ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2008 - Volume23 - Issue 3

RESUMO

Introdução: O Etil-2-cianoacrilato (ECA) é um adesivo tecidual utilizado por alguns médicos na prática clínica para fechamento de lesões de pele. São substâncias que se autopolimerizam quando em contato com a ferida, formando uma cola forte e flexível. Este trabalho foi realizado visando à avaliação da eficácia e da biocompatibilidade deste polímero (Epiglu®, da empresa Meyer- Haake, Alemanha) na síntese de pele, em modelo experimental. Método: Dez ratos Wistar machos foram submetidos a três incisões longitudinais no dorso. A incisão central foi tratada com sutura de pontos simples de nylon 4.0 (grupo controle), a esquerda com sutura subdérmica de nylon 4.0 associado ao ECA, e a direita apenas o ECA. Os animais foram sacrificados nos dias 3, 7, 14, 21 e 30 pós-operatórios. A biocompatibilidade foi avaliada sob observação direta: necrose, inflamação, dermatite de contato, infecção e deiscência; e à microscopia: reação inflamatória, angiogênese, fibroblastos, colágeno, células gigantes e eosinófilos. Resultados: As sínteses realizadas apenas com o ECA apresentaram maior índice de deiscência (p < 0,05). Todos os outros critérios macro e microscópicos avaliados não apresentaram diferenças estatísticas em relação ao controle (p > 0,05). Conclusão: O uso do ECA é uma boa opção de síntese da pele, com boa biocompatibilidade. Atenção deve ser feita às lesões que apresentem algum grau de tensão, onde a associação com a sutura subdérmica torna-se obrigatória.

Palavras-chave: Cianoacrilatos. Adesivos teciduais. Técnicas de sutura.

ABSTRACT

Background: The Ethyl-2-cyanoacrylate (ECA) is a synthetic tissue adhesive used by some physicians in clinical practice in wound closures. They polymerize rapidly to adhere tightly to proteinaceous surfaces, form a strong and flexible bond. This study was performed to evaluate the efficacy and biocompatibility of this polymer (Epiglu®, of Meyer-Haake company, Germany) in skin wound closures, in rat model. Methods: Ten male Wistar rats were subjected to three incisions which were closed using different treatments. The central incision was treated witch Simple suture of nylon 4.0 (control group). Left incision was treated with sub-dermis suture associated with ECA, and right incision only with ECA. Rats were sacrificed on days 3, 7, 14, 21 and 30 after the intervention. The biocompatibility was evaluated due to direct observation: necrosis, inflammation, dermatitis, infection and dehiscence; and microscopy: inflammatory process, angiogenesis, number of fibroblasts, collagen, giants cells and eosynophils. Results: The wound closured only with ECA presented a higher dehiscence level (p < 0.05). It was not observed another macro or microscopic significant difference comparing to the control group (p > 0.05). Conclusion: The use of the ECA is a good option to the skin closure, with good biocompatibility. Special attention must receive the wounds with some tension, where the association with a sub-dermis suture becomes imperative.

Keywords: Cyanoacrylates. Tissue adhesives. Suture techniques.


INTRODUÇÃO

O adesivo ideal deve apresentar resistência adequada contra fluidos biológicos e manter os tecidos aderidos até a cicatriz apresentar boa força tênsil. Deve ser biodegradável, não tóxico, de fácil manuseio e retirada. Os cianoacrilatos vêm sendo usados clinicamente por mais de 40 anos como adesivo tecidual sintético. São substâncias que em contato com a ferida polimerizam-se rapidamente, formando uma cola forte e flexível que auxilia na cicatrização. Além disso, não provocam trauma tecidual e eliminam a necessidade de retirada de pontos. Atualmente, existem algumas colas de cianoacrilato, dentre elas citamos o 2-butil-cianoacrilato, 2-octil-cianoacrilato e, mais recentemente, o etil-2-cianoacrilato (ECA), cujo uso para síntese de ferimentos não é muito popular na prática médica no Brasil.

Alguns trabalhos já mostraram reações adversas com o uso dos cianoacrilatos, como aumento da atividade inflamatória1, necrose com extrusão de enxerto ósseo2, citotoxicidade in vitro3, necrose de pele4 e dermatite de contato5. Outro trabalho publicado na literatura nacional, avaliando clinicamente o uso do cianoacrilato no fechamento da pele em cirurgia plástica, com 200 casos, mostrou ausência de complicações6. Um estudo de revisão mostrou que o índice de deiscência com uso desta cola variou de 0,3% a 26%7.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a eficácia e biocompatibilidade do ECA na síntese de pele, avaliando critérios macro e microscópicos.


