram seguidos os princípios da Declaração de Helsinque, revisada de 2000, e da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. A paciente recebeu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e autorizou a divulgação das imagens com objetivos científicos.

RELATO DE CASO

Paciente A.R.V., 53 anos, feminina, natural e procedente da cidade de São José do Rio Preto, SP, veio em consultório com queixa de dor, hiperemia e aumento de volume em face uma semana após ser submetida a procedimento estético com ácido hialurônico, em face, por dentista. A mesma relatou que este profissional realizou o procedimento em consultório, aplicando em região malar e sulco nasogeniano. No entanto, no segundo dia após o preenchimento, a paciente evoluiu com dor e edema em hemiface esquerda, evoluindo para o lado direito no terceiro dia. Ela entrou em contato com a dentista que manteve conduta expectante, sem mencionar retorno. Edema e eritema foram progredindo. Houveram outras tentativas de contato sem sucesso, quando optou por procurar o cirurgião plástico (Figura 1). Paciente é hipertensa, não é diabética, nem fumante, não tem alergias e passou por uma cesariana há 30 anos sem intercorrências.

Figura 1 - Sétimo dia de preenchimento.

No exame físico no sétimo dia após o procedimento, a paciente encontrava-se em bom estado geral e afebril, com sinais flogísticos em topografia do sulco nasogeniano bilateral, associado a nódulos dolorosos a palpação, sem flutuação. Na ocasião, foi iniciada ciprofloxacina 500 mg, 12/12 h, por 7 dias, associada a dexametasona 4 mg, 6/6h, por 5 dias, e analgésico, por via oral, em regime ambulatorial.

No décimo dia do procedimento, evoluiu com uma piora importante do edema, eritema e dor em hemiface direita, que se estendeu para todo o terço médio do lado, ocupando o subcutâneo da pálpebra inferior direita à mandíbula do mesmo lado, levando a distopia do ângulo da boca, alterando a mastigação, associado a picos febris recorrentes no decorrer do dia (Figura 2). Havia flutuação em região de sulco nasogeniano, permitindo que fosse realizada drenagem por incisão direta e expressão do conteúdo.

Figura 2 - Décimo dia de preenchimento.

Foi necessária internação hospitalar, início de antibioticoterapia endovenosa (ceftriaxona 2 g/dia e clindamicina 600 mg, 6/6 h, dexametasona 10 mg, 6/6 h, associada a analgésicos). A paciente foi mantida internada por cinco dias, quando teve alta hospitalar após melhora importante do edema, das funções orais, mantendo sem febre (Figura 3). Continuou com antibioticoterapia dupla (ciprofloxacina e clindamicina orais) por mais sete dias, com resolução completa do quadro.

Figura 3 - Décimo sétimo dia de preenchimento.

DISCUSSÃO

Felizmente, as complicações por preenchedores são raras; no entanto, não exime do injetor, adequadamente treinado e qualificado, a responsabilidade de realizar o procedimento com técnicas adequadas de limpeza da pele, uso adequado e cuidadoso das cânulas e agulhas, e saber atuar nos eventos adversos3. Além disso, antes do procedimento, deve ser realizada uma anamnese direcionada incluindo histórico de alergias, infecções, sangramento e reações adversas. Em geral, os preenchedores devem ser evitados em caso de infecção ativa em área próxima (intraoral, envolvendo mucosas, dental ou mesmo sinusite), processo inflamatório adjacente, imunossupressão, alergia aos componentes do preenchedor ou lidocaína, gravidez e amamentação4. No caso de foco de infecção ativo ou vigência de tratamento odontológico, é recomendável adiar o preenchimento, pois tais tratamentos podem causar bacteremia transitória, a qual, já comprovadamente, possui impacto sistêmico e pode causar doenças, bem como, teoricamente, provocar colonização do preenchimento e a formação de biofilme de bactérias5.

O procedimento é realizado de maneira limpa, mas nunca será completamente estéril, pois apesar de usar a clorexidina 2% e alcoólica para a limpeza, luvas, campos e gazes estéreis, a agulha pode passar por uma glândula sebácea contendo bactérias, e ainda pode haver contaminação hematogênica devido a uma bacteremia acidental por uma escovação dentária ou uso do fio dental6. É recomendado ainda não utilizar maquiagem não estéril nas primeiras quatro horas após o procedimento4.

As infecções de início precoce apresentam endurecimento, eritema, sensibilidade e prurido, e podem ser indistinguíveis da resposta transitória pós-procedimento, mas, posteriormente, podem ocorrer nódulos flutuantes e sintomas sistêmicos. As infecções normalmente são relacionadas com a flora residente (Staphylococcus ou Streptococcus spp.), introduzida pela injeção; estas bactérias são capazes de utilizar o ácido hialurônico como substrato6.

