ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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35ª Jornada Sul Brasileira de Cirurgia Plástica - Year2019 - Volume34 - (Suppl.1)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0053

ABSTRACT

Introduction: Moebius syndrome is characterized by severe impairment of the VI and VII cranial nerves, disturbing the facial movements and causing convergent strabismus. The aim of this paper is to demonstrate a variation of the Labbé technique that incorporates muscle elongation through palmaris longus tendon bilaterally.
Method: Patient's main complaint was severe drooling related to the loss of mouth continence. Restoration of the perioral region was performed with a modification of the Labbé technique associating bilateral long palmar muscle tendon graft. Result was compared to other techniques currently used to treat the congenital facial paralysis.
Results: Perioral tonus was reestablished through means of the temporalis orthodromic muscle elongated with the palmaris longus tendon, and a certain degree of mouthy corner elevation was also obtained.
Conclusions: The modification of the original procedure adding the palmaris longus tendon to both sides of the face may represent an alternative in cases of severe drooling in Moebius syndrome patients.

Keywords: Moebius syndrome; Tendon transfer; Facial expression

RESUMO

Introdução: A síndrome de Moebius se caracteriza por alterações do VI e VII pares cranianos, o que acarreta uma paralisia do músculo reto lateral dos olhos e a paralisia facial, sobretudo no que se refere ao movimento da boca. O objetivo deste trabalho é demonstrar uma variação da técnica de Labbé que pode auxiliar no tratamento da paralisia relacionada à síndrome de Moebius, em casos selecionados.

Método: Relato de caso. O paciente queixava-se sobretudo da perda de saliva, não se preocupava com a falta de sorriso na face. Foi realizada reanimação da região perioral com uma modificação da técnica de Labbé associando enxertia de tendão do músculo palmar longo bilateral. O resultado obtido foi comparado com o de outras técnicas utilizadas atualmente.

Resultados: Houve restabelecimento do tônus perioral e elevação voluntária do ângulo da boca comandados pelo músculo temporal.

Conclusão: A modificação da técnica de Labbé incorporando o tendão do músculo palmar longo pode representar uma alternativa de tratamento em casos de perda de saliva na síndrome de Moebius.

Palavras-chave: Transferência de tendão; Síndrome de Moebius; Expressão facial


INTRODUÇÃO

A síndrome de Moebius caracteriza-se pela paralisia congênita e não progressiva da face, que afeta sobretudo os pares cranianos VI e VII1. Na maioria das vezes bilateral, acarreta a aparência facial pouco expressiva e um estrabismo convergente1. A alteração na face é percebida ainda na infância, observando o fechamento incompleto da pálpebra quando o indivíduo está dormindo, falta de sorriso e mímica facial, e dificuldade de sucção2,8. No presente relato, demonstramos de que forma a transferência ortodrômico do músculo temporal realizada pela técnica de Labbé, que utiliza a moiplastia do músculo temporal, pode ser associada ao enxerto de tendão do músculo palmar longo com o objetivo de restabelecer a continência oral.

OBJETIVO

Demonstrar uma variação da técnica de mioplastia do músculo temporal associada com enxerto de tendão do músculo palmar longo bilateral em um paciente com síndrome de Moebius que apresentava excessiva perda de saliva.

MÉTODO

HFS, 16 anos, masculino, natural de Porto Alegre, portador de paralisia facial congênita bilateral e síndrome de Moebius, sem outras comorbidades, procurou auxílio por queixa de excessiva perda de saliva. No exame físico apresentava hipomimia facial com a perda de movimentos da região perioral e queda do lábio inferior, com excessiva perda de saliva devido à incontinência oral (Figura 1). De forma interessante, não se queixava da falta de sorriso na face. A avaliação cognitiva demonstrou-se dentro da normalidade. O paciente não desejava a abordagem na face para o transplante microcirúrgico do músculo grácil – técnica inicialmente sugerida – porque tinha receio do aspecto da cicatriz. Foram claramente explicados os limites de incursão do sorriso com cada tipo de procedimento que poderia ser realizado. Após obtenção do consentimento informado, foi proposta a melhoria da continência oral e mimetização do sorriso por meio da transferência muscular ortodrômica do músculo temporal (Figura 3), pela técnica de Labbé e Huault, associada a enxertia de tendão do músculo palmar longo, bilateral (Figura 2). O tempo cirúrgico foi de aproximadamente três horas. O procedimento cirúrgico consistiu de abordagem na região temporal bilateral, com dissecção ao nível do músculo temporal, liberando do ângulo do zigoma, sem realização de fratura. No momento da liberação muscular, grande atenção deve ser tomada a fim de evitar lesão da artéria temporal profunda a esse nível. O músculo temporal liberado cerca de 3 cm foi alongado com o auxílio de enxerto de 20 cm de tendão do músculo palmar longo, de cada lado, para cada hemiface, que cuidadosamente foi suturado ao modíolo da boca. Ao final do procedimento, o ângulo da boca esboçava um sorriso em repouso, com uma incursão de cerca de 4 cm. Após três semanas, foi iniciada a fisioterapia, com movimentos ativos e passivos, para aumento da incursão do sorriso. O resultado obtido foi comparado com as fotografias e vídeos obtidos antes do procedimento, após um mês, após oito meses do procedimento e comparado com o de outras técnicas utilizadas atualmente no tratamento da paralisia facial da síndrome de Moebius e excesso de perda de saliva (Figura 4).