MÉTODO

O presente trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do CCMB da PUC-SP. Foram utilizados 10 ratos Wistar adultos machos, pesando entre 250 e 300g, anestesiados com cloridrato de ketamina (100mg/kg) e xylazina (6mg/kg) via intramuscular. Realizada tricotomia manual de uma área retangular de 7 X 5 cm na área central do dorso. Feita anti-sepsia com iodo-povidine 2% alcoólico, seguida de colocação de campos estéreis. Foram realizadas três incisões longitudinais de 2,5 cm (uma mediana e duas a 1,5 cm da linha mediana à direita e à esquerda) - (Figuras 1 e 2). As incisões foram realizadas com lâmina de bisturi nº15, interessando o plano total da pele. Elas foram realizadas no dorso para evitar que o animal roesse sua ferida. A hemostasia foi realizada por compressão manual por 1 minuto, com gaze estéril.


Figura 1 - Imagem das três incisões longitudinais de 2,5cm de comprimento realizadas no dorso do animal, distando 1,5cm entre elas.


Figura 2 - Imagem mostrando as incisões após tratamento. À esquerda, sutura subdérmica + ECA, a central, com sutura simples e, à direita, fechamento apenas com o ECA.



Cada uma das incisões recebeu um tratamento específico, constituindo os grupos de pesquisa. As incisões centrais dos animais foram suturadas com pontos simples de nylon 4.0. Nas incisões da esquerda, foram realizadas suturas subdérmicas com nylon 4.0, seguida da aplicação do Etil-2 cianoacrilato (ECA). As incisões à direita foram tratadas apenas com a aplicação tópica do ECA. A cola foi aplicada em duas sucessivas camadas, com intervalo de 2 minutos entre elas, conforme recomendação do fabricante. O ECA utilizado é comercializado com o nome de Epiglu®, tendo sido fornecido pela empresa Meyer-Haake da Alemanha.

Os animais foram alojados em gaiolas individuais, tendo acesso livre a ração e água fresca. De maneira randomizada, os ratos foram sacrificados nos dias 3, 7, 14, 21 e 30 aos pares; sendo a pele do dorso documentada fotograficamente e, então, enviada para estudo histopatológico.

O animais foram sacrificados com dose letal de ketamina. Os pontos das suturas simples foram removidos com 7 dias.

Os critérios de avaliação macroscópica foram: necrose, inflamação, dermatite de contato, infecção e deiscência8; considerando como deiscência a falha no fechamento da incisão maior que 1 mm após 48 horas. Os critérios de avaliação microscópica foram: processo inflamatório (neutrófilos e linfócitos), células gigantes, neoformação vascular, fibroblastos, deposição de colágeno e eosinófilos. As notas atribuídas pelo patologista a cada critério variaram de 0 a 3, sendo 3 a maior presença do item pesquisado, e 0 a ausência do mesmo.

Os testes estatísticos utilizados para avaliação dos resultados foram variância de Friedman e exato de Fisher.


RESULTADOS

Os resultados foram obtidos por meio de análises macro e microscópicas de cada incisão, em todos os ratos, durante o período de 30 dias.

Macroscópico

Quanto à visualização direta, não foi observado necrose, dermatite de contato, infecção ou processo inflamatório exuberante nas incisões que receberam a cola.

O resultado de maior importância observado foi o índice de deiscências (Figura 3). O grupo controle (sutura simples) e grupo sutura subdérmica + ECA não apresentaram deiscência de nenhuma incisão. As lesões tratadas apenas com o ECA apresentaram 60% de deiscência, sendo uma diferença significativa em relação ao controle (p < 0,05) - Tabela 1.


Figura 3 - Imagem microscópica (100x) evidenciando a deiscência ocorrida em um animal tratado apenas com o ECA.




Microscópico

Dentre os critérios microscópicos avaliados, houve discretas diferenças entre os três tipos de fechamento, porém sem nenhuma significância estatística (Tabela 2). O processo de neoformação vascular foi mais intenso entre o 3º e 7º dia de evolução. O número de fibroblastos e deposição de colágeno (Figura 4) foi crescente ao longo do período estudado. Os neutrófilos estiveram presentes até o 7º dia de evolução e o infiltrado linfocitário foi observado em todo o período.




Figura 4 - Imagem microscópica (100x) da cicatriz de um animal tratado com sutura subdérmica + ECA. A seta indica a região de intensa deposição de colágeno correspondente à cicatriz.