Deve ser realizada drenagem do abscesso e cultura microbiológica, com tratamento preferencialmente guiado por esta. No entanto, como terapia inicial, necessita de escolha antibiótica empírica, pela urgência do caso7. Pode ser usada a amoxicilina com clavulanato, cefalexina ou até ciprofloxacina para os pacientes alérgicos à penicilina. Inicialmente, deve ser realizada medicação via oral, podendo ser necessária a associação de antibióticos e mudança da via de administração (endovenosa) a partir da gravidade do caso, e guiada por cultura6. A extensão da antibioticoterapia pode durar até 4 a 6 semanas, podendo ser associados esteroides via oral9. No caso relatado, pela evolução dos sintomas sistêmicos, como também pela progressão das manifestações locais, a equipe julgou necessário realizar terapia antibiótica dupla endovenosa, que se manteve após resultado da cultura.

Em infecções mais duradouras, recorrentes ou com má resposta aos antibióticos, devem ser considerados infecções atípicas e biofilmes8. Estes, são constituídos por uma matriz segregada por bactéria, de consistência firme, resistente à antibioticoterapia e ao sistema imune3. São também de difícil diagnóstico, uma vez que a maioria das culturas são negativas, necessitando de estudos moleculares (Algoritmo 1)10. Deve-se incluir, no mínimo, duas medicações: ciprofloxacina e macrolídeo (claritromicina), durante até 6 semanas. A hialuronidase e esteroides intralesionais devem ser considerados e, em último caso, excisão cirúrgica da lesão.

Algoritmo 1 - Manejo das complicações associadas ao biofilme. (Retirada de: Constantine RS, Constantine FC, Rohrich RJ. The ever-changing role of biofilms in plastic surgery. Plast Reconstr Surg. 2014; 133:865e.10)

CONCLUSÃO

Apesar das complicações com os preenchedores serem raras, elas devem ser conhecidas pelo profissional que realiza o procedimento. O caso relatado exemplificou que o médico, notadamente o cirurgião plástico, é comumente procurado em intercorrências pelo uso de preenchedores, diferenciando-o no mercado.

REFERÊNCIAS

1. Carruthers J, Carruthers A, Humphrey S. Introduction to fillers. Plast Reconstr Surg. 2015; 136:120S.

2. Crocco EI, Alves RO, Alessi C. Eventos adversos do ácido hialurônico injetável. Surg Cosmet Dermatol. 2012; 4(3):259-63.

3. Rzany B, DeLorenzi C. Understanding, avoiding, and managing severe filler complications. Plast Reconstr Surg. 2015; 136:196S. DOI: 10.1097/PRS.0000000000001760.

4. Parada MB, Cazerta C, Afonso JPJM, Nascimento DIS. Manejo das complicações dos preenchedores dérmicos. Surg Cosmet Dermatol. 2016; 8(4):342-51. DOI: 10.5935/scd1984-8773.201684897.

5. Parahitiyawa NB, Jin LJ, Leung WK, Yam WC, Samaranayake LP. Microbiology of odontogenic bacteremia: beyond endocarditis. Clin Microbiol Rev. 2009; 22(1):46-64.

6. Cassuto D, Sundaram H. A problem-oriented approach to nodular complications from hyaluronic acid and calcium hydroxylapatite fillers: classification and recomendations for treatment. Plast Reconstr Surg. 2013; 132:48S. DOI: 10.1097/PRS.0b013e31829e52a7.

7. Signorini M, Liew S, Sundaram H, Boulle KL, Goodman GJ, Monheit G, Wu Y, Almeida ART, Swift A, Braz AV. Global Aesthetics Consensus: avoidance and management of complications from hyaluronic acid fillers - evidence and opinion-based review and consensus recomendations. Plast Reconstr Surg. 2016; 137:961e. DOI: 10.1097/PRS.0000000000002184.

8. Rohrich RJ, Monheit G, Nguyen AT, Brown SA, Fagien S. Soft-tissue filler complications: the important role of biofilms. Plast Reconstr Surg. 2010; 125(4):1250-6. DOI: 10.1097/PRS.0b013e3181cb4620.

9. Wilson AJ, Taglienti AJ, Chang CS, Low DW, Percec I. Current applications of facial volumization with fillers. Plast Reconstr Surg. 2016; 137:872e. DOI: 10.1097/PRS.0000000000002238.

10. Constantine RS, Constantine FC, Rohrich RJ. The ever-changing role of biofilms in plastic surgery. Plast Reconstr Surg. 2014; 133:865e. DOI: 10.1097/PRS.0000000000000213.











1. Hospital Beneficência Portuguesa, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
2. Clínica Nuamces Cirurgia Plástica, São José do Rio Preto, SP, Brasil.

Endereço Autor: Alexandre Rezende Veloso Rua José Polachini Sobrinho, nº400 - São José do Rio Preto, SP, Brasil CEP 15084-160 E-mail: veloso.ar@gmail.com

 

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