Figura 1 - Paciente em avaliação pré-operatória. Exame físico evidenciando hipomimia facial com a perda de movimentos da região perioral.
Figura 2 - Enxerto de tendão do músculo palmar longo suturado ao modíolo da boca.
Figura 3 - Transferência muscular ortodrômica do músculo temporal, pela técnica de Labbé.
Figura 4 - Paciente pós-operatório – Incursão de sorriso simétrico e univetorial.

RESULTADOS

O paciente referiu suspensão da perda de saliva que se acumulava no vestíbulo da boca imediatamente após o procedimento, e esse grau de continência oral se manteve durante todo o período de acompanhamento do caso. Não foi observado sangramento, seroma ou infecção no presente caso. Com o advento da fisioterapia iniciada, a incursão do sorriso de ambos os lados foi melhorando, passando de 4 cm no pós-operatório imediato para 6 cm após cerca de 45 dias. Houve bastante dificuldade em estimular o paciente a realizar os exercícios diários para estimular o sorriso, que precisava ser comandado de forma voluntária pela contração do músculo temporal bilateral. Após cerca de 8 meses, o sorriso obtido foi de cerca de 8 cm de cada lado, simétrico, univetorial, voluntário e não espontâneo. O paciente demostrou satisfação em relação à queixa inicial de perda de saliva. O regime de fisioterapia foi mantido, sobretudo com vistas à melhoria da incursão do ângulo da boca.

DISCUSSÃO

Os primeiros casos de síndrome de Moebius foram descritos por Von Graeef em 1880, Harlan em 1881 e Chisolm em 18824. De 1888 a 1892, Moebius descreveu 43 casos que apresentavam paralisia dos nervos cranianos, identificando um subgrupo de seis pacientes com alterações dos nervos facial e abducente5. Desde então, Moebius ficou associado a essa condição5.

Condição rara, caracterizada por paralisia do VI e VII pares cranianos, na maioria dos casos bilateral, resultando em uma mímica facial inexpressiva e estrabismo convergente. Além disso, há outras manifestações de nervos cranianos como ptose palpebral, disfonia, disfagia, atrofia da língua e até deficiência mental6. Apresenta espectros de sintomatologia: desde alterações já descritas, como acometimento de malformações esqueléticas – migrognatia a aplasia de peitoral; defeitos de dentes, cardíacos, pulmonares e renais7. Paciente apresentava o quadro clássico de paralisia facial, no entanto sem repercussão de outros nervos cranianos ou alterações cognitivas; sem acometimento de músculo esquelético.

As manifestações orofaciais decorrentes da síndrome de Moebius são várias como hipoplasia dentária, cárie, doença periodontal, úvula bífida, dificuldade no momento de execução de movimentos excursivos das maxilas, ausência de tônus dos músculos da face e também da língua, entre outros9. Nesse contexto, a indicação da cirurgia proposta por Labbé, a fim de restabelecer a continência da região perioral; uma vez que o paciente apresentou a queixa de sialorreia associada à queda do lábio inferior quando compareceu a consulta.

Gillies, na década de 30, descreveu a técnica de alongar o terço médio do músculo temporal e rodar sobre o arco zigomático, usando um fragmento de fáscia lata10. Em 1949, McLaughlin, utilizou todo o músculo após secção do processo coronoide por meio de um acesso intraoral, também com a fáscia lata11. Nos anos 2000, Labbé e Huault realizaram uma técnica visando a reanimação dos lábios, a qual consistia em osteotomia do arco zigomático, mioplastia e a transferência da extremidade fixada do processo coronoide para o lábio12. No caso apresentado, utilizou-se a técnica de Labbé para mioplastia. E diferente da fixação proposta por Gillies e McLaughlin com fáscia lata, realizou-se a utilização de enxerto do tendão palmar longo.

