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Reconstrução de orelha pós-amputação traumática: relato de caso
RESUMO
A amputação traumática do pavilhão auricular, seja total ou subtotal, acarreta sérios problemas estético-funcionais, de difícil manejo para o cirurgião plástico, e apresenta elevada incidência na última década. Relatamos um caso em que, após sofrer traumatismo com amputação por mordedura humana, é realizada reconstrução total do polo superior da orelha, com enxerto de cartilagem costal, em 3 tempos. Paciente evoluiu bem, com enxerto apresentando completa viabilidade no pós-operatório.
Palavras-chave:
Reabilitação; Cartilagem da orelha; Pavilhão auricular.
INTRODUÇÃO
A orelha possui uma estrutura complexa de difícil reconstrução, com uma cartilagem elástica delicada e um envelope cutâneo fino. Diante disso, a reconstituição desta unidade anatômica requer muito da imaginação do cirurgião, da sua experiência pessoal e conhecimento técnico.
Orelhas têm rede vascular importante e extensamente anastomótica, proveniente de um ramo da artéria temporal superficial e ramos da artéria auricular posterior, esta última fornecendo o maior suprimento. A vascularização da hélice é feita por uma rede formada entre o ramo para a fossa triangular, da artéria temporal superficial, e a artéria do lóbulo, presente em 100% das orelhas, ramo da artéria auricular posterior1.
Sendo assim, mesmo estreitos pedículos vasculares podem ser capazes de suprir uma orelha quase totalmente amputada. Se houver sangramento nas bordas do segmento acometido, é válida a tentativa de ressutura. Pequenos segmentos amputados poderão "pegar" como enxertos compostos. Entretanto, a noção de que orelhas totalmente seccionadas poderão ser reimplantadas, se transportadas em condições de assepsia e refrigeração, só é válida se a vítima for encaminhada a hospitais com recursos de microcirurgia. Reimplante total de orelha, sem anastomose vascular, está fadado ao insucesso2-4.
OBJETIVO
Descrever o uso de cartilagem costal para reconstrução de defeitos do pavilhão auricular.
MÉTODOS
Paciente masculino, de 28 anos, vítima de mordedura humana, admitido no Pronto Socorro do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, com amputação traumática total do polo superior da orelha direita, foi submetido à reconstrução em 3 tempos, utilizando-se cartilagem costal autógena (Figura 1). Primeiramente, foi realizado desbridamento conservador com sutura de área cruenta, utilizando nylon 4.0, sem tensão, com sepultamento em região mastóidea (Figura 2). Como antibioticoterapia foi utilizada cefazolina no início da cirurgia. Indicou-se amoxicilina com clavulanato por 7 dias e creme de sulfadiazina de prata 1% por 5 dias.
Figura 1. Amputação total de polo superior da orelha direita.
Figura 2. Após debridamento, com sutura de área cruenta e sepultamento em mastoide.
Em um segundo tempo, após 4 semanas, retirou-se a sétima cartilagem costal seguida da confecção do arcabouço tipo Brent que utiliza como base anatômica a orelha contralateral através de um filme de radiografia, para reconstrução do defeito, com fechamento da incisão e drenagem (Figuras 3 e 4).
Figura 3. Reconstrução de polo superior com cartilagem costal.
Figura 4. Fechamento do arcabouço e drenagem.
Por último, após 12 semanas, realizou-se a liberação do arcabouço, com enxertia de pele da mastoide, associada a curativo de Brown e confecção do sulco retroauricular (Figura 5).
Figura 5. Liberação do arcabouço cartilaginoso, enxertia de pele mastoidea e confecção do sulco auricular.
Evoluiu com adequada cicatrização com viabilidade total da orelha, sem pontos de isquemia ou necrose.
RESULTADOS
O paciente apresentou boa evolução pós-operatória, com cicatrização adequada, mantendo viabilidade do enxerto e bom aspecto da área doadora. Felizmente, as complicações mais temidas não foram constatadas, sendo elas infecção, extrusão e perfuração da pleura.
DISCUSSÃO
As deformidades auriculares apresentam um grande prejuízo funcional e, sobretudo, psicológico para o paciente. Identificamos a mordida humana como principal causa das perdas parciais por trauma e percebemos que a incidência desta enfermidade está crescendo em nosso meio. Muitas são as técnicas propostas para a reconstrução de orelha1,5.
Os autores, na sua maioria, concordam que o sucesso da reconstrução da orelha depende sobremaneira da elaboração do arcabouço cartilaginoso. Alguns outros preferem a utilização de matérias aloplásticos, mas há o risco de ocorrer a extrusão da prótese.