DISCUSSÃO

Estudos avaliando a biocompatibilidade do ECA como adesivo tecidual já mostraram bons resultados, não havendo reações adversas proibitivas1,8,9. Os principais critérios de avaliação desta biocompatibilidade já foram bem descritos1,8,9; sendo os macroscópicos: necrose, inflamação, dermatite de contato, infecção e deiscência; os microscópicos: processo inflamatório (neutrófilos e linfócitos), células gigantes, neoformação vascular, fibroblastos, deposição de colágeno e eosinófilos. Apesar da boa evolução observada nestes estudos prévios, alguns problemas relacionados ao uso de ECA foram publicados, entre eles: aumento da atividade inflamatória1, necrose com extrusão de enxerto ósseo2, citotoxicidade in vitro3, necrose de pele4 e dermatite de contato5. Outro trabalho foi publicado na literatura nacional, avaliando clinicamente o uso do cianoacrilato no fechamento da pele em cirurgia plástica, com 200 casos, mostrando ausência de complicações6. O presente trabalho avaliou os critérios de biocompatibilidade citados em modelo experimental em ratos; o fechamento com ECA mostrou resultados microscópicos próximos aos obtidos com o controle (sutura simples), não havendo diferença estatística em nenhum desses critérios.

A rápida polimerização, capacidade de suportar tração, efeitos hemostáticos e impermeabilizantes são as principais características atribuídas ao ECA que justificam seu uso clínico1,8-11.

Um estudo de revisão mostrou que o índice de deiscência com uso do cianoacrilato variou de 0,3% a 26%, sendo ainda maior quando não foram realizadas suturas para diminuir a tensão da ferida7. Em outro trabalho experimental comparando a síntese de ferimentos em ratos utilizando sutura simples, 2- octil-cianoacrilato e etil-1 cianoacrilato, o índice de deiscência das incisões foi de 30% naquelas onde foi realizada a síntese com Etil-1 cianoacrilato, acreditando os autores que isso se deva ao fato da estrutura do 2-octil cianoacrilato possuir uma cadeia maior e mais estável que a dos etilcianoacrilatos, tornando-se quebradiça em pouco tempo, principalmente em áreas de dobra ou em que haja movimentação constante12.

A incisão realizada no dorso do rato gera uma lesão com tensão entre as bordas, devido à constante movimentação do animal. O índice de deiscência obtido nesta pesquisa parece ser compatível com o que há descrito7, não ocorrendo nos fechamentos realizados com o ECA associado à sutura subdérmica para redução da tensão; enquanto que no fechamento com o ECA sem redução da tensão por suturas, apresentou índice de deiscência de 60%; resultado este com diferença significativa em relação ao controle (p < 0,05).


CONCLUSÃO

O Etil-2-cianoacrilato é uma boa opção de síntese da pele, com boa biocompatibilidade e praticidade de uso, embora seu uso isolado não tenha demonstrado bons resultados.


AGRADECIMENTOS

Ao dr. Nelson Brancaccio dos Santos (médico patologista) e o dr. Reinaldo Gianini (estatístico).


REFERÊNCIAS


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7. Singer AJ, Thode HC Jr. A review of the literature on octylcyanoacrylate tissue adhesive. Am J Surg. 2004; 187(2):238-48.

8. Souza SC, Oliveira WL, Soares DFOS, Briglia CH, Athanasio PR, Cerqueira MD, et al. Comparative study of suture and cyanocrylates in skin closure of rats. Acta Cir Bras. 2007; 22(4):308-15.

9. Borba CC, Roubaud Neto E, Val RLR, Borba Jr. CO. Uso do cianoacrilato na síntese da pele de ratos trabalho de pesquisa experimental. Acta Cir Bras. 2000;15(1):48-54.

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11. Vanholder R, Misotten A, Roels H, Matton G. Cyanoacrylate tissue adhesive for closing skin wounds: a double blind randomized comparison with sutures. Biomaterials. 1993; 14(10):737-42.

12. Van Beem JR, Avila WFZ, Rodrigues OF, Gonella HA. Estudo experimental anatomopatológico do cianoacrilato na cicatrização em ratos. Anales del XIII Congreso de la Federacion Iberolatinoamericana de cirurgia plástica. Lima; 2000. p.295- 300.










I. Médico Residente do Serviço de Cirurgia Plástica "Linneu Mattos Silveira" - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
II. Cirurgião Plástico do Serviço de Cirurgia Plástica "Linneu Mattos Silveira"; Membro Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
III. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Membro Titular SBCP e Regente do Serviço "Linneu Mattos Silveira".

Correspondência para:
Filipe Cartaxo Bernardo de Albuquerque Alferes
Rua Dr Artur Gomes, 530 - apto 61
Centro. Sorocaba - SP
CEP: 18035-490
E-mail: fialferes@hotmail.com

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Sorocaba, SP.

Artigo recebido: 20/05/2008 Artigo aceito: 09/09/2008

 

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