O tendão do músculo palmar longo é o enxerto mais popular para a continência oral, devido à facilidade do acesso e posição superficial. Possui o comprimento médio de 16 cm – e pode ser alongado retirando também parte do próprio ventre muscular. Está presente em 75% a 85% da população13. Apresenta ainda comprimento e espessura adequados para a utilização na técnica de Labbé para reanimação da região perioral. No presente relato, após discussão das vantagens e desvantagens de cada método com o paciente e familiares, foi optado pela transferência ortodrômica do músculo temporal, que foi alongado como demonstrado sem necessidade de fratura do ângulo zigomático, o que acarretou um tempo cirúrgico de três horas, menor se comparado ao tempo necessário para a execução do transplante microcirúrgico do músculo grácil. Outra vantagem foi a de evitar a incisão na face necessária para o acoplamento do microscópio óptico. Cabe ressaltar que uma consulta elucidativa, explicando as vantagens e desvantagens de cada tipo de tratamento empregado, deve preceder qualquer tipo de procedimento a ser realizado.

CONCLUSÃO

O uso da técnica de Labbé associada a enxertia de tendão palmar longo no caso de síndrome Moebius com excessiva perda de saliva apresentou-se como boa opção no caso demonstrado.

REFERÊNCIAS

1. Marti-Herrero M, Cabrera-Lopez JC, Toledo L, Pérez-Candela V, Bonnet D. Sindrome de Moebius: tres formas diferentes de presentatión. Rev Neurol (Barc). 1998; 27:975-8.

2. Scarpelli AC, Vertchenko TB, Resende VLS, Castilho LS, Paiva SM, Pordeus IA. Möbius syndrome: a case with oral involvement. Cleft Palate Craniofac J. 2008; 45(3):319-24. DOI: https://doi.org/10.1597/07-084

3. Freitas AC, Nelson-Filho P, de Queiroz AM, Assed S, Silva FWGP. Síndrome de Moebius: relato de caso clínico. Rev Odontol UNICID. 2006; 18(3):297-302.

4. Reed H, Grant W. Möbius Syndrome. Br J Ophthalmol. 1957; 41:731-40. DOI: https://doi.org/10.1136/bjo.41.12.731

5. Möbius PJ. Über angeborene doppelseitige Abducens-facialis lahmung. München Med Wschr. 1888; 35:91-4.

6. Rizos M, Negron RJ, Serman N. Möbius syndrome with dental involvement: a case report and literature review. Cleft Palate-Cranialfacial J. 1998; 35:262-8. DOI: https://doi.org/10.1597/1545-1569_1998_035_0262_mbswdi_2.3.co_2

7. Fujita I, Koyanagi T, Kukita J, et al. Moebius syndrome with central hypoventilation and braintem calcification: a case report. Eur J Pediatr. 1991; 150:582-3. DOI: https://doi.org/10.1007/BF02072212

8. Kumar D. Moebius syndrome. J Med Genet. 1990; 27(2):122-6. DOI: https://doi.org/10.1136/jmg.27.2.122

9. Serra AVP, Moreira CVA, de Azevedo RA, Santos ND, Silva LOR. Síndrome de Moebius em paciente com fissura labiopalatina: relato de caso. RBO. 2017; 8(4):125-31.

10. Gillies H. Experiences with fascia lata grafts in the operative treatment of facial paralysis. Proc R Soc Med. 1934; 27:1372.

11. McLaughlin CR. Surgical support in permanent facial paralysis. Plast Reconstr Surg. 1953; 11(4):302-14. DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-195304000-00007

12. Labbé D, Huault M. Lengthening temporalis myoplasty and lip reanimation. Plast Reconstr Surg. 2000; 105(4):1289-98.

13. Moore T, Anderson B, Seiler JG. Flexor tendon reconstruction. J Hand Surg Am. 2010; 35(6):1025-30. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jhsa.2010.03.042











1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
3. Complexo Hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

Endereço Autor: Marcelo Lopes Dias Kolling Avenida Alberto Bins, nº 456 Apto. 21 - Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90030140 E-mail: marcelokolling91@gmail.com

 

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