Segundo relatos nas descrições de Sushruta, 2000 a.C, naquela época já havia preocupação com a reparação da orelha. Contudo, somente em 1597, Tagliacozzi focalizou o problema pertinente ao tema em seu livro De curtorumchirurgia per institionem. Não obstante, deve-se a Dieffenbach, em 1845, os primeiros passos com o uso de retalhos cutâneos, especialmente do couro cabeludo, para reparar deformidades da orelha6.
A partir de 1920, Gillies revela-se o primeiro cirurgião a se preocupar em substituir o arcabouço auricular nas reparações cirúrgicas. Esforços de Malbec, desde 1952, já demonstravam seus valiosos trabalhos no cenário latino-americano com vistas à contribuição ao tema. Pode-se atribuir a Converse, em 1958, e a Tanzer, a partir de 1959, a sistematização técnica que dominou o cenário científico naquela época, cabendo a esse último a introdução da ideia de se utilizar a cartilagem costal para montar um arcabouço cartilaginoso. Embora eles tenham ordenado a reconstrução, era realizada em seis a oito tempos operatórios.
Devido ao elevado número de etapas cirúrgicas para completar a reconstrução, acrescido ainda dos riscos de sofrimento e perda da pele da mastoide, o segundo tempo, após seis meses, seria a retirada da cartilagem rudimentar, rotação do lóbulo, confecção do tragus, liberação do arcabouço e confecção do sulco retroauricular.
A partir de 1954, o tema passou a ser abordado em congressos no Brasil, com trabalhos de Spina e Pitanguy. Em 1966, Cronin introduziu o emprego de próteses de silicone, que parecia ser a solução ideal para o problema, porém, o alto índice de complicações, como infecção e extrusão, prejudicou a aceitação do método. No Japão, Fukuda adotou o uso de cartilagem de costela seguindo os ensinamentos de Tanzer, obtendo bons resultados.
O tema recebeu maior incentivo na década de 1970 com publicações de Brent e Firmin, que deram continuidade aos princípios transcritos por Tanzer e Converse. Em 1977, Juarez Avelar introduziu retalhos utilizando fáscia temporal e parietal ou gálea, que abriram novas perspectivas, ampliando o horizonte nas reconstruções de orelha, minimizando as complicações e trazendo mais refinamento aos resultados.
Pesquisas publicadas nos últimos anos revelam preferência pelo uso de cartilagem costal autóloga na reconstrução total de orelha1,7. Hoje se preconiza a realização da cirurgia em dois tempos, o primeiro constituindo a retirada da sétima e oitava cartilagem costal, a confecção do arcabouço tipo Brent e o enxerto do mesmo8,9.
A utilização da cartilagem costal é uma técnica já consagrada mundialmente. Isso se deve aos bons resultados que foram obtidos durante longos acompanhamentos feitos com os pacientes.
O Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do HUEC/PR propõe Reconstrução de orelha com cartilagem costal, sendo opção reconstrutiva versátil para defeitos parciais ou totais de orelha.
REFERÊNCIAS
1. Janis JE, ed. Essentials of Plastic Surgery. Boca Raton: CRC Press; 2007.
2. Maluf Junior I, Legnani BC, Kurogi AS, Lopes MAC, Freitas RS. Trauma de orelha: Revisão da Literatura e Série de Casos. Arq Catarin Med. 2012;41(Supl.1):15-8.
3. Ottat MR. Partial reconstruction of the external ear after a trauma: simple and efficient techniques. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):7-13.
4. Franco T, Franco D. Trauma de orelha: quando reconstruir com cartilagem costal. Rev Bras Cir Craniomaxilofac. 2010;13(3):143-8.
5. Bodanese T, Freitas RS, Itikawa WM, Cruz GAO. Conduta na amputação traumática de orelha. Arq Catarin Med. 2009;38(Supl.1):230-2.
6. Chukuezi AB, Nwosu JN. Ear trauma in orlu, Nigeria: a five-year review. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 2012;64(1):42-5.
7. Abd-Almoktader MA. Nonmicrosurgical single-stage auricular replantation of amputated ear. Ann Plast Surg. 2011;67(1):40-3.
8. Costa-Ferreira A, Reis J, Rebelo M, Natividade-Silva P, Amarante J. 'Non-microsurgical' ear replantation--Baudet's technique revisited. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2007;60(3):325-7.
9. Stiller MB, Gerressen M, Modabber A, Rübben A, Riediger D, Ghassemi A. Anteriorly pedicled retroauricular flap for repair of auricular defects. Aesthetic Plast Surg. 2012;36(3):623-7.
Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil
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